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As cinco melhores coisas de 2023

Link, de "The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom" conduz Mollie, de "Assassinos da Lua das Flores", no carro da Barbie. "2023" pode ser visto ao fundo.

Duas coisas que percebi fazendo a lista de fim de ano do Pão em 2023:

  1. Minha dieta cultural esse ano foi bem rala. Um pouco culpa do trabalho. Um pouco culpa de Eventos Acontecendo Em Minha Vida (contas).
  2. Eu desaprendi a escrever. Meu maior norte (conte o que acontece, não o que faz) ao escrever minhas resenhas não acontece nas cápsulas a seguir. Me desculpem, eu estou destreinado.

Eu escrevi pouco em 2023. E escrevi menos ainda sobre cultura em 2023. Não é culpa do que eu vi, joguei, li, ouvi, cliquei, etc. Escrever é terapêutico pra mim, mas muito desse último ano eu me descuidei da minha saúde mental, de desvendar o que eu estou sentindo. Eu também fui perdendo, aos poucos, a vontade de falar o que eu estou sentindo ou o que eu experimentei. É algo que eu quero mudar em 2024, e espero que meus queridos leitores, fieis escudeiros, estejam dispostos — eu estou empolgado para uma penca de filmes que vão estrear nos próximos três meses! Espero que estejam preparados para minhas péssimas opiniões!!

Enfim… não foi um ano ruim. Eu consegui realizar meu plano de assistir filmes majoritariamente no cinema, por exemplo. E de jogar quase todos os jogos que eu quis jogar. Eu tive tempo, e eu tive disposição. Mas eu não sei o que houve, mas na maioria das vezes eu não tinha palavras pra descrever o que eu sentia. É pura falta de prática. Como corrida, que eu também parei na segunda parte desse ano, eu só preciso exercitar um pouquinho mais pro ritmo das ideias voltarem. Eu só preciso me organizar. Eu planejo me organizar. Só essa semana eu escrevi bem mais que meses inteiros nesse último ano! Eu tô empolgado por 2024. Vocês acreditam que o blog vai fazer onze anos? Foi nessa idade que eu aprendi a ler!


O filme: Assassinos da Lua de Flores

Lilly Gladstone e Leonardo DiCaprio em cena de "Assassinos da Lua de Flores": Gladstone, no banco de trás, é conduzida por DiCaprio, no banco do motorista, em um carro dos anos 1920.

(Martin Scorsese, 2023). Todo ano eu fico com esse questionamento. Meu filme do ano é a melhor experiência que eu tive no cinema (Barbie)? Ou é o filme que mais me deu material pra pensar (Tár)? Ou é o filme que simplesmente me conectou àquela cinefilia adormecida dentro de mim (Showing Up)?

Assassinos da Lua de Flores não é nenhum desses casos. Mas é o meu filme do ano. O filme que eu saí do cinema sabendo que uma parte de mim mudou, que uma parte de mim nunca tinha visto nada igual. Em parte, porque é um dos meus tipos de filme favorito: parece ser uma coisa, mas Scorsese está fazendo outra. E, quando a gente percebe o que ele está fazendo, o filme se abre na nossa frente. Parece mais um dos seus filmes de gângster, mas Assassinos da Lua de Flores é muito mais. É uma história de amor doentio, de uma ganância monstruosa, da beleza arrancada e perdida dos povos nativos. Tudo isso sob os olhos da melhor atriz de sua geração, com Lilly Gladstone entregando ondas de emoção inteiras através de seu olhar, impenetrável e dilacerante.

Tudo isso. _ Tudo isso _ enquanto Scorsese se questiona, o tempo todo e humildemente, se ele é capaz de contar essa história como deveria ser contada. Se ele tem o que é capaz de ver através dos olhos de sua protagonista como ele queria tanto ver. Se ele fez jus à história dela. Nem ele, o grande mestre do cinema ainda vivo, sabe responder. É uma cicatriz que ele deixa à mostra para seu espectador.

E também:

Barbie (Greta Gerwig, 2023). Provavelmente o filme do ano? Eu sou fascinado pelo cinema de Gerwig, que com apenas três filmes já tem o que é provavelmente a melhor adaptação de um livro para a tela, e agora esse feito inacreditável de um filme realmente questionador, usando o dinheiro de uma mega-corporação. Na primeira vez que eu assisti, ficava me perguntando como a Mattel permitiu um filme desses. Mas foi na segunda, no natal com minha família, que eu me deparei com o filme muito sensível que existe por baixo do conceito de fachada. Uma dramédia às avessas sobre pessoas não aceitando seu espaço na sociedade, e como elas agem para mudar. Umas se fingem de mortas, outras criam o patriarcado, outras conversam umas com as outras e mudam de pouquinho em pouquinho. Quero que o Caetano cresça com esse filme por perto.

Monster (Hirokazu Kore-eda, 2023). Até dezembro, Assassinos da Lua de Flores tinha o meu final favorito do ano. Mas Kore-eda fez o que eu achei impossível: um filme tão bem construído que a mera ideia de um final feliz parece um sonho. Não é só de final que Monster se sustenta, é claro. Talvez o melhor roteiro que eu já tenha visto em tela desde que David Fincher encarou o Facebook, aqui vários pontos de vista se juntam para moldar uma história que eu acharia um crime dar mais detalhes. Grande parte da beleza desse filme tão sensível, tão delicado, está na forma que Kore-eda desdobra-o em nossa frente, com sua precisão estética igualmente sensível. É avassalador, mas também sabe ser belíssimo.

Showing Up (Kelly Reichardt, 2022). Não tem nem previsão de estreia no Brasil, mas Showing Up é mais uma obra-prima de uma diretora que nunca fez um filme menos que impecável. Eu escrevi no meio do ano como esse filme parece conversar com uma parte de mim que acredita no processo artístico como uma forma de arte em si. Mas Showing Up não é tão chato: é uma comédia sobre uma mulher querendo fazer arte, mas a vida se intrometendo no meio. E é nesse vai-e-vem de vida e trabalho que Reichardt, com a ajuda de sua grande escudeira Michelle Williams, encontra sua arte. A arte do processo, das pequenas coisas, que se constroem devagar. Que preciosidade de filme.

Tár (Todd Field, 2022). Nenhum filme esse ano me deu material como o novo do Todd Field. Tár é um colosso de cinema, daqueles poucos filmes que tudo reverbera, que é difícil de apontar e classificar. E, ainda assim, é bem claro sobre o que ele quer: dissecar a alma de uma regente no topo do mundo, no seu poder máximo. Quando se tá no topo, porém, o único movimento possível é a queda. E Tár dá tons operísticos à queda de sua personagem título (Cate Blanchett, em uma performance pra vida toda). O verdadeiro filme ruminante — pra ficar mastigando por meses após visto.

O jogo: The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom

Captura de tela de "The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom": Link, um menino loiro, com traços e esguios, corre por uma ilha no céu, com uma relva dourada e ruínas no horizonte.

(Nintendo, Switch). Eu me debati muito se Mario ou Zelda levariam esse ano, mas foi em uma breve conversa com o Erê, a qual transcreverei abaixo, em que isso foi decidido:

Arthur: É Mario ou Zelda?
Erê: Zelda, né?
Arthur: É, é Zelda.

Significativo, porque Tears of the Kingdom, a continuação do monumentalBreath of the Wild, só fez sentido pra mim quando eu compartilhei o controle com o Erê, e nós tivemos algumas das madrugadas mais divertidas que eu tive em anos. Não só pra ver o que é possível de fazer nesse jogo gigantesco, mas também pra poder dividir essa aventura com alguém. TotK é um jogo de se criar histórias — sobre como você subiu aquela montanha, ou como construiu algo para enfrentar aquele quebra-cabeça — e depois contá-las, compartilhar notas e descobertas. É um jogo comunal, como seu antecessor foi, que expande e aprofunda os conceitos de BotW. Nem sempre de maneiras necessárias, mas sempre inesquecíveis.

E também:

Cocoon (Geometric Interactive; PlayStation, Switch, Windows, Xbox). Como seus antecessores, Limbo e Inside, Cocoon maneja entrar na sua mente. À primeira vista, parece ser um daqueles jogos que se joga automaticamente, que as respostas para seus quebra-cabeças são fáceis demais, ou lineares demais. Mas é a pura alquimia do próprio jogo: de apresentar seus conceitos tão bem e espaçá-los com uma cadência precisa para fazer você pensar na velocidade que seus desenvolvedores delimitaram. É uma delícia de jogar. De uma fluidez de botar inveja em muitos arrasa-quarteirão por aí.

Japanese Rural Life Adventure (GameSTART, Apple Arcade). Obrigado Victor, que me apresentou esse jogo depois de eu (finalmente) aposentar minha ilha em Animal Crossing. JRLA é, acredite, um Stardew Valley aperfeiçoado. Um simulador rural simples, mas charmoso, que me fez perder horas do meu dia enquanto eu tentava coletar bambu o suficiente para construir meu templo. Me fez querer ir morar numa fazenda no Japão, e a me questionar se minhas preocupações são realmente preocupações. Tá aí um novo objetivo de vida.

Lil Gator Game (MegaWobble; macOS, PlayStation, Switch, Windows, Xbox). Não foi só Breath of the Wild que ganhou continuação esse ano. Outro jogo seminal dos anos 2010, A Short Hike, ganhou uma sequência espiritual com esse jogo de aventura carismático e delicado. Inspirado em BotW e, de maneiras peculiares, Link’s Awakening, Lil Gator Game é uma aventura sobre um irmão se deparando com uma irmã que cresceu para além de suas brincadeiras de infância. Curtinho e lindo, foi uma boa entrada para o mundo deZelda antes de Tears of the Kingdom chegar.

Super Mario Bros. Wonder (Nintendo, Switch). Esse é o melhorSuper MariodesdeSuper Mario World (e tenho dito!!!), um jogo pingando criatividade e genialidade, imenso sem ser maçante. O único jogo que eu joguei esse ano em que eu cogitei que, talvez, tivesse superado TotK em sua engenhosidade. Em alguns momentos, eu ainda acho que sim. É tão — mas tão — divertido, de maneiras completamente inesperadas, que foi como jogar um Super Mario pela primeira vez outra vez. Que tipo de feito grandioso, e impossível, é esse?

A música: The Great Collapse

(Joe Hisaishi, The Boy and the Heron). Sabe o que eu mais gosto nos mitos de criação? Como eles dão precisão para os verbos mais complicados. Atos como criar a luz, ou assoprar a vida, são maiores do que a minha cabeça pode compreender. Mas eles trazem essa complexidade inteira com um toque de fascínio, de mágica.

Foi exatamente o mesmo sentimento, de excitação, de presenciar essa mágica primordial que dá vida e que cria sentido, que eu senti ao ouvir The Great Collapse, uma das músicas que Joe Hisaishi compôs para O Menino e a Garça, pela primeira vez. Como ver alguém dobrar um origami na frente dos meus olhos pela primeira vez. Ver algo que eu não sabia o que seria ganhar forma, e então significado. Eu não sei exatamente o que é isso que se cria ao ouvir essa música. Mas ele é real, eu sinto ele no fundo do meu peito. No infinito da minha mente.

E também:

A Running Start (Sufjan Stevens, Javelin). O delicado novo álbum do Sufjan Stevens é pra se ouvir de manhã, tomando café. De certa forma, qualquer música dele poderia estar nessa lista (foi, e ainda é, um dos álbuns que eu mais ouvi logo depois de acordar nos sábados). Mas tem algo em A Running Start que me chama a atenção. Talvez seja o lampejo de animação, ou talvez seja porque ela me faz parar e prestar atenção, não só servir como música de fundo enquanto eu lavo a louça do café da manhã. É íntima, como todo Javelin, mas é estranhamente etérea, como uma música ambiente. Entra na pele.

Deceiver (M83, Fantasy). O novo álbum do M83 foi a trilha-sonora do meu ano. Deceiver, em especial, me acompanhou em dois dos momentos mais inesquecíveis que eu tive. Muito pelo fato de eu estar ouvindo a música certa na hora certa: o primeiro raio de sol em uma estrada infinita, e Anthony Gonzalez gritando “Distance driver” com aquela imensidão musical que ele sabe criar? Foi a minha música do ano até o novo trabalho do Joe Hisaishi aparecer, quase que no último minuto.

Madrugada Maldita (FBC, O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão Nos Levar Para Outro Planeta). A batida dessa música, a abertura do disco, é a mais contagiante que eu ouvi em anos. As letras continuam sendo o que menos me impressiona no trabalho de FBC, mas ele trabalha com o som que as acompanha em um espaço todo dele. Madrugada Maldita é uma daquelas músicas que eu não teria problema nenhum se durasse para sempre.

One Without (Oliver Coates, Aftersun). Provavelmente a música que eu mais ouvi esse ano, essa faixa da trilha-sonora de Aftersun me ajudou a decodificar o que torna o filme tão eficaz, e algo que eu tentei traduzir nesse texto. É um trabalho fantástico de entender o tom de um filme e transpô-lo para outro meio. É como ouvir a maré de um mar até então silencioso finalmente rugir.

A série: Succession

Sarah Snook, Jeremy Strong e Kieran Culkin em cena de "Succession": os três, em roupas pretas e formais, compartilham um abraço enquanto choram.

(4ª temporada, HBO). Talvez seja a resposta mais óbvia de se dar, mas também é a única que eu consigo. Misturando o tom farsesco com uma tragédia shakespereana, Succession finaliza com uma quarta temporada que alcança os pontos altos da segunda, e então os extravasa. Seja na perfeição de um episódio como Connor`s Wedding quanto a construção do arco narrativo que desemboca no devastador All The Bells Say, talvez a series finale mais emblemática desse lado de The Leftovers.

Succession sempre foi de difícil classificação. É uma série sobre seres humanos horríveis que, mesmo assim, nos força a ter empatia por suas dores (é o que nos diferencia deles, afinal de contas). É, também, uma comédia de erros, em que herdeiros se provam incapazes de navegar nos absurdos capitalistas que seu pai ajudou a fundar. É uma típica novela das oito, mas também é uma tragédia de como inescapável e destruidor pode ser o legado de nossas famílias em nós mesmos. É tudo isso, e é também uma baita duma série que me faz passar a vergonha alheia mais dolorosa, semanalmente. Vai fazer muita falta.

E também:

Alguém em Algum Lugar (2ª temporada, HBO). Já faz muito tempo que meu subgênero favorito da TV são as tragicomédias de meia-hora da HBO (Looking, Togetherness, Betty). Alguém em Algum Lugar talvez seja a melhor delas, e a sua segunda temporada aperfeiçoou os acertos da temporada anterior, expandindo a série em intensidade, e não em escopo. Uma série sobre procurar, encontrar e construir uma comunidade ao redor de si, é um deleite e uma preciosidade, sempre carismática e melancólica (e, quase sempre, as duas ao mesmo tempo).

Barry (4ª temporada, HBO). Por toda a sua trajetória na TV, Barry tem sido um joia oculta na programação. É uma comédia, mas não é engraçada. Na maior parte de suas duas últimas temporadas, é até muito depressiva. Mas é única e, se o experimento nem sempre funcionou (principalmente na terceira temporada), ainda assim entregou os episódios mais interessantes dos últimos anos. Unindo o cômico e o doloroso, Barry nunca perdeu o coração humano de seus personagens de vista. Não oferece nenhuma resposta fácil para os dilemas morais de um assassino arrependido, uma atriz arrependida, e um pai arrependido. Mas termina seus arcos com aquela precisão cirúrgica entre absurdo e humanismo em que Barry sempre encontrou algo de muito real.

Mrs. Davis (1ª temporada, seu torrent favorito). Que saudade que eu tava das séries de Damon Lindelof (The Leftovers, Watchmen). A estranheza perfeita. A construção de significados cumulativos através do tempo. O drama absurdo. O manejo entre a tragédia e a comédia. Não existem séries iguais às dele. Mrs. Davis, curtinha (vai ser uma antologia daqui pra frente), hilária e emocionalmente dilacerante em igual medida, faz as nossas perguntas difíceis que todo o mundo está com medo de fazer sobre IA. E as faz sem medo de olhar ao redor das respostas, e de questionar aquele belo e se que Lindelof sabe tão bem fazer. Aposta mais alto, e daí aposta mais alto ainda.

O Urso (2ª temporada, Star+). Das séries que parecem um milagre por existirem, O Urso mistura a comédia de espaço de trabalho com a tragédia da vida mundana. Todos os seus episódios beiram a perfeição (e Fishes e Forks a encontram), então é uma série boa de recomendar por momentos específicos. Para mim, porém, O Urso brilha pela construção, as vezes quase imperceptível, dos seus personagens. É uma série como as poucas que sabem construir e nutrir significado através do tempo. Seja com um talher, com um prato ou um jogo de olhares. O segredo de uma série que vai longe. Eu aceito, no mínimo, oito temporadas.

A sumaúma que comoveu Belém - SUMAÚMA

(texto, Helena Palmquist, SUMAÚMA). Me emociona toda a vez ler o relato sobre a morte da sumaúma. Um apelo à natureza, mas uma lembrança da nossa humanidade, capaz de velar a morte, mesmo daqueles tão diferentes de nós. Eu linkei pra esse texto no início do ano aqui no blog, e eu ainda paro para relê-lo de tempos em tempos.

Também me fez conhecer o site em si, SUMAÚMA, que se transformou em um dos meus feeds favoritos no meu RSS.

E também:

Aftermath (site). Meus escritores favoritos sobre jogos debandaram um a um, o Kotaku nos últimos anos. Foi difícil de acompanhar o trabalho deles desde então, em cadernos de jornais que foram terminados logo depois, ou em sites questionáveis. Um pouco disso porque textos sobre jogos ainda tem muito de publicidade, e o trabalho desse pessoal é questionador e difícil. Outro, porque jornalismo de jogos não é levado a sério, e publicações desistem logo que veem que a comunidade ao redor, geralmente avessa às críticas, tende ao violento. Aftermath segue o exemplo de Defector, e cria algo uma comunidade, sem publicidade, voltado para seus assinantes, e já tem alguns dos melhores textos desde o tempo deles no Kotaku. É bom ter eles de volta.

Everything is Alive Presents: The Animals (podcast, Radiotopia__). Pensando seriamente em tornar Everything is Alive um hors-concurs nessa categoria, porque todo o ano eles entregam um dos meus podcasts favoritos. Esse ano, um spin-off entrevista alguns animais sobre suas vidas, e o charme e deleite em encontrar humanidade em tudo continua. Curtinho, delicado e mágico, como sempre.

Radio Garden (site). Minha dificuldade de listar cinco músicas que me marcaram esse ano se deve ao Radio Garden, meu principal meio de ouvir música desde que eu o descobri: eu sintonizo em uma estação de rádio aleatória no mundo (eu ando gostando muito das rádios romenas, por algum motivo?), e fico ouvindo absurdos. Músicas que eu nunca vou ouvir de novo, comentários em idiomas que eu não entendo. Como a Wikipédia, o Radio Garden deixa o mundo grande.

The Retrievals (podcast, Serial Productions). Desde a terceira temporada de Serial, a equipe de produtores e escritores vem trabalhando em minisséries que seguem a mesma linha do podcast-fenômeno: uma história, contada com maestria em vários episódios. Esse método produziu alguns dos melhores podcasts dos últimos anos, como S-Town e We Were Three. The Retrievals talvez seja o melhor até aqui, e o meu podcast favorito no ano. O caso de um crime médico em uma clínica de fertilidade nos EUA é surreal, mas em cinco episódios, The Retrievals torna a dor e a injustiça palpáveis.

É isso! Muito obrigado por esse décimo ano acompanhando esse espacinho na internet. Muito obrigado, especialmente, ao meu amigo Raul, que fez a ilustração de capa do post (e o sanduíche que você vê em todas as páginas desse blog).

Feliz 2024, nos vemos lá!

O momento em que eu me apaixonei por “The Bear”

Meu momento favorito de The Bear acontece no quarto episódio: Tina, uma das cozinheiras mais antigas do restaurante em que a primeira temporada da série se passa, precisa apresentar um purê novo para a avaliação da nova chefe, Sydney. Durante todo o episódio (e por parte dos episódios anteriores), Tina e Sydney se confrontaram. A novata quer implementar um novo sistema na cozinha do “The Beef”, e Tina não quer saber.

É o clássico setup de uma série de espaços de trabalho: uma pessoa nova quer mudar como as coisas funcionam, alguns colegas se adaptam bem, mas os mais experientes não aceitam a mudança, até perceberem que ela veio para o bem. O que torna esse momento incrível em The Bear é que ela une justamente o que faz a série ser brilhante pra mim: ela usa a brutalidade visual e do ambiente (a cozinha do “The Beef” não é saudável para a cabeça de ninguém) e vê dessa brutalidade sair algo muito humano e sensível.

Não só o purê que Tina precisa entregar é de uma delicadeza (quando ela prova o leite com ervas que Sydney preparou para ela é um detalhezinho brilhante de construção de personagem), mas a crueza estética de The Bear realça quando um breve momento de beleza acontece. Nesse caso, quando Tina leva o purê para Sydney provar, Sydney elogia o prato com um misto de surpresa e costume: sim, está gostoso, mas é claro que está gostoso — foi a Tina que fez, e ela é uma grande cozinheira. Em uma breve troca, The Bear aproxima essas personagens enquanto elas se nivelam.

The Bear sabe ser cruel. É uma série de momentos bastante cruéis em um ambiente cruel, mas é na beleza que essa crueza cria, de vez em quando, que mora tanto a genialidade da série quanto, eu acredito, a de uma cozinha. Tina errou o processo do purê várias vezes durante o episódio. Mas quando ela acertou, um breve momento em que duas grandes personagens finalmente se encontram no mesmo patamar acontece. The Bear não precisa chamar atenção para esse momento esteticamente. Já no quarto episódio de sua primeira temporada, a série já ensinou o espectador a saboreá-los.

As cinco melhores coisas de 2022

Oi! Eu, eh… estou de volta!

Esse último ano não foi muito movimentado por aqui, e eu peço desculpas. Eu posso me explicar e prometer que 2023 vai ser diferente (e eu realmente espero que seja!), mas eu não quero fazer promessas que eu não possa cumprir.

O fato é que 2022 foi demais. E não que foi bom demais da conta, e sim que coisas demais aconteceram. Com a vacinação continuando, a “vida normal” parecia bater com força na porta de casa. Em um dos poucos posts que eu escrevi para o Pão nesse último ano eu comentei como isso se refletia nas histórias da maioria das séries que vi nos últimos meses. Outras coisas aconteceram também: eu me apaixonei, e deu tudo errado; eu me mudei, e deu tudo errado, até que do nada, de repente, deu tudo certo; eu virei tio, e se tem alguma coisa que era certa, era que ser tio é, na verdade, muito bom.

Enfim, foi tanta coisa que escrever para o Pão, algo que genuinamente me ajudou muito em anos muito difíceis, acabou ficando em segundo plano. Eu também tive uma dieta cultural bem mais rala nesse último ano — foram poucos os filmes, séries, jogos e músicas novas que eu me deparei esse ano. E os que ficaram comigo, os que realmente me tocaram, o fizeram por motivos estritamente pessoais.

Então, pra diferenciar um pouco das outras retrospectivas aqui do Pão, eu não estou chamando esse top 5 de “as melhores coisas do ano”, mas meus “favoritos do ano”. Acho que é muito mais honesto com a experiência que foi a minha dieta cultural nesse último ano: um apinhado daquilo que me chamou a atenção e que me ajudou num ano difícil e que, por isso, arranjaram um jeito de entrar no meu corpo e na minha alma, e eu vou levar eles comigo para sempre.

O filme favorito: Aftersun

Pra mim, Aftersun é uma conquista colossal. Em seu filme de estreia, a diretora Charlotte Wells consegue encontrar e transpôr para o cinema a experiência da memória.

Começa com detalhes aleatórios, como o som de um ônibus, o farfalhar da cortina com a brisa, a textura dos ladrilhos de uma piscina, até que esses detalhes se unem em momentos que vêm e vão na nossa mente como as ondas do mar, nos mergulhando (às vezes de forma violenta) em seus sentimentos.

Um filme “emocionalmente autobiográfico” sobre as últimas férias que filha e pai passam juntos, Aftersun começa no que parece aqueles filmes sobre nada, mas a forma como Wells encena esses momentos e os encaixa, costurados com uma trilha-sonora e atuações fantásticas, molda um filme de memória onde essas assombram e nos afogam — até nos puxa, com todo o sufoco e todo o alívio, para o agora.

(Aftersun está em cartaz nos cinemas, e estreará na MUBI em 6 de janeiro).

E também:

  • Drive My Car : um filme imenso (mesmo, de três horas) sobre os efeitos do luto e da arte em relação ao tempo, o incrível filme de Ryusuke Hamagushi me conquistou ao desarmar o meu metabolismo — lentamente conquistando o meu olhar, minha mente, e então meu coração (na MUBI).
  • Memoria : em um primeiro momento, o novo filme do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul parece querer registrar o mundano: a tentativa de uma pessoa de se fazer entender, de expressar para outra pessoa uma sensação ou um pensamento. Até que Memória, então, captura o impossível: o momento em que uma outra pessoa, no outro lado da mesa, ou da linha telefônica, entende aquilo que sentimos, e compartilha do mesmo sentimento. Quando nossa existência transcende o nosso corpo (na MUBI).
  • _ Marte Um: _ simplesmente o meu filme brasileiro favorito desde A História da Eternidade, e por motivos completamente diferentes. Poucos filmes, aqui ou lá fora, capturam a sensação que é viver especificamente no dia de hoje como Marte Um conseguiu. Um retrato imenso de pessoas que não conseguem parar de sonhar, e todos os mundos imaginários que ficam em nossas cabeças. Ainda bem que o cinema existe, e alguns deles saem para as telas (nos cinemas).
  • _ Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo: _ longo, estufado, um tanto clichê e, mesmo assim, uma das coisas mais fenomenais que eu já assisti. Um amigo meu comparou com Matrix e, honestamente? Acho que a comparação é completamente válida. Tá aí um filme que, ao mesmo tempo, é diferente de tudo que o blockbuster americano está fazendo hoje em dia, e conversa com as ânsias e referências que o público dialoga. A história da dona de uma lavanderia que, ao errar uma prestação de contas, acaba se envolvendo em uma vasta conspiração com o multiverso é fenomenal: amplo o suficiente para incluir piadas anais e pequenas declarações de amor na mesma cena. Nenhum filme me fez chorar de tristeza, de alegria e de alívio com tanta velocidade quanto esse. (para alugar).

A série favorita: Estação Onze

Eu escrevi no início do ano sobre como Estação Onze, a minissérie da HBO Max sobre uma atriz mirim que sobrevive à uma pandemia ainda mais mortal que a nossa, torna o mundo grande de novo. De lá para cá, Estação Onze ficou no topo das minhas séries favoritas esse ano, e nenhuma outra chegou perto de tomar seu lugar.

O motivo é simples: Estação Onze é difícil de se reduzir. Quando eu recomendo essa série, faltam palavras para descrever o porquê alguém deveria assistir ela. É estranha e divertida, triste e imensa. Sua estrutura permite que ela vá para os lados mais desconexos possíveis de sua trama, mas ao invés de torná-la rasa, essa abordagem transforma Estação Onze em um panorama de como a humanidade sobrevive, mesmo no meio do medo e da incerteza. Ela expande tanto que nos lembra de como o mundo é grande e diferente, e que a gente só sabe um pouquinho, só experimenta um tanto dele. Ao invés de tornar isso inquietante, Estação Onze transforma essa realização em uma benção.

(Estação Onze está disponível na HBO Max).

E também:

  • _ Barry _ (terceira temporada): ninguém está bem na terceira temporada de Barry, e eu vi os novos episódios da dramédia sobre um assassino na HBO nesse mesmo estado de espírito. Isso não torna Barry em algo particularmente divertido de se assistir (embora seja muito, muito engraçada), mas poucas séries na TV hoje tem a coragem de entrar na mente de seus personagens com tanta força quanto essa. Assistir Barry foi quase que um exorcismo (na HBO).
  • _ Better Call Saul _ (sexta temporada): terminar BCS esse ano foi uma sensação agridoce. Já faziam algumas temporadas que eu passei a considerar esse spin-off superior a Breaking Bad, seu progenitor. Mas essa última temporada, impecável, também parece uma despedida de um jeito de se fazer séries que não se faz mais na era do streaming. Nenhum outro drama na TV hoje se importou tanto com a progressão semanal, e com a possibilidade desse formato de explorar o íntimo do seu personagem como Better Call Saul. Seu episódio final é um delírio (na Netflix).
  • Pantanal : o grande fenômeno da TV esse ano. Não foi o fim de BCS ou o humor absurdista de O Ensaio, ou a estreia fortíssima de Ruptura. Nada na TV manteve a atenção como Pantanal, a primeira novela da Globo em muito tempo a abraçar os pontos fortes do formato e finalmente inovar ao tentar solucionar seus pontos fracos. Com um valor de produção altíssimo (eu não duvido que tenha sido a novela mais cara já feita) e um elenco de peso (Marcos Palmeira e Dira Paes nos grandes papeis da TV brasileira desde Avenida Brasil), nada me fez sentir parte de algo maior em 2022 do que acompanhar Pantanal com o resto da população brasileira. Como todo o bom programa de TV, nos faz sentir uma parte de algo maior, de uma experiência realmente comunal que atravessa os limites da georgrafia. Desde Twin Peaks: O Retorno eu não percebo um fenômeno desse acontecendo na TV (no Globoplay)
  • _ Ruptura _ (primeira temporada): a grande estreia na TV esse ano, com certeza. Ruptura tem estilo e tem força de sobra, e uma trama quase Lostiana que pode botar tudo a perder a qualquer momento. Mas é justamente isso que torna ela irresistível: a série está numa corda bamba entre a genialidade e a bobagem, e como ela equilibra sua premissa com tanta precisão sobre esses extremos, com um elenco fantástico e uma estética fortíssima, é brilhante. Já é a melhor série da Apple (na Apple TV+).

O jogo favorito: TUNIC

Foi bem no início de TUNIC que eu me apaixonei por ele, e que eu sabia que nada que eu jogasse esse ano ia conseguir superar aqueles primeiros momentos. E foi justamente TUNIC que o superou, pouco a pouco, conforme revelava suas verdadeiras garras.

TUNIC é um jogo de aventura de ação à Legend of Zelda, com alguns requintes de Dark Souls. É o equilíbrio entre essas duas referências, em que uma preza por uma jogabilidade direta, enquanto outra gosta de esconder suas mecânicas em camadas e camadas de habilidade, que faz TUNIC ser tão especial. Eu não sou um bom jogador, o que torna os jogos do estilo Souls intransponíveis pra mim. Mas ao pegar as melhores mecânicas de Zelda, com sua estrutura de relógio suíço em que cada elemento de jogo responde a outro elemento, que TUNIC torna seus momentos mais complicados em verdadeiros quebra-cabeças de habilidades. E o manual… ah, o manual. TUNIC fica ainda mais especial

(TUNIC está disponível para Mac, PlayStation, Switch, Xbox e Windows).

E também:

  • Elden Ring : o extremo oposto de TUNIC, o novo jogo da From Software é imperdoável, e honestamente eu não me aprofundei muito nele. Diferente de outros Souls, porém, eu não precisei. O mundo aberto de Elden Ring dá respiro o suficiente para jogadores como eu explorarem sua narrativa através da arquitetura, e experimentar um pouco do mundo magistral do jogo à sua própria maneira. Me fez me questionar se eu não deveria dar uma segunda chance aos jogos anteriores (para PlayStation, Xbox e Windows).
  • OlliOlli World : um mundo de skate e charme, OlliOlli World entende como poucos jogos aquilo que todo jogo deveria entender: qualquer jogabilidade só é tão boa quanto a execução de seus verbos. E se tem algo que foi bom de fazer esse ano foi de tornar tudo o que eu via pela frente em uma possibilidade de fazer uma manobra boba de skate. Talvez o mais próximo que eu já cheguei da liberdade que um skatista deve sentir (para Mac, PlayStation, Switch, Xbox e Windows).
  • Return to Monkey Island : o retorno de Guybrush Threepwood e seu criador, Ron Gilbert, à Ilha do Macaco não poderia ser melhor. Return consegue ser a continuação perfeita, que revela a maravilha do original sem parecer uma cópia, e comenta suas influências com maturidade e distância. Return to Monkey Island é engraçado como os originais, mas também é ciente do que mudou nesses anos todos entre um jogo e outro, seja em mecânica ou em humor, em sensibilidade histórica ou maturidade do seu autor. Me faz querer voltar à infância e jogar Monkey Island e King’s Quest madrugada adentro de novo, mas também me faz pensar em como esse tempo passou (para Mac, PlayStation, Switch, Xbox e Windows).
  • Wordle : provavelmente o jogo do ano, Wordle foi o mais próximo que chegamos ao nível de loucura causada por Pokémon Go em 2016. Um verdadeiro fenômeno que nos deixou um pouquinho mais próximos um do outro. Que seja tão simples e tão viciante é só uma prova da sua genialidade (para navegadores, com versão em português).

A música favorita: Different Today

2022 foi o ano em que várias das minhas bandas favoritas na juventude voltaram com álbuns novos. Arcade Fire, Belle & Sebastian, Son Lux…

Mas foi Cool It Down, o primeiro disco do Yeah Yeah Yeahs em quase uma década, que se transformou num favorito instantâneo. Logo na faixa de início, Spitting at the Edge of the World, eu me lembrei do porquê eu amar essa banda, e dos momentos que suas músicas embalaram no passado. As músicas dos YYY são amplas, criando uma espécie de horizonte sonoro em que a voz da vocalista Karen O pode ir de um ponto ao outro, de gritos a sussuros.

Cool It Down é um álbum de uma banda punk por natureza alguns anos depois da maturidade chegar. A intensidade das letras e a força do som ainda estão ali, mas servem pra intuitos diferentes. Essa realização me bateu quando eu ouvi Different Today pela primeira vez. O que me faz amar o Yeah Yeah Yeahs está ali: a voz delicada mas intensa, a guitarra forte e as batidas marcantes. É o som que eu amo ouvir dessa banda, mas que embalam uma canção muito menos violenta do que nos álbuns anteriores: Karen O canta sobre como o tempo passou, como o sentimento mudou, e como o mundo continuou a girar. Em It’s Blitz!, o Yeah Yeah Yeahs soava como o desespero de um último respiro no meio de um sentimento intenso. Em Cool It Down, esses mesmos sentimentos intensos estão em outros lugares, e é Different Today que os encontra.

(Different Today é uma música do disco Cool it Down, ouça).

E também:

  • _ BREAK MY SOUL _ (Beyoncé): eu posso não ser um fã de RENAISSANCE, o disco que Beyoncé lançou esse ano, mas até eu sei reconhecer o hitzão de BREAK MY SOUL. Das músicas que me fazem querer ir em festa de novo e viver algo inesquecível ao som contagiante que a cantora encontra aqui (ouça).
  • _ Mother I Sober _ (Kendrick Lamar): Mr. Morale & The Big Steppers é longo, confuso, vai pra lugares meio incertos, mas é a obra de um gênio, e Lamar não tem medo de se expôr nela, principalmente na penúltima faixa. Começando a música declarando quem ele é, e terminando se libertando da culpa através da honestidade, talvez seja a música que melhor expresse toda a confusão que a precede. Mr. Morale é um grande álbum, mas é Mother I Sober que o decodifica da mente de Kendrick Lamar para o mundo.
  • _ This is a Life _ (Son Lux, ft. David Byrne & Mitski): a junção de Son Luz e David Byrne parece tão lógica, e mesmo assim precisou que Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo existisse para que esses dois artistas se juntassem, em uma música que, como o filme para o qual ela foi composta, tenta capturar toda a existência humana. Como as melhores músicas de Byrne, ela consegue ao observar os pequenos detalhes da vida — a forma como a gente acorda toda a manhã, e vai dormir toda a noite, e na forma que em alguns dias a gente acorda de noite, e só consegue dormir de manhã também (ouça)
  • Unconditional I (Lookout Kid) (Arcade Fire): de todas as músicas de WE, Unconditional I é a música que mais parece um clássico do Arcade Fire (e talvez seja, visto que a banda parece ter finalizado nesse disco músicas em que eles trabalhavam há anos). É uma música feita para ser experienciada no típico palco da banda: ao vivo, em uma multidão gritando em plenos pulmões os sentimentos mundanos que só o Arcade Fire sabe transformar em momentos grandiosos (ouça).

It’s Your Friends Who Break Your Heart

O artigo da Jennifer Senior para o The Atlantic tem um título fatalista, mas é a observação mais bonita sobre a natureza do relacionamento criado e mantido pelas amizades que moldamos durante a vida (e, claro, como é especialmente doloroso quando elas acabam em sussuros, e não em explosões).

2022 foi um ano complicado para mim, em termos de relacionamentos, e nos últimos meses eu passei boas horas lendo sobre justamente eles. Sobre a natureza dos afetos, dos amores, das decepções amorosas, de como o ser humano é incapaz de se sentir completo. Mas nenhum texto é como It’s Your Friends Who Break Your Heart. Embora Senior se dedique principalmente ao paradoxo da amizade (é o tipo de relacionamento que temos mais à nossa disposição, mas o que menos nos dedicamos em manter), ele também tem a melhor descrição que eu já encontrei para o que é ter um amigo: perceber nele que somos a melhor versão de nós mesmos. Tá aí um texto que me fez rever toda a minha vida, e em perceber que amizades, e não romances, são os principais relacionamentos da minha vida (The Atlantic).

E também:

  • ENCERRAMENTO MASSA: a gente já sabia que isso tava para acontecer, mas esse foi o ano em que a Jout Jout finalmente encerrou o seu canal. Em seu último vídeo, a Julia e o Caio se reúnem para explicar o que aconteceu nesse tempo sem novos vídeos, e o porquê não faz mais sentido (para eles) em manterem o projeto hoje em dia. É um tanto triste assistir se você é fã e recebe uma comprovação do fim de uma ideia tão bacana, mas a Jout Jout sai de cena (pelo menos nesse canal) com aquilo que fez JoutJout Prazer ser tão delicioso: é honesto e espontâneo, e vai fazer uma falta imensa numa internet cada vez mais performática.
  • In The Scenes Behind Plain Sight: da mente brilhante de Ian Chillag, o criador do meu podcast favorito, In The Scenes… é um arraso, com recaps e bastidores de uma série que nunca existiu. É um arraso de podcast, mantendo a criatividade imensa dos outros projetos de Chillag com o charme de ouvir semana a semana uma retrospectiva do que parece ser uma série que deveria ser deliciosa de assistir por si mesma. Genial na ideia e na execução.
  • Line Goes Up – The Problem With NFTs: lembra como NFTs foram algo no início de 2022? Meio incrível de pensar que foi nesse ano que uma galera delirou nuns GIFs que eles diziam serem únicos. É esse fenômeno (e a criptoeconomia como um todo) que o canal Folding Ideas esmiuça em detalhes, e os coloca em um panorama do nosso relacionamento atual com a tecnologia que é iluminador de assistir.
  • How We Feel: esse app dos criadores do Pinterest foi o meu achado do ano. Ele oferece um mapa de sentimentos bons e ruins para você escolher durante o dia, e você registra aquilo que você está sentindo com o passar do tempo. Você pode adicionar fotos, ou notas (escritas ou de áudio), colocar pequenos lembretes de onde você estava, com quem e o que fazia naquele momento em que sentiu determinado sentimento. How We Feel se tornou meu app de diário, e me ensinou a criar um verdadeiro vocabulário emocional. A gente sente muito mais do que alegria ou tristeza com o passar do dia, e saber as nuances daquilo que eu sinto em momentos, sejam mundanos ou especiais, tem me ajudado muito a me sentir mais seguro dentro da minha própria mente. Tá aí uma sensação que eu quero levar para a minha vida.

É isso por enquanto, pessoal. Feliz ano novo, a gente se vê no futuro!

Uma lista de séries pra você dar uma chance na HBO Max

Então, você tá assistindo A Casa do Dragão. Você assinou, ou está aproveitando aquele período de teste da HBO Max, e vai assistir o prequel de Game of Thrones. Eu espero que você se divirta muito! Parece uma série muito boa, e os dragões são mais reais do que na série original. Eu particularmente gosto do escopo menor de A Casa do Dragão, é como uma mistura de Succession com O Senhor dos Aneis.

Esse post não é pra falar de A Casa do Dragão, me desculpem por isso. Eu não tenho muito o que falar de uma série desse tamanho. Mas eu passei muito mais tempo do que eu me orgulho admitir explorando o catálogo da HBO com o passar dos anos, e tem muita série boa por ali. Se você quer aproveitar esse período que você vai assinar o serviço pra acompanhar os dragões, aproveita também pra experimentar uma penca de séries boas que tem por lá.

Eu ajudo nisso. Vou recomendar uma penca de séries curtinhas, que você vai conseguir assistir nesses dois meses. Não tem nada de Succession, The Wire, Família Soprano ou Sex and the City aqui. Essas você já deve ter assistido ou ouvido falar.

Betty

  • O que é? Uma dramédia sobre um grupo de garotas skatistas na cidade de Nova York, fazendo amizades e descobrindo o início de suas próprias vidas enquanto elas voam pela cidade.
  • Quantas temporadas? Duas temporadas, doze episódios de 30 minutos.
  • Pra quem é essa série? Honestamente, todo o mundo. Betty é uma série mágica, que me conquistou do nada. Eu nunca achei que ia me interessar sobre uma série de skatistas, e Betty não só me emocionou com as jornadas dessas garotas como me fez entender a beleza desse esporte.
  • Pra assistir quando? Betty é uma série bem leve e aparentemente despretensiosa. Assista quando estiver a fim de algo sem Grandes Questões da Humanidade. Elas estão lá — mas, como na nossa vida, elas não chamam tanto a atenção no dia-a-dia.
  • Leia mais: eu escrevi sobre a primeira e a segundatemporada da série por aqui.

Diz que me ama

  • O que é? Drama de relacionamento que gira em torno de um punhado de casais em diferentes fases da vida, todos eles têm a mesma terapeuta.
  • Quantas temporadas? Uma temporada com dez episódios de uma hora.
  • Pra quem é essa série? Quem gosta de coisas bem cruas. Diz que me ama não se esconde no drama nem no sexo (a série causou um burburinho por rumores de suas cenas de sexo não serem encenadas, o que não é verdade… só são muito bem filmadas). A série mostra, sem muitos escrúpulos, como relacionamentos assumem diferentes formas. Umas são mais bonitas que as outras.
  • Pra assistir quando? Sexta de noite, abre um vinho e chama sua companhia. Mesmo encontrando lugares bem pesados na vida desses personagens, Diz que me ama é muito humanista na forma que enxerga eles. Bom pra ver acompanhado de alguém que você sabe que te ama.

Enlightened

  • O que é? Laura Dern é uma mulher que volta de um retiro espiritual depois de um ataque de raiva e tenta reconstruir sua vida.
  • Quantas temporadas? Duas temporadas, dezoito episódios de 30 minutos.
  • Pra quem é essa série? Quem tá perdido em alguma decisão da vida e quer se sentir menos sozinho nesse momento. Elightened correu para Fleabag voar, se você gostou de uma vai adorar a outra.
  • Pra assistir quando? Mesmo sendo uma comédia, Elightened sabe ser pesada. Eu recomendo pra sábados chuvosos.

Looking

  • O que é? Patrick, Dom e Augustin são três homens gays em São Francisco procurando por algo em suas vidas. O que é? Me diga se você conseguir uma resposta.
  • Quantas temporadas? Duas temporadas, dezoito episódios de trinta minutos, mais um filme que serve como series finale.
  • Pra quem é essa série? Você aí incerto com sua vida agora que você parece que tem ela resolvida mas ainda assim parece que falta algo. Exato, o título do filme é sobre exatamente isso que você tá assistindo.
  • Pra assistir quando? Meio da semana, durante a janta. A série não é pesada então não vai te deixar deprê (mesmo que o episódio final seja muito, muito intenso).
  • Leia mais: escrevi sobre a série na época que o filme foi lançado, também escrevi sobre uma epifania que o mesmo filme me causou anos depois.

O Ensaio

  • O que é? Uma comédia documental em que Nathan Fielder ajuda pessoas a lidarem com circunstâncias complicadas fazendo-as ensaiar todos os cenários possíveis. Quando eu digo todos, é todos mesmo.
  • Quantas temporadas? Uma temporada com seis episódios de uma hora. A série foi renovada para uma segunda temporada.
  • Pra quem é essa série? Pessoas que gostam de um humor absurdo. Não vou dizer que O Ensaio é pra todo mundo. É uma grande série, mas se você não curte o tipo de humor que ela provoca, você vai sair irritado. Dê uma chance para o primeiro episódio, que é mais direto. Se você curtir, se prepare para uma jornada.
  • Pra assistir quando? Essa é difícil, porque O Ensaio sabe ficar intenso da metade pro final. Eu diria que uma sexta-feira à noite também?

The Comeback

  • O que é? Lisa Kudrow é uma atriz de uma comédia dos anos 90 que está caindo no esquecimento e quer planejar seu retorno triunfal.
  • Quantas temporadas? Duas temporadas, vinte e um episódios de 30 minutos.
  • Pra quem é essa série? Quem gosta do humor ácido da primeira temporada de The Office, mas com mais coração. A série também é filmada como um documentário/reality, então você tem que curtir essa estética.
  • Pra assistir quando? Nossa, qualquer dia útil da semana. Se você gosta desse tipo de comédia, assistir ela depois do trabalho ajuda a dissipar aquela frustração.

The White Lotus

  • O que é? Um suspense com bastante comédia que se passa em um hotel de alta categoria no Havaí.
  • Quantas temporadas? Uma temporada de seis episódios com uma hora de duração. A série foi renovada para uma segunda temporada.
  • Pra quem é essa série? Pra quem gostou de Enlightened. A série é do mesmo criador, o genial Mike White, e só extrapola as qualidades da sua série anterior. O humor é de gelar a espinha, o conflito de classes é latente, e o suspense dá uma boa dose de vontade de maratonar ela.
  • Pra assistir quando? Domingo, antes do próximo episódio de A Casa do Dragão.

The Leftovers

  • O que é? Drama existencial pesadíssimo em que 2% da população mundial desaparece, e as pessoas que ficam precisam continuar suas vidas.
  • Quantas temporadas? Três temporadas, vinte e oito episódios de uma hora.
  • Pra quem é essa série? Eu. Essa série é feita sob medida pra mim. E pra você também se você gosta de se deparar com questões sobre a condição absurda da existência humana, desassociar da sua realidade e ter aquela reação galaxy-brain pra vida. Também, se você gosta de grandes atuações e uma linda história de amor no meio do fim do mundo.
  • Pra assistir quando? Domingos de noite. O dia acabou, a semana vai começar. Assista um episódio por semana. Ela é pesada e você não vai conseguir maratonar.
  • Leia mais: ah, eu escrevi sobre essa série… quando a segunda temporada acabou, quando a terceira acabou, na lista de fim de ano de 2017, no listão da década e durante a pandemia.

Ninguém está bem

Bill Harder em “Barry”, da HBO.

As cenas de assassinato na série Barry são longas — a tensão cresce lentamente, junto com o desespero das vítimas, que percebem estar na mira de um predador e que dificilmente sairão dela vivos. Mas não é por isso que a terceira temporada da série é tão difícil de assistir.

Barry é uma comédia, com um humor que se alastra, como um temporal, sobre a imagem. As vezes você nem percebe como uma piada está sendo construída bem na sua frente, até que ela explode com suas consequências, trazendo um pouco mais de pavor para a vida de seus personagens. Esse pavor é um verdadeiro vapor emocional sobre eles: Barry e Sally nunca estiveram tão infelizes em seu relacionamento, nunca esconderam tanto um do outro, e nunca estiveram tão próximos. Mesmo assim, uma insatisfação intangível, um desespero de que tudo está caindo fora do combinado ao mesmo tempo que nada parece estar acontecendo, corrói a alma dos dois.

E Barry parece não ser a única série que, em 2022, decidiu observar esse vazio de sentimentos corrosivos. Ruptura, a nova série da Apple TV+, usa esse vazio explicitamente. Nela, um grupo de funcionários de uma empresa misteriosa aceitam passar por um procedimento cirúrgico que divide suas memórias: quando estão no trabalho, eles não lembram de nada da sua vida fora da empresa; quando eles saem de lá, eles não lembram de nada. Seja no escritório ou fora dele, os personagens de Ruptura estão sempre com um sentimento em comum de que algo está faltando — algo indescritível, mas bastante perceptível. Algo, algum sentimento, uma sensação ou uma memória, que estava ali e não está mais.

Tanto a terceira temporada de Barry quanto Ruptura parecem fazer parte de uma segunda onda de arte criada na pandemia da Covid-19. Se na primeira nós vimos obras sobre como é viver em isolamento ou procurar criar alguma conexão em meio a esse isolamento (como a magnífica segunda temporada de Betty e a misteriosa Calls), agora nós vemos obras observando os efeitos desse isolamento e da tragédia.

Não é pouca coisa. Nesses dois últimos anos vimos muito do que idealizamos como sociedade ruir. Falando especificamente do Brasil, fomos impedidos de nos proteger, de enterrar nossos mortos e de nos enlutarmos. Tivemos nossas vacinas negadas por meses, e então tratadas como privilégio. No mundo, vimos a indiferença generalizada aos milhões de mortos, as tentativas de fuga dos bilionários para o espaço, a destruição crescente dos recursos naturais do nosso planeta. Tudo isso — tudo isso — enquanto tentávamos nos adaptar: pessoas precisam trabalhar por menos para comprar comida cada vez mais cara; o sucateamento acelerado da infraestrutura social, causada pelos primeiros dois anos de pandemia, agora cobra seu valor desprovendo aqueles que dependem dela. Aqueles que sobreviveram à pandemia, ao frio e à fome que ela tornou ainda maior.

Então… o que foi perdido? O que é esse vazio que a gente percebe agora, que a gente sabe que sempre esteve, de alguma forma, com a gente. Mas que agora, em que o mundo parece simplesmente continuar girando, é incapaz de ignorar.

Tanto Barry quanto Ruptura observam pessoas percebendo esse vazio absurdo em suas almas, sem necessariamente dar uma resposta de como fugir dela. Existem pistas: algumas pessoas ao redor de nossos protagonistas encontram um balanço entre esse desconforto e a vida que decide continuar. Eles procuram comunidades — amigos perdidos no tempo, familiares antes distantes. Nosso protagonistas não conseguem. Eles não conseguem ignorar esse vazio, e esse vazio só fica maior. Nada parece preencher ele.

Esse sentimento não é novo, nem na vida nem na arte. O vazio existencial trazido pela percepção de que o Homem, a Terra e nem mesmo o Sol são o centro do universo paira sobre nosso íntimo há séculos. A dor de saber que todo esse sofrimento, e também toda a nossa felicidade e nosso amor, são apenas vírgulas na história da poeira cósmica que nos formou e na qual vamos nos transformar depois que morrermos. Nós sabemos, nós enfrentamos essa frieza da existência todos os dias. Mas por que agora, nesse exato momento, parece que todo o mundo está enfrentando ela?

Eu acho que a melhor descrição do que é estar vivo nesse momento vem durante End of Empire, a faixa central de WE, o novo disco do Arcade Fire. A música — um épico de nove minutos sobre um futuro em que o mar tomou o oeste da América e a guerra dizimou o leste — traduz tanto o que torna a música da banda tão especial, mas também a dicotomia do que estamos vivendo hoje.

De um lado, End of Empire descreve o que é viver nos escombros da civilização. É grandiloquente, mas também é honesto. Todos nós temos medo de vivermos a vida errada e então morrer. Temos medo de sentir, lá no fim, que a felicidade não foi suficiente, que o sofrimento não valeu a pena, que o medo foi grande demais.

Mas todas as melhores músicas do Arcade Fire manejam o inacreditável: pegar esses sentimentos íntimos e profundos e torná-los em algo grande o suficiente para poder gritá-los, como um hino, um grito de guerra. Quando a música encontra seu clímax, em “E o oxigênio está acabando, cante uma canção que costumávamos conhecer”, o tom sombrio do início da música dá espaço para o entusiasmo. A música termina com “Temos uma vida, e metade dela se foi”. O tipo de realização simples, mas universal, que as músicas da banda costumam concluir. São específicas o suficiente para serem universais demais.

Mas o que WE consegue como uma ficção científica, Barry com uma comédia e Ruptura com um suspense é fazer esse vazio se encaixar na sua fábrica emocional. O humor ainda existe em meio ao sofrimento de um assassino; os mistérios do dia a dia ainda assolam os empregados com as memórias apagadas; uma família ainda sobrevive nos escombros do fim do mundo, e encontram vestígios do carinho e do amor que existiu das pessoas que viveram nesse lugar antes de todo aquele sofrimento.

Eu não sei se existe uma cura para esse vazio. Provavelmente não. Acho que nós, como uma geração, vamos ficar com uma cicatriz do tamanho de um rombo em nossas almas, por termos vivido e sobrevivido a eventos terríveis, mesmo que de longe. Eu demorei para perceber o quanto as notícias terríveis, a injustiça sistemática e a solidão e o isolamento acabaram consumindo o meu bom humor e meu carinho, coisas que eu sempre achei que eram minhas melhores qualidades. Ali onde eles estavam ficou esse vazio.

Se tem uma coisa que essas histórias me fizeram perceber, porém, é que não sou apenas eu sentindo esse vazio. Ele sempre existiu, sempre vai existir, e a gente já aprendeu a conviver com ele uma vez. A humanidade evoluiu tanto e aprendeu tanto para saber que a história não gira em torno de si. Isso nos torna pequenos e insignificantes como poeira estelar vagando pela imensidão do vazio do universo. Se tem uma coisa que podemos fazer, juntos, é criar algo que faça sentido para nós nesse mero momento que temos de vida no meio desse vazio. Não é perfeito, mas a vida não seria interessante se fosse perfeita. Sortudos que somos.

Minha dieta cultural nas últimas semanas

Eu ando sumido por aqui. Não só aqui, na verdade. Eu não ando escrevendo. Isso tem sido um problema que eu tô levando pra terapia já faz uns meses. Pode ser um punhado de coisas — eu suspeito que seja o conjunto dessas coisas, com uma confusão amorosa, o calor (que me tira a inspiração) e a reforma do meu apartamento.

Então eu resolvi dar um jeito nisso. Eu posso não ter muito o que escrever por aqui mais (pelo menos eu acho que não), mas eu posso oferecer uma pequena atualização do que eu ando assistindo e lendo e jogando. Algo bem breve. Talvez esse pequeno exercício me inspire a escrever mais. Eu tô torcendo pra que isso funcione.

Se você assinava A Baguete há uns anos atrás, já conhece o formato desse post. Depois dessa pequena introdução, vem uma lista com filmes, séries, jogos, livros e (as vezes) músicas que eu gostei nas últimas semanas. De vez em quando eu coloco alguns links interessantes que eu achei também. Vamos começar.


Pela primeira vez em muitos anos eu não fiz aquela “corrida do Oscar” que eu costumava fazer em janeiro e fevereiro. Eu não procurei a maioria dos filmes indicados para assistir. Eu decidi me comportar como um ser humano normal e assisti os filmes que mais me interessavam, e eu não me arrependo muito de ter feito isso? Eu já tinha assistido Ataque dos Cães na Netflix no ano passado e Mães Paralelas nos cinemas (e agora está na Netflix também).

Fora esses, eu queria muito ver Licorice Pizza, que estreou nos cinemas brasileiros em fevereiro e é um arraso — tem toda aquela energia que os filmes do Paul Thomas Anderson têm, repleto de vida e de movimento. Mas os destaques pra mim foram os dois filmes estrangeiros que conseguiram algumas indicações aqui e ali: o magnífico Drive My Car (nos cinemas, e a partir de hoje na MUBI) e o estonteante A Pior Pessoa do Mundo, que tá nos cinemas e eu não posso recomendar um filme mais do que esse.

Minha verdadeira paixão nesse início de ano, porém, foi com Sempre em Frente, o novo filme do diretor Mike Mills (eu escrevi sobre o filme anterior dele, Mulheres do Século 20), um filme bem pequeno sobre um homem cuidando do sobrinho enquanto entrevista crianças e jovens para seu programa de rádio. É belíssimo, e tem a minha sequência favorita do ano por enquanto — ele lendo o livro Star Child da Claire A. Nivola enquanto as memórias que os dois fizeram juntos vão sumindo lentamente. É maravilhoso.

Além dos filmes, eu sigo firme e forte na minha maratona de Plantão Médico na HBO Max (eu escrevi ano passado sobre como essa série ainda é impressionante de assistir). Também na HBO, minha série favorita do ano até aqui é a Estação Onze. Talvez eu tenha que rever ela. Ela fazia meus sentimentos parecerem grandes e pequenos ao mesmo tempo.

Eu ando assistindo muita coisa na Apple TV+, o que é um saco porque é chato de recomendar um serviço tão específico assim. Mas tá cada vez mais difícil contornar essa situação. A Apple TV+ tá com algumas das séries mais interessantes no ar atualmente: eu continuo amando assistir Central Park por lá, mas o verdadeiro arraso é Ruptura, sobre os funcionários de uma empresa que passaram por um processo médico que faz as memórias da vida pessoal e do trabalho se separarem, criando essencialmente duas pessoas no mesmo corpo. Quando eles estão na empresa, eles não lembram nada da vida pessoal deles fora dali; quando eles saem do turno de trabalho, eles não lembram nada do que aconteceu lá dentro. É brilhante.

Em termos de jogos, eu me arrisquei um monte em Elden Ring, que é um arraso de construção de mundo e de jogabilidade. Não é meu estilo de jogo (eu já sou ruim em jogos fáceis, imagina num assim), mas eu amo como a jogabilidade profunda que os jogos da FromSoftware oferecem é tão enriquecido com o mundo aberto.

Eu ando jogando mesmo é o Paper Mario original no catálogo do Nintendo 64 no Switch. Eu amo esse jogo e, mesmo que os visuais tenham envelhecido muito (o Paper Mario: The Origami King de 2019 é de uma beleza estonteante), a história ainda é uma das minhas favoritas dos jogos. Todos os personagens são muito carismáticos, e o humor é uma delícia. Mais jogos deviam ser bem humorados.

Meu maior destaque em jogos, porém, vai pra Tunic (Xbox, Game Pass e Windows/Mac), que provavelmente vai ser o meu jogo favorito do ano. Ele é tipo Zelda, tipo Dark Souls, mas é completamente único também. Um jogo de ação-aventura que explora o legado do próprio gênero enquanto contorce suas regras de jogabilidade pra criar algo único. Você só vai lembrar de jogos como A Link to the Past enquanto joga Tunic pra perceber como esse jogo faz você sentir que está se deparando com outra obra-prima. Não tem elogio melhor que esse.

O trailer da terceira temporada de Succession

Todos saúdam o retorno do rei, agora que a nova temporada de Succession, a minha série favorita no ar atualmente, está de volta. O trailer parece indicar que o tom da série – uma tragédia shakespeareana com uma pitada de paródia, que torna a tragédia ainda mais trágica – tá afiada como nunca.

Succession volta na primavera na HBO, depois de mais de um ano de espera.

As séries que assisti na primeira metade de 2021

Em janeiro eu fiz uma lista com as séries que eu assisti em 2020. Eu gostei bastante do formato e acho que vou começar a usar ele semestralmente.

Aproveitando que estamos terminando essa primeira metade do ano, vou pôr em dia as séries que eu mais gostei de acompanhar no início de 2021. Não é uma lista de todas as séries que eu assisti porque, pra falar bem a verdade, algumas eu simplesmente esqueço. São as que me marcaram ou que me fizeram uma boa companhia nesses seis últimos meses, mais ou menos na ordem que eu assisti elas.

The Americans (Amazon). Eu comecei a rever essa quando ela voltou ao streaming no fim do ano passado. Como eu não maratono séries, The Americans me acompanhou por todo esse semestre, e é muito bom. Em pensar que a segunda metade dos anos 2010 esse nível de qualidade era um padrão para as séries de TV é de enlouquecer, porque a construção de Americans com o passar dos anos é um dos meus desenvolvimentos narrativos favoritos.

Ted Lasso (Apple). Como Betty no ano passado, eu não tenho ideia do porquê eu me apaixonei por Ted Lasso, uma série em que um treinador de futebol americano vai para a Inglaterra treinar um time de futebol de verdade. Acho que é bem humorado, mas também bem sincero no seu otimismo: nem tudo o que Ted tenta funciona, nem sempre o pessoal leva na boa o seu bom humor, mas Ted insiste e tenta, e todo o mundo quer ajudar ele a tentar. Eu amo séries em que as pessoas aprendem a trabalhar juntas, e Ted Lasso é uma dessas, sem um pingo de cinismo no coração.

Undone (Amazon). Me recomendaram essa série (que deve receber uma segunda temporada em breve) por muito tempo e eu fiquei postergando, por algum motivo que eu não sei e provavelmente era preguiça. Mas agora eu me arrependo, porque Undone é incrível. Ela usa a animação para igualar a realidade e a impressão da realidade da protagonista, e você não sabe direito o que é um e o que é outro.

Superstore (Amazon). Uma espécie de The Office com mais coração, ou uma Brooklyn 99 mais cínica? Superstore tá nesse meio, e arrasa muito entre ser um comentário pesado sobre as condições de trabalho nos EUA e a beleza de quando você consegue formar uma comunidade com aqueles que você passa seus dias. A última temporada, que aconteceu durante a pandemia, é sensacional.

For All Mankind (Apple). Eu gostei muito da primeira temporada da série de ficção científica da Apple, em que a União Soviética foi a primeira a chegar à lua, o que faz com que a Corrida Espacial não tenha acabado. Mas a série cresce tanto em sua segunda temporada, que ela automaticamente se tornou em uma das melhores séries que eu vi nos últimos anos, e eu não duvido nada que na terceira temporada ela alcance minhas outras favoritas, como Halt and Catch Fire e The Americans.

Barry (HBO). Eu não sei porque eu parei de assistir Barry na primeira temporada. Eu lembro de ter amado, mas eu lembro também de ter perdido uma semana e parei de acompanhar. Ainda bem que eu dei uma segunda chance, porque a primeira temporada é excelente, e a segunda é de tirar o chão e fazer ele de teto. Uma comédia sobre um assassino de aluguel que quer ser ator se transforma em um thriller e em um drama e em um filme de ação experimental e o que mais os criadores da série conseguem pensar. Tudo isso em meia hora. É bom demais.

Mare of Easttown (HBO). A HBO enganou geral com a primeira minissérie da Kate Winslet desde Mildred Pierce em 2011. Parece muito parte da onda de séries-prestígio de detetives em que uma estrela de Hollywood vai pra TV por uma temporada (ver também: The Night Of, Big Little Lies, Sharp Objects, True Detective, The Sinner), porque o crime e a investigação são só o gatilho do que eu chamaria de “Gilmore Girls e Twin Peaks mas bem triste”: como a vida de diferentes gerações de uma família em uma pequena cidade reage aos próprios traumas com o passar do tempo. É muito bonita, e tem tanta atuação boa que chega a tirar a minha atenção.

The Underground Railroad (Amazon). A minha série do ano por enquanto. The Underground Railroad é pesadíssima de se assistir de uma vez só, eu recomendo que você deixe no mínimo um dia de “repouso” entre os capítulos. São só dez, e são bem episódicos mesmo, ainda bem. Nada de ganchos ou surpresas, e sim a continuação natural de uma história das várias formas que a população negra nos EUA foi escravizada e explorada, e as várias formas que ela se libertou. É poético, é triste pra caramba, mas é também um retrato tão humanista do sofrimento e da sobrevivência. Barry Jenkins é um dos mestres do nosso tempo.

Calls (Apple). Uma temporada, episódios entre quinze e vinte minutos que são só ligações entre algumas pessoas, Calls faz aquele mesmo cafuné de A Vastidão da Noite, um mistério feito em linhas telefônicas e em frequências interrompidas, que transforma a tecnologia em algo fantástico e misterioso novamente.

Sweet Tooth (Netflix). Eu não tenho ideia como essa série, adaptada dos quadrinhos da DC pela Warner, não tá na HBO. É um sinal de como a emissora tá com problemas, que deixou essa primeira temporada, fabulesca e muito simpática, ficar pra Netflix. Eu nunca li os gibis, e a série derrapa um pouco na metade quando os episódios parecem mais ser parte de um filme do que de uma série, mas é uma jornada muito bonita, e a trilha-sonora é gostosa demais.

Betty (HBO). A segunda temporada dessa joia de série acabou de começar, e eu já estou apaixonado por Betty de novo. O grupo de skatistas precisa lidar com o fechamento de Nova York por causa da pandemia, e a perda do seu espaço para praticar o esporte enquanto também precisam lidar com as pequenas escolhas que fazem no dia-a-dia que guiam a vida delas. Continua linda, continua divertida, e continua estranhamente revolucionária na TV. Eu tava precisando reencontrar esse pessoal logo, e ainda bem que a segunda temporada chegou na hora certa.

O trailer da segunda temporada de Central Park

As minhas séries favoritas do ano passado decidiram voltar juntas nesse mês, aparentemente. E eu não vou reclamar. A segunda temporada da charmosa Central Park tá aí, e a série volta nessa sexta-feira, dia 25, na Apple.

Eu comentei sobre Central Park ano passado, e como eu tava triste que essa comédia tava presa em um serviço de streaming que ninguém ia assinar. Ano passado eu achava Central Park (e, em menor medida, For All Mankind) a única série que valia a pena assistir no serviço, mas nesse último ano entre as temporadas a Apple TV trouxe Ted Lasso, Snoopy e sua Turma, Wolfwalkers, a maravilhosa segunda temporada de For All Mankind, e uns documentários maravilhosos, como Boys State e O Ano em que a Terra Mudou.

Eu ainda não tenho certeza que a Apple TV “vale a pena”, mas eu acho que se a qualidade desse último ano se manter por mais um ano eu não duvido que a gente vai parar de comparar a Apple TV como um Netflix com menos conteúdo e começar a comparar ela com a própria HBO, e daí sim não vai ter como fugir de assistir essas séries. A qualidade tá lá em cima.

Como a montagem de Ted Lasso captura o espírito colaborativo da comédia

Na TV, comédia pode ser filmada de algumas maneiras. As duas mais comuns são os chamados setup de multiplas câmeras (multi-cam setup) e o setup de câmera única (single cam setup). Você provavelmente já viu séries que usam cada uma dessas abordagens, e provavelmente sabe dizer qual é qual instintivamente: as chamadas “sitcom” são geralmente gravadas com várias câmeras em frente à uma platéia. É o caso de Friends e The Big Bang Theory, por exemplo. Já comédias como Fleabag e Ted Lasso são gravadas com uma câmera só, de uma forma mais parecida com um filme.

Nesse texto para o AV Club, Saloni Gajjar comenta como a montagem de Ted Lasso traduz bem a sensação de colaboração do futebol, e das amizades, e como ele cria uma série tão boa de sentir com isso:

Look no further than the first meeting between Ted, Coach Beard, and kit-man Nathan (Nick Mohammed) in the pilot. When Ted and his fellow coach ask the latter for his name, he’s surprised; no one ever asks. Instead of immediately giving an answer, there’s a pause as the camera cuts back and forth between their faces, setting the comedic tone and letting Nathan’s confusion linger (and Mohammed’s performance shine). The joke continues when Ted and Coach Beard see Nathan again and remember his name, and the scene cuts to another look of happy surprise on the kit-man’s face. The Ted Lasso editors build on a similar momentum for every character and running gag. One of the show’s biggest secondary arcs is Roy and Keeley’s romance, and the editors prime us to root for them early on by focusing on their longing gazes, flirtatious parking lot conversations, and when Roy finally asks Keeley out in episode eight (“The Diamond Dogs”).

McCoy and Catoline’s intercuts from the field, to the coaches, to the viewers in the stands and those watching the game at home present the matches in an appealing way to fans as well as viewers not particularly interested in soccer. In the establishing shot of the premiere with the AFC Richmond team practicing on the field, the duo combines close-ups of legs and passes with slow-motion scenes and pans out to catch all the gameplay. These jump-cuts, especially in the finale, generate the necessary energy for high-stakes storytelling. This is true of non-game scenes as well. Two of the show’s most memorable moments—the team celebrating its win by going to a karaoke club in “Make Rebecca Great Again,” and Ted’s game of darts with Rebecca’s ex-husband, Rupert (Anthony Head), in “The Diamond Dogs”—speak to McCoy and Catoline’s remarkable ability to follow the script’s character developments and the actors’ work with their cuts.

Ai, ai. Ted Lasso é muito boa. A nova temporada estreia no mês que vem, e eu mal posso esperar.

Dois trailers de projetos que eu estou empolgado pra assistir

The Underground Railroad é uma minissérie de dez episódios escrita e dirigida por Barry Jenkins, diretor dos maravilhosos Sob a Luz do Luar e Se a Rua Beale Falasse, dois dos meus filmes favoritos da última década. Jenkins é um mestre, e mal posso esperar pra ver o que ele vai conseguir fazer num escopo gigante de uma minissérie.

The Underground Railroad vai ser lançado no Prime Video em 14 de maio.


Annette é o primeiro filme de Léos Carax desde Holy Motors[^1], um dos melhores filmes da década passada. É um musical com Adam Driver e Mario Cottilard e é um projeto que eu tô acompanhando há anos (acho que a primeira notícia sobre esse filme veio em 2016?). É empolgante saber que ele finalmente vai ser lançado.

Annette vai abrir o Festival de Cannes em 6 de julho e ainda não tem previsão de lançamento no Brasil. Eu espero que eu possa assistir nos cinemas quando eles puderem reabrir em 2024.

Como eu organizo o que eu vou assistir

Até pouco tempo atrás, eu não precisava muito me organizar pra assistir filmes ou séries. Eu fazia isso meio que instintivamente. Se eu acordasse cedo o suficiente, eu podia assistir um episódio de uma série enquanto tomava meu café da manhã, e eu conseguia encaixar uns dois filmes depois do trabalho e antes de dormir.

Escrevendo isso agora eu fico pensando que loucura era aquela, mas eu consegui manter esse “ritmo” por uns anos. Mas hoje em dia eu não consigo mais. Eu acho que o isolamento social tá tornando cada vez mais difícil que eu me focar em algo — imagina, sentar só pra ver um filme! Mas eu também tô tentando ser uma pessoa com hábitos mais saudáveis, e a diversificar um pouco a minha “rotina cultural”, digamos assim. Quando eu arranjava tempo pra assistir tudo que é filme ou série, eu acabava me dedicando muito pouco a ler os livros que eu queria, e eu gostava muito de ler! Eu também não jogava tantos jogos que eu queria, e acumulava coisas na minha biblioteca do Steam.

Quando eu percebi que eu queria voltar a ler mais, eu comecei a tentar encaixar a leitura na minha rotina (isso tem sido um tema frequente na newsletter desde maio do ano passado). Mas só tentar encaixar não foi o suficiente, porque parece que o meu nível de atenção e de “disponibilidade emocional” mudou. Eu não consigo assistir The Americans, jogar Alien Isolation e depois ir para cama e continuar lendo meu livro de contos, por exemplo. Parte do meu processo de absorver cultura, hoje em dia, é justamente ter um tempo para digerir ela. O que significa que eu precisei espalhar ela pela semana, e não ficar tentando encaixar o máximo possível em um só dia.

Em contrapartida, tinha dias que eu sabia no que eu queria me dedicar (por exemplo, ver um filme na noite de quarta-feira), mas ficava muito tempo passeando pelos catálogos da Netflix, da Amazon ou sei lá mais do quê, até que a vontade desaparecia e eu ia dormir triste porque queria ter visto um filminho. Ou eu me pegava num loop onde eu só conseguia rever Community e Gilmore Girls, e deixava um monte de série bacana para trás.

Eu acho que é sinal da idade. Talvez seja. Talvez eu vou acabar ficando cada vez mais insuportável conforme eu vá envelhecendo, tendo que organizar minha rotina ainda mais, mas esse é o jeito que eu encontrei de fazer um pouquinho a cada dia, de não ficar naquela ânsia de querer assistir algo, mas gastar todo o curto tempo que eu tenho antes de dormir escolhendo o que eu quero assistir1 não é uma opção que me deixa feliz.

Então eu elaborei um cronograma, que é mais ou menos esse que tá aqui embaixo. Ele é bem aberto em partes, mas rígido onde eu preciso: eu tenho pré-definido o que eu vou assistir e quando eu vou assistir, e não superestipula minha semana. Pode ter um dia que eu vá ter um mal dia, então eu posso só relaxar e rever Succession. Mas isso não pode ser frequente, porque senão eu entro nesses loops perigosos. E eu me conheço bem, um loop perigoso é desculpa para eu comer bobagem e ir dormir tarde. Eu vou me sentir horrível no outro dia se eu fizer isso por uma semana inteira.

Mas ele também me libera nos fins de semana: como eu já vou ter lido durante a semana e vou ter progredido na porra do RPG de 90 horas que eu teimei em querer jogar, eu posso sentar e ver todos os filmes que eu quis ver durante a semana e que eu lembrei de ter posto na minha watchlist do Letterboxd. Eu não consigo assistir mais que dois filmes por noite antes de dormir, mas geralmente são filmes que eu queria muito assistir. A qualidade vence a quantidade.

Esse é o meu cronograma atualmente. Ele provavelmnte vai mudar conforme as séries que eu tô assistindo forem terminando (o último episódio da temporada de For All Mankind foi nessa última sexta) ou forem estreando (tudo vai mudar quando a terceira temporada de Succession estrear). Mas, por enquanto, ele tá assim:

  • Entre segunda e quinta-feira: dependendo do dia, assisto um episódio de série (atualmente: Succession), mas só um por semana. Eu tento dar prioridade para um jogo mais longo — RPG ou aventura (atualmente: Alien: Isolation e Mother 3) — e, antes de dormir, ler meu livro (atualmente: Exhalation e Ask Iwata).
  • Sexta-feira:
    • Durante a janta: episódio de série (1h, até semana passada: For All Mankind)
    • Depois: noitada de filmes!
  • Sábado:
    • Durante a janta: episódio de série (1h, atualmente: The Americans)
    • Depois: noitada de fimes!
  • Domingo:
    • Manhã: um filme da Agnès Varda
    • Noite: dobradinha de séries (30min, atualmente: Barry; 1h, atualmente: Mare of Easttown)
  1. Uma reação colateral desse momento em que eu fico passeando pelos apps de streaming é que, se eu recebo uma notificação do Twitter ou do Instagram enquanto eu tô escolhendo o que eu vou assistir, a chance que eu perca ainda mais tempo preso na timeline por motivo algum é muito maior. 

WandaVision foi uma boa serie de TV presa em uma franquia que não deixou ela brilhar

WandaVision foi uma boa (e as vezes, uma ótima) série de TV que revelou como o MCU — o conjunto de filmes e séries que compõem o universo de super-heróis da Marvel no cinema e na TV — mudou o modo que discutimos cultura para pior. A série, que completou sua primeira (e quem sabe única) temporada na Disney+ na última semana foi a primeira produção da franquia a ser lançada em mais de um ano, e me lembrou de como eu não sentia falta.

Eu não sou um grande detrator do MCU. Eu gosto de um punhado dos filmes e acho a franquia, num geral, uma boa série cujos capítulos costumavam aparecer pela última década com alguns meses de diferença entre si. E eu acho que em alguns momentos WandaVision foi uma das melhores realizações da franquia até aqui, trazendo momentos genuinamente belíssimos em uma série de TV extremamente interessante. Mas o fator monolítico desse universo transformou muito do que se consome sobre cultura de um jeito ruim.

Os filmes e séries que compõem o MCU são simples por natureza, e não de um jeito ruim: como outras séries1, existe uma coesão estética entre seus capítulos e uma certa independência narrativa: você não precisa assistir cada filme ou série da Marvel para entender e gostar de um filme como Capitão América: Guerra Civil ou Thor: Ragnarok, por exemplo. Seus arcos narrativos são bem delimitados com a ajuda dos seus gêneros, você sabe bem o que esperar e quais clichês você vai encontrar. Essa é uma corda bamba especialmente difícil para um fascículo da franquia conseguir se equilibrar, e no geral a Marvel conseguiu manejar bem: comparado à outros “universos cinemáticos” que tentaram a mesma coisa, como os Monstros da Universal ou a própria Liga da Justiça da Warner/DC, a Marvel sempre teve o cuidado de transformar seus filmes arrasa-quarteirão em eventos para a família inteira: dos filhos que leem os quadrinhos aos pais que precisam acompanhar eles nos cinemas.

Porém, esses filmes também são feitos com seus fãs em mente: cada capítulo que compõe o MCU não é responsável apenas pelo arco narrativo daquele capítulo, mas também pela continuidade narrativa maior, que permeia todos os outros capítulos; e escondem pequenos detalhes para os mais dedicados — personagens menores em um filme aparecem em outro, itens são mencionados que na verdade montam o palco para um conflito maior em dois ou três filmes mais tarde, etc.

Não dá pra negar que WandaVision não tinha esse segundo público em mente: sua protagonista é uma das personagens-chave de Os Vingadores: Ultimato, e sua importância para o futuro do MCU — que agora vai começar a entrar nos multiversos — é cada vez maior. A própria série é estruturada como uma caixa de enigmas à Lost, em que cada detalhe de cada cena precisa ser destrinchado pelo público, sedento por saber como tudo vai se encaixar. E, como Lost, WandaVision sofreu mais quando precisou pagar pela sua própria aposta: quando o público acha que o prêmio da caça ao tesouro que esse tipo de série tenta fazer oferecer é insuficiente, toda a jornada será mal vista.

É possível observar como WandaVision sofre em manejar tudo isso: em ser uma boa série por si só; um fundamento para o futuro do MCU; uma caixinha de mistérios; e, por fim, uma exploração do trauma e do luto de Wanda. Que a série ao menos tente fazer tudo isso é louvável em si, e ela bem que podia ser lembrada justamente por essa tentativa — há muito o que se escrever sobre como a série consegue e não consegue fazer tudo isso.

Há um efeito colateral quando a força monolítica do MCU, uma franquia que o mundo inteiro pode assistir e discutir ao mesmo tempo, é altamente controlada por uma produtora como a Disney, que otimizou a criação de franquias e de brand awareness a níveis pós-apocalípticos: nenhum fascículo do MCU existe em si mesmo, interessa como parte da cultura ao seu redor. Pelo contrário: elas coexistem e se dependem muito mais conceitualmente do que narrativamente.

É nesse jogo que WandaVision, uma boa série sobre uma pessoa passando pelo luto de perder à todos que ama e que acaba levando outras pessoas como reféns de seu trauma, acaba perdendo seu significado. Séries como essa e como Lost são muito mais bem sucedidas em suas alegorias, em seu fator elusivo — em como o enigma da série serve para acentuar o drama de seus personagens.

Eu já falei aqui como séries tiram muito mais proveito do tempo do que filmes, tanto aquele passado nos episódios quanto aquele que existe entre eles, mas vale repetir: embora séries possuam tramas — por episódio, por temporada, e na série como um todo —, sua unidade narrativa é muito menor porque seu efeito narrativo é cumulativo: nossas experiências com Don Draper ou Tony Soprano ou Selina Meyer são através de vários momentos em um longo período de tempo, onde podemos não só ver a ação que eles tomam como também suas repercussões através do tempo. É no efeito que ações e decisões possuem sobre os personagens que acompanhamos que entendemos o que está acontecendo.

Em sua primeira metade, essa temporada de WandaVision era sobre como uma mulher se prende às suas séries favoritas para escapar da dor que está sentindo. E ei, se tem algo que eu fiz esse último ano foi me afundar em Gilmore Girls e Community para me fazer companhia no meio da pandemia. Em sua grande parte, WandaVision é muito mais perspicaz e pungente do que qualquer um poderia dar crédito à ela, e existe naquele âmbito das grandes séries de TV, onde parece que nada acontece, onde a falta de coesão entre os enigmas da série refletem o desnorteamento existencial de sua protagonista.

Porém, WandaVision não existe em um contexto onde o que acontece importa em si, mas sim em como ela faz parte de um grande palco para os filmes e séries futuros da Marvel. Se a presença de um agente da SHIELD em Homem de Ferro indicava o que poderia estar por vir, a presença de certos inimigos e de certos eventos é obrigatória em WandaVision porque a série precisa dar continuidade a certos eventos — e a gente precisa estar sempre brincando de corrida com eles: seja desvendando pistas ou pegando referências e discutindo à exaustão se elas são canônicas ou não (acredite, eu já estive em mais de uma dessas discussões quando o assunto é Star Wars, e eu sou insuportável nelas).

É como se Wanda em si fosse refém de uma outra realidade, na qual sua dor e seu aprendizado não são mais do que meros plot points pelo qual o MCU precisa passar para estabelecer seu novo mega-evento, em que seu desenvolvimento como personagem pode ser considerado como irrelevante — ou até mesmo como uma pedra no caminho que é a progressão do universo da Marvel nos cinemas.

Quando eu paro para pensar nisso eu fico muito triste, porque esses filmes acabam criando uma falsa ilusão de destino e de conquista na vida de seus personagens, quando WandaVision parecia muito bem querer sugerir que não há uma teoria única sobre como podemos interpretar o mundo, de que ele não é um enigma que pode ser solucionado com as pistas certas. Sua segunda metade, porém, contradiz tudo isso porque existe em um universo que se beneficia de explicações e teorias entre fãs, em que a realidade pode ser reduzida à algo tangível: uma série de eventos que se levam de um ao outro, sem a possibilidade de metáfora, de simbolismo e de tom. Para o MCU, tudo o que importa é a trama — e aquilo que pode levar ela para frente.


  1. Existe todo um outro texto que eu posso escrever sobre como o universo cinemático da Marvel pode ser considerado um grande seriado, e um que usa o formato de forma muito interessante. 

Séries com minhas aberturas favoritas

Eu sou completamente contra o recurso de pular abertura de um episódio de série que o Netflix têm. Eu amo uma boa abertura, e acho especial quando uma série usa ela como um portal pro tom e pro ritmo da série. Seja a música fofinha e os fades nos dando boas-vindas à Stars Hollow de Gilmore Girls ou a música levemente perturbadora e as imagens vazias na abertura de Twin Peaks. Uma boa abertura, inclusive, pode até ajudar na cena inicial de um episódio, ressaltando o gancho que ele oferece.

Essas são as minhas aberturas favoritas:

United States of Tara

Essa série sobre uma mãe (Toni Collette) com perturbação de identidade dissociativa e sua família é uma das joias raras da TV da década passada. Em três temporadas (as três estão no Prime Video!) ela foi de comédia para drama familiar para terror sobre trauma com muita naturalidade, sempre repleta de atuações excelentes. A série representa as identidades de Tara com um pouco de caricatura, para ajudar o espectador a entender como cada uma delas afeta cada uma das pessoas ao redor de Tara — seu marido, seus filhos, vizinhos e amigos —, e a abertura usa a mesma abordagem em um tom certeiro: um pouco melancólico, um pouco aconchegante, um tanto estranho. Bem como a série em si.

Halt & Catch Fire

Eu já falei aqui sobre sobre como Halt & Catch Fire captura perfeitamente o sentimento de descoberta de um universo inteiro que norteou a corrida da microcomputação entre os anos 1970 e 1990. A sua abertura é uma tradução visual perfeita para esse sentimento de desbravamento de fronteiras que bits e interfaces proporcionaram esses pioneiros. E é viciante de assistir.

The Leftovers

Outra abertura perfeita, da minha série favorita. A abertura de The Leftovers mudou drasticamente na segunda temporada. A abertura da primeira era opressora e complexa. A nova abertura é bem mais simples: fotos com ausências estranhas ao som de Let the Mistery Be tornam a esperança que está às margens da segunda temporada muito mais visível. Ela fica ainda melhor na terceira, quando cada episódio usa uma música-tema que condiz com a história que o episódio vai contar.

Succession

Outra que usa fotos e uma música bacana. Eu nem sei como Succession consegue arrasar nesse quesito também, mas tem algo mágico no tema composto por Nicholas Britell que simplesmente nos transporta exatamente para onde a série nos quer: no coração do mundo dos super-ricos, onde picuinhas familiares podem destruir países e consumir vidas. Tudo isso ao mesmo tempo em que nos dá uma palhinha da relação dos irmãos com seu pai. Seu efeito na audiência é tão grande que ela está sendo estudada.

ER

A clássica abertura de Plantão Médico nunca vai sumir da minha mente. Eu lembro de acordar no meio da noite quando eu era muito pequeno e ver minha mãe sentada na frente da TV, e quando a música tema de ER começava, ela era absorvida para dentro do County General Hospital e o cotidiano dos plantonistas. A grande estrela aqui é a música fantástica, que une sintetizadores com batidas; mas fica aí o meu carinho pro trabalho visual também, ao mesmo tempo bem representativo das grandes séries dos anos 1990, e estranhamente ainda muito moderna. Bem como ER, que era muito a frente do seu tempo.

O problema de Lane Kim em Gilmore Girls

Emily VanDerWerff é uma das minhas escritoras favoritas. Ela escreve sobre TV, sua história e suas dinâmicas, como ninguém, e o melhor, ela te faz entender o que funciona e o que não funciona em uma série de TV. Como as melhores críticas e ensaístas, VanDerWerff põe em palavras aquilo que a gente sente quando assiste algo.

No volume dessa semana da sua newsletter Episodes, VanDerWerff finalmente fala sobre o momento que, pra mim, é o mais importante em Gilmore Girls: quando a relação de Lane com sua mãe finalmente explode, e como Gilmore Girls não consegue tratar esse momento com o cuidado que ele merece:

Truth be told, I don’t think I could have told you what I hated about this storyline until my friend, Cassie, watched the entirety of the series over the past few months. Cassie’s viewing of the series immediately clarified for me what bugged me so much about this storyline: Once — just once — I wanted the show to take Lane’s desperation to live a life free from her mother’s influence as seriously as Lane did.

If the series were going to have a moment when it took Lane’s life seriously, it would have been somewhere in this season four storyline. That season is perhaps the show’s best, as it slowly but surely brings lots and lots of chickens home to roost, one of those being Lane’s long hidden secret life. Gilmore Girls excels at telling serialized stories where lightly comedic kookiness covers up something far bleaker, then at switching itself up tonally, so the bleakness breaks out and oozes over the comedy. Season four is the series’ best at this sort of tonal whiplash, particularly in its second half.

And for at least a little bit, Gilmore Girls takes Lane seriously in this storyline. The scene where Mrs. Kim kicks her daughter out of her house is a heartbreaking one, and the moment when Lane shows up at Rory’s door is, too. It feels like something the series has been building to for years and years — Rory and Lane, trying to shake off the influence of their mothers and making their way in the world.

Lane é a minha personagem favorita de Gilmore Girls, junto com Emily, porque as duas são as personagens mais bem exploradas até certo ponto, quando a série decide que se continuar cavando as dores e as frustrações delas, pode acabar respingando no carisma de suas personagens principais. Simpatizar muito com Emily pode tirar a coragem de Lorelai de viver fora das garras da mãe; observar como Lane tenta sair do relacionamento abusivo com sua mãe mas vê que Rory já está muito distante da sua realidade daria muito mais peso às dinâmicas de classe da série, algo que GG sempre preferiu tratar com muito mais sutileza e nuance.

Mas, como VanDerWerff escreveu na newsletter, Lane deixa de ser uma Lorelai 2.0 e se transforma em alívio cômico, e é a falta de seriedade com que a série (!) trata Lane a partir da quarta temporada que machuca bastante. Gilmore Girls sempre foi excelente em observar como relações íntimas, como as familiares e as amizades, podem ser abaladas para sempre mesmo que continuem existindo de alguma forma. Porém, Lane e a Sra. Kim não desenvolvem uma relação repleta de cicatrizes como a de Emily e de Lorelai — assim que sua mãe a visita em sua nova casa, as duas voltam à mesma dinâmica de antes (o que piora ainda mais na sétima temporada).

Enfim… Gilmore Girls? A melhor série já feita, tão boa que quando falha, falha por excesso de carinho.

As séries que me fizeram companhia em 2020

Mesmo com mais tempo livre para ficar assistindo TV durante os últimos dez meses, eu não assisti muito mais séries do que em 2019. Minha grande suspeita, como eu já expliquei em agosto, é que eu não ando mais maratonando séries. Eu prefiro ver elas por semana, ou no mínimo dia sim, dia não. Mesmo assim, algumas séries realmente me ajudaram a manter um senso de continuidade em um ano onde tudo pareceu parado.

Eu não vou listar todas as séries que eu vi ou que eu comecei a ver esse ano, mas sim aquelas que eu acho que me estimularam e que eu gostei de ter feito companhia nos meus finais de tarde aqui em casa, mais ou menos na ordem que eu assisti elas.

  • Fleabag (Prime Video). Foi revendo essa série entre fevereiro e março que me fizeram voltar a escrever pro Pão. Ainda é uma das melhores séries que eu já vi.
  • The Good Place (Netflix). A última temporada acabou sem fazer muito barulho, mas o bom humor e a honestidade emocional que a série usa para explorar ideias como “o que é ser uma pessoa boa?” e “como viver feliz?” foram essenciais ali pros meses onde tudo ainda estava muito confuso.
  • Community (Prime Video e Netflix). Ah sim, eu revi Community esse ano também, como todos os anos. Mas também foi a primeira vez que eu revi Community enquanto muitas outras pessoas viam e vinham conversar comigo sobre a série. Foi algo bem especial pra mim, e me ajudou a aguentar (e a aumentar) a saudade que eu sinto dos meus amigos.
  • The Wire (HBO). Como Gilmore Girls, eu vejo The Wire todos os anos. Eu revejo essa série uma vez por ano desde 2009, quando eu vi ela pela primeira vez. É um ritual quase religioso pra mim. Acho que eu nunca vi alguma obra que consegue traçar um panorama e fazer um mergulho nos sistemas que moldam a sociedade com todas as suas armadilhas. É uma série que nos faz ter uma visão mais aguçada das coisas, e um lembrete para observar mais a fundo como a gente falhou em 2020.
  • Central Park (Apple TV+). Eu não tinha ideia que eu ia acabar gostando de uma série na Apple TV+ mas puxa vida, Central Park é divertido demais. Eu adorei como a série misturou musical com eventos nada grandiosos do dia-a-dia de uma família. Ver as pessoas se divertindo em um parque (mesmo que numa animação) me fez lembrar de como é bom caminhar por aí.
  • Betty (HBO). Essa série foi uma surpresa maravilhosa pra mim. Eu nunca pensei que ia gostar de acompanhar skatistas matando o tempo pelas ruas de Nova York, mas acabou sendo o ponto alto das minhas semanas — passar o tempo com elas é bom demais, e me fez um bem pra caramba.
  • Eu Terei Sumido na Escuridão (HBO). Eu não acredito em “guily pleasure”, então fica aí a declaração que eu amo série sobre investigação de assassinos em série, mesmo as mais bobas, mas Eu Terei Sumido na Escuridão me pegou de surpresa por virar a premissa de ponta-cabeça e não tornar o assassino em uma figura mitológica, se interessando muito mais pela visão que suas sobreviventes tinham dele, e da escritora que ajudou a resolver o caso.
  • I May Destroy You (HBO). Foi difícil ver a minha série favorita do ano, porque ela entra na pele da sua protagonista de um jeito tão desconfortável que era duro olhar pro que ela revelava da Arabella (e de mim), mas ao mesmo tempo era impossível não assistir, porque a intensidade dessa série é contagiante. Não saber o que vai acontecer na cena seguinte era o lampejo de imprevisibilidade que eu precisava.
  • Gilmore Girls (Netflix). Eu decidi rever Gilmore Girls com mais calma esse ano, porque eu acabei usando a série como uma muleta nos anos anteriores e eu precisava cuidar um pouco mais de mim e não me deixar fugir para Stars Hollow na primeira oportunidade. Mesmo assim, eu continuo visitando minha cidadezinha favorita da TV uma vez por semana. É sempre bom.
  • Perry Mason (HBO). Fiquei preocupado que os primeiros episódios de Perry Mason eram muito “TV prestígio”, mas o terceiro episódio chegou e a série me ganhou com seu interesse em ir além do protagonista-trágico. São poucas as séries hoje que conseguem ter o fôlego de deixar seus personagens coadjuvantes terem suas próprias trajetórias. Mal posso esperar pela segunda temporada.
  • Enlightened (HBO). Se você lê A Baguete já sabe que eu quero escrever sobre esse clássico cult de duas temporadas, mas a versão resumida vai aí: Laura Dern se destrói inúmeras vezes nessa série, mas é em todas as novas maneiras que ela encontra para se reconstruir que mora a beleza.
  • The Mandalorian (Disney+). Eu gosto bem mais da primeira temporada porque ela não tenta ficar conectando tantos eventos à Saga Skywalker, mas Pedro Pascal sendo o pai de um bebê Yoda em uma série bem episódica como há tempos não víamos é tudo de bom. Mal posso esperar pra rever o Mando em dezembro.
  • The Americans (Prime Video). Chegou no finalzinho do ano, e é o que eu tô assistindo agora. Impressionante como eu não escrevi sobre The Americans ainda por aqui, porque quando ela estava no ar há uns anos era algo que eu não conseguia parar de falar sobre com meus amigos. Eu tô no início da segunda temporada agora, e amando como a série é bem sutil em transformar o drama da primeira (espiões que também são um casal com problemas conjugais) com o da segunda (pais que percebem que o trabalho deles coloca a vida de seus filhos em risco).

Como é que eu vou falar de Betty?

Eu não entendo nada de skate. Antes de Betty, eu sequer achava skate interessante. Vai ver eu posso começar por aí, porque Betty é um daqueles achados que eu tenho na minha vida que expandem o mundinho dentro da minha cabeça. Eu nunca achei que eu ia me interessar por uma série sobre um grupo de skatistas, e agora Betty talvez seja minha série favorita desse ano.

É o seguinte: Betty é uma “dramédia1” da HBO sobre um grupo de mulheres skatistas em Nova York. É difícil de dizer sobre exatamente, porque embora Betty tenha uma trama (e uma trama muitíssimo bem construída, quando você para para pensar nela), a série parece ser muito mais observacional do que dramática. Cada episódio da primeira temporada é mais ou menos um tempo em que a gente fica assistindo essas garotas passarem o tempo juntas. Seja procurando um lugar para andar de skate, seja dando uma volta procurando algo bom para comer ou tentando encontrar uma mochila esquecida no parque.

E esse é o bacana de Betty, é genuinamente uma série de garotas passando o tempo juntas e descobrindo um pouco sobre como elas gostam de passar o tempo — e como o sexismo e o racismo que está sempre no fundo acaba afetando esses momentos que elas têm. Betty acompanha essas garotas em um momento difícil de capturar de forma narrativa — aquele momento em que firmarmos nossas amizades, descobrimos nossos primeiros amores, e gastamos nosso tempo livre com coisas que não têm muito sentido aos olhos dos outros. Aos olhos delas, porém, andar de skate faz todo o sentido, e Betty é extremamente eficaz em tornar a conquista delas pela liberdade e autodescoberta que é andar de skate pela cidade.

Betty age de forma tão sutil que é fácil achar que nada está acontecendo. Como cada episódio retrata um momento específico (uma briga de bar, uma sessão de fotos, e assim vai) do grupo, mas a série está justamente observando como cada uma das garotas reage à emoções sísmicas em seu dia-a-dia: como Camille não quer ser “reduzida” à uma “garota skatista” no meio dos homens, ou como Janay precisa enfrentar sua relação com um amigo problemático (ou algo ainda pior). Ao observar esses pequenos momentos entre elas sem adicionar muito mais drama externo, Betty permite que a gente observe os sentimentos bastante íntimos de alegria, tristeza, traição e companheirismo em pessoas que ainda não sabem exatamente o que estão sentindo, e como estão sentindo, em uma época da vida onde há muita descoberta a cada segundo. Betty não entrega essas descobertas em conclusões fortes porque nunca precisou formar um enredo com elas em primeiro lugar. Esses sentimentos são confusos e nem sempre são bonitos, e é a honestidade com que a série entrega eles que a torna especial.

A criadora e diretora da série, Crystal Moselle, trouxe esse grupo de atores não-profissionais do seu filme Skate Kitchen, que tem algumas semelhanças com o enredo da série. O filme é excelente, mas é em Betty que Moselle pode mostrar o quanto ela entende a vida dessas garotas, e como é difícil para elas viverem da sua paixão em meio ao arcaico “mundo dos homens”. Com sua câmera que navega entre essas garotas, Moselle consegue capturar todos os pequenos momentos de felicidade que essa luta constante trazem — uma piada, um choro, o milhão de memórias que se formam com uma companhia perfeita —, e que incentivam elas à continuar tentando. É o que traz à Betty sua linda espontaneidade, da descoberta do que pode ser viver livremente.


  1. Um professor meu dizia que o melhor nome para esse tipo de história era “tragicomédia”. Eu concordo, mas acho o termo carregado demais. Nas séries da HBO especificamente, dramédia são todas aquelas séries que não são necessariamente comédias, mas respeitam os trinta minutos típicos do gênero. É algo bem específico porque torna o drama mais eventual, e eu gosto muito. 

Minha cena favorita de The Office

Essa é a minha cena favorita da versão americana the The Office:

Tem também aquela sequência maravilhosa do Dwight colocando todo mundo em uma simulação de incêndio e as pegadinhas do Jim. Mas essa, do protetor de tela do DVD, é a minha favorita.

The Office é uma daquelas séries que é bem clara desde o início: esse é um ambiente de trabalho meio bosta cheio de gente que não necessariamente gosta uns dos outros, mas em geral se suportam. Pra série funcionar, porém, ela precisa desvelar essa dinâmica como cotidiano. A versão americana de The Office é ótima nisso: embora tenha arrombos de humor absurdo e o humor-através-do-ódio que o Michael Scott interpretado pelo Steve Carell causa na gente; a série funciona, e só se manteve no ar por tanto tempo, porque com o passar dos episódios se descobriu ser uma série onde pequenos momentos de harmonia e de algo até parecido com felicidade podiam ocorrer.

A gente lembra do relacionamento do Jim e da Pam como um dos grandes eventos de The Office, mas é fácil de esquecer que ele só aconteceu na quarta temporada. São momentos como esse aí de cima que me tornaram fã da série, e que eu só reparei revendo ela nas últimas semanas. Tem o tom absurdo, tem o Michael Scott, mas The Office, no fundo, cria uma bela evolução de pessoas que convivem juntas por tempo suficiente na vida delas que acabam encontrando juntas breves momentos de beleza. Nem que seja no protetor de tela do DVD.

Eu tô adorando Perry Mason

Eu quase paguei minha língua quando escrevi semana passada sobre assistir séries semanalmente porque, quando o terceiro episódio de Perry Mason terminou, eu quase deixei ir pro próximo episódio (eu não deixei, mas ô vontade). Eu queria ter visto enquanto a série ainda tava dando na HBO, pra me incentivar a ver os episódios semanalmente, mas não consegui porque tava assistindo outra série na época e agora a temporada inteira tá na HBO Go, e a tentação é grande.

Postzinho rápido porque eu tô no meio da temporada, mas a recomendação é forte. Perry Mason tem a sensibilidade das séries antes do pico da TV na década passada: é uma série de antiherói, sim, mas como as melhores desse clichê ela enxerga todos os personagens ainda mais fascinantes ao redor do protagonista, e como as ações dele afetam essas pessoas ao redor — o que só acentua o anti do heroísmo dele.

Diferente dos antiheróis que enchem a TV, o Perry Mason interpretado por Matthew Rhys é realmente um personagem falho — ele sabe que ele falhou como pai, como marido e, na visão da sociedade americana do início dos anos 1930, como homem. Ele não tenta se redimir por esses atos, pelo menos não conscientemente. Ele tenta sobreviver na Califórnia pós-Grande Depressão, e o jeito que ele arranjou foi em fazer pequenos bicos de detetive particular que investiga traições e casos de tablóides, como o de um comediante que gosta de fazer sexo envolto de glacê. Até que um caso macabro cai no colo dele e do advogado que ele trabalha, que dá a estrutura da primeira temporada da série: o sequestro e assassinato macabro de um bebê envolvendo a alta sociedade de Los Angeles e uma igreja.

Eu ainda não sei direito o porquê de Perry Mason funcionar tão bem. O mistério do bebê é meio trama padrão de dramas que precisam de uma muleta narrativa pra seguir em frente; mas ele é construído ao redor de personagens fantásticos com atuações fabulosas por trás. O Mason de Rhys (um dos melhores atores hoje em dia) tem tristeza típica dos filmes de filme noir da época, mas ainda assim com um pouco de bom humor no coração. A secretária Della Street (Juliet Rylance, de The Knick) é leal aos seus colegas, mas também é a pessoa mais competente do escritório. O policial Paul Drake (Chris Chalk, de When They See Us) é a antítese do Mason: um homem tentando fazer o certo, mas sendo incapaz de agir por ser um homem negro na força policial corrupta de Los Angeles. Esses personagens tão numa das séries mais bonitas que eu já vi. Perry Mason esbanja sua produção com uma reprodução dos EUA entre as duas Guerras Mundiais. Me lembrou o quanto eu gostava daquele jogo Mafia, que acontecia mais ou menos na mesma época, e de como eu amo os filmes noir: é uma série que usa bastante contraste pra demarcar as profundezas de seus personagens, onde até mesmo o figurino revela mais intenções do que o que as pessoas conseguem falar em uma sociedade que não os dá ouvidos.

Acho que, por ser uma série, Perry Mason tem a paciência de deixar seus personagens simplesmente existirem nesse mundo construído milimetricamente pra eles, e é aí que a série brilha pra mim. São oito horas, e acho que nem metade do que eu já vi é sobre a “trama” do assassinato. Como minhas séries favoritas, a trama é uma desculpa para a história seguir em frente, e os verdadeiros conflitos dos personagens, aqueles que existem no cotidiano, que são invisíveis em outras formas de arte que não têm a gordura que uma série de TV proporciona. Com isso, Perry Mason cria uma ótima série de gênero (é bem especificamente um drama de advogados, tipo The Good Wife mas nos anos 30), mas que aproveita seu tempo e seus visuais incríveis pra ressaltar os momentos privados que revelam como a sociedade americana falha com suas pessoas. É linda e profunda, sim. E é divertida também, porque o cotidiano que a série observa é cheio de desvios e de becos sem saída, e nem todos eles são trágicos.

Em defesa de assistir séries semanalmente

A quarentena aqui por casa já dura seis meses e a cada mês — as vezes à cada semana — eu vou repensando e reavaliando algumas coisas na minha vida. Eu me reaproximei da música, por exemplo. Eu parei de assistir tanto filme e a ler mais (ainda vou escrever sobre isso!). Hoje eu vou falar de uma nova redescoberta.

Como todo o jovem com acesso à internet em meados dos anos 2000, eu sou um adepto da maratona de séries há um bom tempo, desde quando isso significava baixar um pacote de RMVB legendado ou de AVI com pacotes de legendas do Legendas.tv. Foi assim que eu vi Família Soprano e A Sete Palmos e Deadwood pela primeira vez, foi como eu descobri a primeira temporada de Community ou de United States of Tara também. Passar uma semana inteira baixando (porque a velocidade da internet naquela época era um… problema) pra poder maratonar temporadas inteiras no sábado e no domingo.

Quando a Netflix começou a lançar seus conteúdos originais ali na primeira metade de 2010, com temporadas completas de House of Cards e Orange is the New Black sendo lançadas simultaneamente, era quase que uma “formalização” de como os ~jovens~ assistiam TV. Ter que esperar uma semana pros novos episódios das últimas temporadas de Breaking Bad e Mad Men era algo que estava saindo de moda.

E pelos últimos anos eu me acostumei a assistir séries assim. Eu sempre acompanhei uma ou outra série semanalmente — as que eu sempre fui mais fiel, como Community ou Veep ou The Leftovers e Watchmen —, mas a grande maioria das séries da década passada pra cá foram vistas em questões de dias. Até que, nos últimos meses, eu comecei a sentir o peso de ficar muito tempo na frente da TV, e de ter tempo sobrando pra ficar todo esse tempo na frente da TV. As histórias que eu assistia nas séries que eu assisti nesses últimos meses viraram borrões narrativos.

Séries de TV são ótimas oportunidades pra acompanhar narrativas que se desenvolvem durante muitos anos, que espiralam e se transformam, mas têm a qualidade específica de serem feitas através de momentos — sejam eles de 20, 40 ou 60 minutos — que acompanhamos. A tragédia de Walter White em Breaking Bad envolve dezenas de personagens por um período de anos, mas ela é considerada uma grande série de TV porque cada episódio não era só uma parte dessa tragédia, mas uma própria história em si. Grandes séries de TV têm essa qualidade — nós nos lembramos tanto da sua grandiosidade narrativa quanto da sua profundidade. O primeiro fator é feito pelas temporadas, que se estendem através dos anos, mas o segundo só é possível de construir episódio por episódio.

Antes da Netflix, séries de TV precisavam criar grandes episódios semanalmente — eles precisam ficar na sua mente durante a semana inteira para que você volte na semana seguinte, e precisam desenvolver uma relação com você que seja forte o suficiente para você esperar meses até a próxima temporada. Com o streaming, e com a Netflix e o Prime Video disponibilizando temporadas inteiras de suas séries na quinta ou sexta-feira, para você poder assistir elas inteiras durante o fim de semana, essa qualidade da série de TV se perdeu, e temporadas de séries se tornaram mais próximos de filmes de dez ou quinze horas. É muito mais difícil discernir o que acontece em um episódio de Stranger Things do que de Succession, por exemplo.

E tem um motivo formal pra isso: o “gancho” do episódio mudou. O gancho é aquele evento que nos instiga a querer continuar assistindo a série. Tecnicamente todos os episódios de TV usam ganchos. Quanto mais tempo uma série está no ar, menos ela precisa desse artifício porque seu público já está naturalmente investido nos acontecimentos dos personagens, mas o “gancho” ainda existe. Seja uma série exibida semanalmente ou disponibilizada por inteiro no streaming, o gancho de seus episódios está bem no finalzinho, provavelmente na última cena ou na última sequência de cada episódio.

Em uma série de TV exibida semanalmente, esse gancho é o “desenredo”, a consequência do clímax do episódio. O clímax é aquele evento mais forte da narrativa, o ponto alto onde o conflito estoura. Em Succession, por exemplo, é quando o patriarca da família trai um de seus filhos, deixando ele pra ser comido vivo pelos jornalistas. O episódio não termina nesse evento, mas termina no desenredo — em como o filho traído precisa aguentar a traição do seu pai quieto, por exemplo. Esse desenredo geralmente é marcante, mas também é vago. A gente não sabe o que está na mente do personagem, como ele está reagindo ao evento do clímax. Tanto o personagem quanto o espectador precisam amadurecer esse sentimento durante a semana.

Já um episódio de série da Netflix usa o clímax como gancho. O momento mais marcante de um episódio de House of Cards ou Stranger Things é exatamente aquele evento final, o que torna o episódio em um crescendo dramático. Isso tem dois efeitos: o primeiro, a gente não vê a consequência desse evento importante, o que nos leva a querer começar o próximo episódio imediatamente; o segundo, que eu acho menos intencional e mais problemático, é que torna as temporadas de séries assim um crescendo gigante. A série nunca pode “diminuir” os riscos do clímax do episódio anterior sem desmentir seus próprios eventos, o que torna um episódio extremamente dependente do outro1.

Eu não quero fazer um juízo de valor aqui e dizer que séries de TV semanais são melhores. Elas tendem a criar episódios de TV muito melhores, é claro, mas acho que é um fator que precisa ser avaliado caso-a-caso Por exemplo, minisséries como Olhos que Condenam caem muito bem na fórmula da Netflix porque são visivelmente séries com capítulos extremamente dependentes uns dos outros. Mas séries de TV que duram vários anos, e que precisam nos fazer nos conectar com seus personagens muito além da narrativa, precisam criar grandes momentos. E tá sendo muito bom, pra mim, experimentar essas histórias com um tempo pra refletir sobre elas. Eu tô revendo Enlightened agora, e ver a personagem de Laura Dern aprender que lidar com as adversidades do seu dia-a-dia é parte essencial do que é a vida adulta é algo belo, mas que eu acho que perderia muito da magia se eu fosse ver tudo de uma vez. O crescimento da personagem acontece “em tempo real” se eu dou uma pausa entre episódios.

Minhas séries favoritas dos últimos anos, como Succession e Betty também são pensados em episódios fechados. Em nenhum dos casos eu acho recomendável você olhar essas séries fora de ordem, mas você sabe exatamente o que acontece em cada um dos episódios porque seus eventos — o conflito, o clímax e o desenredo — são muito bem estabelecidos, e levam mais naturalmente um episódio ao outro assim. Os personagens dessas séries crescem em cada episódio, mas nossa relação com eles amadurece durante a semana. O jeito que eu deixo o Kendall em um episódio de Succession pode ser extremamente diferente de como eu vou reencontrá-lo na semana seguinte.

Tenho a impressão que isso é algo que outros serviços de streaming estão observando. Em termos comerciais, a Netflix domina alguns finais de semana do ano com três ou quatro séries que dominam a conversa, como Dark e Stranger Things e Sex Education. Mas olhe como a HBO conseguiu dominar semanas a fio ano passado com Watchmen e a última temporada de Game of Thrones e a segunda temporada de Succession, que acabou levando os principais prêmios da noite ontem no Emmy. E vale a pena de lembrar como Twin Peaks hipnotizou todo o mundo por dezesseis semanas em 2017, com episódios que nunca eram parecidos um com o outro.

Outros serviços de streaming parecem ter observado e estão agindo de acordo. Algumas séries do Prime Video estão sendo lançadas semanalmente, e o Disney+ e o Hulu lançam tudo semanalmente hoje em dia. Para os serviços, isso mantém suas séries como assunto para conversas por mais tempo durante o ano, tornando-os mais essenciais para pessoas com o mínimo de convívio social. Para nós, isso provavelmente vai resultar em episódios melhores para nossas séries favoritas, e eu honestamente não vou reclamar.

  1. Acho importante explicar que isso vale principalmente pras séries dramáticas da Netflix, mas ainda mais para suas produções live action. As animações originais da Netflix são bem menos “maratonáveis”, embora sejam criadas pra isso. BoJack Horseman é uma série visivelmente pensada pra que cada episódio se sustente sozinho. 

Ainda bem que Gilmore Girls existe

As coisas tão meio quietas por aqui, mil desculpas por isso. Eu queria ter mais inspiração do que escrever ultimamente, mas eu ando bastante cansado do trabalho e decepcionado que eu não tô conseguindo escrever o projeto de mestrado que eu tô tentando escrever. Eu demorei mas eu tô começando a sentir os efeitos de se sentir sozinho por muito tempo e isso não tá fazendo bem pra minha cabeça.

É nessas horas que eu lembro que Gilmore Girls e amigos, ainda bem que Gilmore Girls existe. Eu tinha parado de rever — depois de passar uns três ou quatro anos revendo infinitamente, terminando e recomeçando a série —, mas na última semana eu fiz meu check-in em Stars Hollow de novo. Essa não é a melhor série já feita, mas é a melhor série já feita.

Eu tô indo com mais calma dessa vez. Ao invés de assistir vários episódios por dia, eu tô assistindo um episódio por semana. Eu tô no segundo episódio, em que Rory, a filha da Lorelai, começa na nova escola particular. Esse é o evento que faz a série começar: Lorelai é filha de dois magnatas da alta sociedade americana, mas ela nunca conseguiu aceitar o estilo de vida que todo aquele dinheiro e poder demandava. Lorelai engravidou cedo, pra desgosto dos pais, e logo depois do nascimento da filha decidiu largar a escola e fugir para uma cidadezinha no interior, onde ela encontrou um lar. A Rory cresce e se torna uma daquelas crianças prodígio — inteligentíssima, e o sonho é se tornar ainda mais inteligente —, e acaba conseguindo uma vaga numa escola prestigiada e cara. Lorelai não tem dinheiro pra oferecer essa educação pra filha, e acaba tendo que fazer um acordo com os pais: eles emprestam o dinheiro para a educação de Rory, e ela vai todas as sextas-feiras jantar na casa deles.

E é isso. Gilmore Girls não é uma série de grandes eventos. A primeira temporada tem uma fórmula bem simples: nós acompanhamos o dia-a-dia das garotas Gilmore, e eventualmente elas vão para a casa dos pais da Lorelai, onde o conflito geralmente surge/explode. Emily, a matriarca da família, tem uma visão de vida muito diferente da de Lorelai, e todos os conflitos mal terminados ou absorvidos durante os anos tendem a vir à tona quando a rígida Emily e a instintiva Lorelai se deparam. Sendo mãe e filha, as duas se conhecem mais do que gostariam, o que pode criar momentos realmente bonitos de conexão entre duas pessoas muito diferentes; ou momentos dolorosos em que elas se machucam de maneiras imperdoáveis.

A dinâmica familiar dos Gilmore é um dos pontos altos dessa série. A criadora Amy Sherman-Palladino ficou conhecida pela sua potência em criar diálogos inspirados e afiados, cheios de referências e humor (reza a lenda que os roteiros dos episódios chegavam a ter 70 páginas, quando o normal é 45, porque os diálogos precisavam ser lidos com o dobro da velocidade normal). Mas ela é uma grande dramaturga também. A complexidade emocional que vai se criando em Gilmore Girls é sutil e poderosa, que explora os machucados geracionais que uma mãe rígida como Emily pode causar numa filha, ou como uma mãe-melhor-amiga como Lorelai pode acabar causando em Rory. A autora consegue sempre visualizar o que se perde quando Lorelai e Rory brigam (são momentos raros, mas dolorosos sempre), como se uma porta se fechasse com algum assunto que mãe e filha entendem que nunca mais vão poder compartilhar.

Mesmo assim, essa série é um conforto de se assistir. Muito do charme de Gilmore Girls existe porque Lorelai encontrou um lar e uma família adotiva em Stars Hollow. Se um dos grandes arcos da série é Rory percebendo que o lar que a mãe criou não é o lar que ela gostaria de viver, Gilmore Girls só consegue fazer esse arco funcionar tão bem como ele funciona porque a cidade é muito bem construída. É um apanhado de clichês, onde sempre há um evento na praça da cidade onde todos se encontram. Alguns são clássicos, como o dia das bruxas ou a páscoa, mas outros — como o campeonato de dança de 24 horas, do meu episódio favorito, ou a exposição de obras vivas — são inspiradíssimos.

É por causa de Stars Hollow que a série é tão boa de assistir, principalmente quando as coisas tào ruins do lado de cá. No segundo episódio, Lorelai se desentende com a mãe em mais uma briga cansativa, e Rory descobre que ela não é inteligente assim. É um episódio de pequenas derrotas, onde elas acabam um pouco pra baixo, e não tem muita solução — Emily não morreu, e Lorelai precisa ver ela semana que vem; Rory vai precisar estudar muito mais pra conseguir pegar o ritmo da nova escola. Mas o episódio não termina com nada inspirador. Ele termina com Lorelai, Rory e Lane comendo pizza enquanto passeiam pela praça da cidade conversando sobre todas as derrotas que tiveram naquele dia. Elas estão cansadas, com as mãos engorduradas, mas ali em Stars Hollow elas são amadas e estão protegidas. Os problemas vão poder esperar até amanhã. Esse restinho de dia ainda pode valer a pena.

“Halt and Catch Fire” e “The Soul of a New Machine”

Ontem de noite estavam comentando sobre a abertura de uma das minhas séries favoritas no Twitter, Halt and Catch Fire:

Halt and Catch Fire me lembra muito um dos meus livros favoritos, The Soul of a New Machine, de Tracy Kidder. Escrito no início dos anos 1980, o livro documenta o desenvolvimento de um minicomputador na aurora da computação pessoal. É uma invenção que leva a equipe à beira da loucura por causa da forma que o gerente do projeto na empresa lida com sua equipe, usando o que ele chama de “gerenciamento de cogumelos”: deixá-los no escuro enchendo-os de merda.

The Soul of a New Machine é um livro trágico porque a equipe dá tudo o que pode para desenvolver um minicomputador que acaba sendo defasado muito rápido. O período, entre os anos 1970 e 1980, foi a explosão da evolução do hardware computacional (o Macintosh, o grande computador pessoal da Apple, foi lançado alguns anos depois), e o “gerenciamento de cogumelos” foi o que não permitiu que a equipe enxergasse que o grande trabalho que eles estavam realizado estava fadado ao fracasso.

Mas o livro tem uma noção da informática que eu gosto muito, e que é partilhada por Halt and Catch Fire, de que esses engenheiros de software e desenvolvedores eram desbravadores, e que cada invenção — uma placa-mãe, uma memória RAM, um processador, as instruções da BIOS — levava um pouco de quem eles foram e da maneira que eles pensavam, o que revela tanto dos seus potenciais quanto suas limitações (o livro descreve, já naquela época, como qualquer pessoa que não era um homem branco era colocado de lado pela indústria).

A tragédia de The Soul of a New Machine é de que a “alma” que os engenheiros davam à essas invenções serviam para mudar os meios, mas não as intenções pelas quais a tecnologia seria utilizada. Um exemplo que o livro dá pra tragédia que é a computação, de um modo geral, é que os computadores possibilitaram que empresas pudessem gerar e armazenar relatórios sobre qualquer setor sem a necessidade de papel, o que poderia eliminar muito os custos de uma empresa. O problema é que os executivos não acreditavam no que eles viam na tela de computador, então todos esses relatórios precisavam ser impressos, o que acabou aumentando o gasto com papel.

Mesmo assim, a beleza do que foi inventado nessa era da computação (que é muito semelhante ao que aconteceu de novo com a internet na segunda metade dos anos 1990) indicava que a tecnologia poderia ser usada pra ressaltar o potencial da humanidade, e não apenas alimentar suas falhas. O problema é que a tecnologia só vai até certo ponto, ela só muda nossos meios, mas não nossas intenções.


Esse post é uma versão mais coerente de algo que eu postei no Twitter. O original está aqui.

Central Park é um charme, pena que tá na Apple TV+

Eu queria tanto poder recomendar Central Park pra todo o mundo que tá precisando de uma série carinhosa sobre uma família que se ama mesmo quando não se entendem. É uma comédia musical em desenho animado, dos mesmos criadores de Bob’s Burgers, e o humor carismático e coração grande são traços em comum nas duas séries.

Central Park ainda não tem os personagens bem formados de Bob’s Burgers, mas acho que isso é comum em toda a primeira temporada de uma comédia, já que o humor e o desenvolvimento dependem muito dos roteiristas e da audiência entender intimamente os personagens pra resultar em comédia. Mas Central Park tem picos muito altos, e não é só porque é um musical. A série é sobre uma família que mora no Central Park de Nova York, onde o pai trabalha como administrador, e os episódios são geralmente sobre pequenos eventos nos seus dias. A mãe é uma jornalista querendo ser levada a sério em um folhetim que ninguém se importa, a filha tá tentando entender seus sentimentos em relação à um garoto; e o caçula está apaixonado por um cachorro. Tem uma trama de uma ricaça querendo comprar o Central Park pra transformar em um “investimento imobiliário”, mas isso quase que não importa — Central Park tá mais preocupada no dia-a-dia dos personagens.

E é um charme, os números musicais não se focam nos grandes eventos da vida da família, mas nos pequenos eventos do cotidiano. É uma crítica recorrente à série, de que não existe material o suficiente pra criar números musicais entre os personagens, mas eu abracei isso mais como uma subversão de uma família nada excepcional tentando levar o seu dia a dia entre si com mais carinho do que desavença. Nem sempre eles conseguem, mas o que importa é o quanto eles tentam. Eu acho que isso só realça a carta de amor da série ao parque do título, porque destaca como esses pequenos momentos que realmente importam na vida da família se passam entre os bancos e as árvores do parque, e como eles são sortudos de viverem em um lugar como o Central Park. Esse é um lugar especial pra eles e quando a ricaça ameaça destruir ele, vira uma ameaça ao afeto da famíla entre si.

Só que é um saco que essa série esteja no Apple TV+. Ninguém assina o Apple TV+. Eu só assisto porque ganhei um ano de graça no serviço, e das outras séries que eu vi por lá até agora nenhuma me chama a atenção o suficiente pra recomendar que alguém pague por mais um serviço de streaming só por essa animação, então eu recomendaria esperar a primeira temporada acabar, no fim do mês, pra você aproveitar o período de teste grátis e assistir tudo. A série também tá naquele Popcorn Time, inclusive.

As minhas séries favoritas para você assistir nessas férias

Game of Thrones acabou nesse último domingo com um monte de morte e um monte de pistas pro que vai acontecer nas duas próximas (e últimas?) temporadas. Você vai ter até o ano que vem para esperar uma nova temporada e as férias de inverno estão aí. Péssimo timing, HBO, a gente vai precisar de algumas coisas pra ver.

É por isso quedecidi escolher escolher sete séries para você assistir. Elas deviam seguir alguns critérios para entrar nessa seleção:

  • Elas precisam ser excepcionalmente boas. Isso mesmo, as séries aqui são aquilo que eu acho que há de melhor na TV por enquanto;
  • Elas precisam estar disponíveis para ver, de alguma forma, no Brasil.
  • Elas não podem estar canceladas ou finalizadas. Todas essas séries possuem uma nova temporada vindo por aí;
  • Elas precisam ter pelo menos uma temporada inteira disponível. A gente quer te indicar aquilo que tem de melhor, então vamos naquilo que confiamos ser bom — e que você provavelmente vá gostar.

Nós esperamos que essas sete séries lhe dão aquele gostinho de fazer uma maratona, de buscar coisas ainda mais legais e, claro, nos sugerir algo que você também acha que iremos gostar. Essas séries são só o começo: a gente gosta de ver o que você acha delas, e o que mais poderíamos ter sugerido. Vamos nessa?

Imagem da série “The Americans”

The Americans

  • Número de temporadas: 4
  • Próximos episódios: só em 2017
  • Onde assistir: Netflix, FX (em reprises) e FOX Play
  • O que é: um casal de espiões soviéticos vai viver nos EUA durante a Guerra Fria.

Vamos começar por cima? The Americans é uma das melhores séries na TV hoje. A terceira temporada, que foi exibida nesse ano, é disparado a melhor coisa que aconteceu na TV em 2016. The Americans é o filho de séries como Família Soprano, Mad Men e Breaking Bad: isso mesmo, uma herança de gigantes. Talvez seja até melhor que elas. Contanto a história de um casal de espiões soviéticos nos EUA, a série não brinca em ser emocionalmente forte e muitíssimo bem escrita. E prepara o espectador para um jogo tão forte com aquilo que nos ensinou e nos fez acreditar que, mesmo depois de assistir todos os episódios, vai ficar sedendo esperando a próxima temporada.

Imagem da série “Broad City”

Broad City

  • Número de temporadas: 3
  • Próximos episódios: só em 2017
  • Onde assistir: na Comedy Central (em reprises)
  • O que é: A vida e as desventuras de duas garotas em Nova York em um ritmo insano e surreal.

É incrível que Broad City exista, pra falar a verdade. Ela existe naquele universo insano de que a televisão consegue criar teoricamente tudo — mas que muitíssimo pouco disso é realmente percebido pelos seus manda-chuvas. Contando a vida de duas mulheres e suas desventuras por Nova York, com muitíssimo bom humor, sinceridade e aquele sabor agridoce do aprendizado e da realização de que a vida, por mais feliz e divertida que seja, vem carregada de perdas, medos e histerias. Sua última temporada foi insana de divertida, e fez suas duas personagens principais crescerem como poucas séries permitiriam (vide Girls — que eu também gosto bastante —, que demorou cinco temporadas para que suas personagens finalmente amadurecessem).

Imagem da série “Halt and Catch Fire”

Halt and Catch Fire

  • Número de temporadas: 2
  • Próximos episódios: estreia prevista para agosto de 2016
  • Onde assistir: no AMC Brasil
  • O que é: um grupo de pessoas na década de 80 se aventura no desenvolvimento para criar um computador pessoal.

A melhor surpresa que eu tive na TV do ano passado Halt and Catch Fire é um deleite. Capturando um momento na indústria da informática que une o fervor da descoberta (como aquele que vemos em A Rede Social), mas também o medo de até onde esse avanço pode alcançar. Unindo um elenco de peso e ideias maravilhosas que realmente se concretizam (e não apenas vivem no mundo da possibilidade, já que aqui é uma série que bota tudo o que tem na tela), Halt and Catch Fire é algo como um thriller e um drama de época, um fervor de descoberta e um medo do desconhecido — seja ele do tecnológico ou do humano. É TV de primeira, também.

Imagem da série “Master of None”

Master of None

  • Número de temporadas: 1
  • Próximos episódios: em algum momento de 2016
  • Onde assistir: no Netflix
  • Uma série de aprendizados sobre a vida adulta no mundo contemporâneo.

A vida adulta fascina a TV já que, afinal de contas, ela atingiu a maturidade há pouco mais de uma década. Master of None mostra como a vida adulta, no final de contas, não é nada demais e esse já é um grande motivo de ela ser interessante. Aziz Ansari encontra nessa premissa uma excelente série de auto descoberta, romance e, inclusive, o modo da Netflix de tratar suas séries. É diferente de tudo o que o serviço ofereceu até o momento: ao invés de ser uma grande e intrincada temporada com episódios bastante co-dependentes, Master of None é totalmente episódica e imprevisível — e isso a torna fascinante por si só.

Imagem da série “Silicon Valley”

Silicon Valley

  • Número de temporadas: 3
  • Próximos episódios: só em 2017
  • Onde assistir: na HBO Signature (em reprises), ou na HBO GO
  • Como o mundo da tecnologia da informação é triste e ganancioso — e suga a vida daqueles que desejam se aventurar nele.

Eu sempre achei Silicon Valley divertida. Ela é meio que o oposto de Halt and Catch Fire, e mostra uma visão bem decepcionada do universo da tecnologia da informação. Mas, cara, o que eles fizeram esse ano é surreal. Silicon Valley passou uma temporada inteira explorando seus personagens e vendo do que eles eram capazes, e com isso nos entregou uma das melhores comédias que a HBO já fez (ao lado de uma outra que está logo abaixo) e um dos retratos mais honestos de amizade da TV. Uma surpresa, e um deleite.

Imagem da série “Veep”

Veep

  • Número de temporadas: 5
  • Próximos episódios: só em 2017
  • Onde assistir: na HBO Signature (em reprises), ou na HBO GO
  • A vida da vice-presidente americana e sua equipe, que não é muito boa naquilo que faz.

A finale desse domingo foi difícil. Veep apontou pra um caminho que eu nunca havia pensado antes, mas vamos lá. A verdadeira líder das comédias hoje. Veep é poderosa e divertidíssima, honestamente aterrorizante e dolorosamente hilária. Repleta pelo melhor elenco em uma série cômica atualmente, e roteiros afiadíssimos que exploram, debocham e se fascinam pelo intrincado universo político americano — e pelos incríveis seres que habitam esse universo —, Veep é uma versão mais honesta, menos glamurosa de The West Wing, se é que você consegue me entender. Mais que isso, porém: é um retrato bastante doloroso de como o poder destroi uma pessoa, e a performance vertiginosa da Julia Louis-Dreyfus entrega cada nuance necessária.

Imagem da série “The Leftovers”

The Leftovers

  • Número de temporadas: 2
  • Próximos episódios: 2017
  • Onde assistir: na HBO Plus (em reprises), ou na HBO GO
  • Anos depois do misterioso desaparecimento de 2% da população mundial, uma família precisa reconstruir sua vida.

Cara, como eu amo essa série. A segunda temporada não é só a melhor coisa que eu vi no ano passado — é um dos retratos mais poderosos sobre como o ser humano só encontra a força para se reconstruir naqueles que o cercam. The Leftovers pode parecer desesperador, mas é um dos maiores, e mais complexos, retratos da necessidade do ser humano em acreditar, seja lá o que for. A série é, talvez, a coisa mais estranha da TV hoje: uma jornada mística sobre a aleatoridade e a inexplicabilidade da vida e sobre como tudo é uma constante luta pela sobrevivência. The Leftovers é a melhor coisa na TV hoje, e a mais única, a mais misteriosa e a mais satisfatória. Cada uma hora é uma jornada ao desconhecido de si mesmo. Ao final dela (que deve acontecer ano que vem, já que estamos na última temporada), talvez não sejamos mais os mesmos.

Hannibal vai te deixar com fome

Se eu tenho algum arrependimento na minha vida, é a de não ter acompanhado Família Soprano e The Wire quando passaram na TV. Claro, eu era muito novo (naquela época, eu só assistia E.R.), mas existe algo que a exibição semanal de uma série proporciona que, diferente do “tudo-de-uma-vez” que o Netflix oferece hoje, é mais rico, mais maduro e mais impactante.

Se eu posso de vangloriar sobre algo na minha vida, é a de ter acompanhado Hannibal na sua exibição original.

Hannibal é filho direto das séries definitivas da HBO. Rica em detalhes, em referências visuais, em simbologias e com uma trama compassada de forma perfeita. É o melhor drama da televisão desde que The Wire finalizou sua última temporada, e é a melhor série de um canal aberto americano em muito tempo.

Se você já viu Manhunter, O Segredo dos Inocentes, Dragão Vermelho, Hannibal ou Hannibal: O Início, já sabe sobre o personagem principal: um canibal que caça suas vítimas com propósitos singulares, preparando pratos para suprir seu paladar impecável. Baseado nos livros de Thomas Harris, os filmes mostram o quão decadente o autor tornou seu personagem — de uma força elementar na obra-prima O Segredo dos Inocentes para uma mera punch-line no lixo Hannibal: O Início. O que a série Hannibal faz, com tanta perfeição, é ressignificar um personagem tão rico.

Com total liberdade para isso, Brian Fuller (o showrunner da série) faz de Hannibal um show de mitologia, tornando o personagem de Hannibal Lecter no verdadeiro Diabo, pronto para expurgar da terra os fracos e burros e buscar, nos fortes e inteligentes sua vitalidade e interesse. Muito mais que um seriado policial, Hannibal é um estudo da condição humana — de maneiras estremas, é claro —, e uma história de amor sobre dois personagens que são, ao mesmo tempo, melhores amigos e piores inimigos.

Vivendo por três temporadas impecáveis (há possibilidades de uma quarta, ou de um filme de encerramento), a NBC proporcionou a melhor hora dramática na TV desde 2013. Hannibal é composto por um elenco impecável (Mads Mikkelsen interpreta o canibal sem medo de inevitáveis comparações com a performance de Anthony Hoppkins, criando um Hannibal só seu; e Hugh Dancy faz um vertiginoso Will Graham em uma atuação que faz uma carreira); uma história incrível — que inicia como um drama policial processual (cada semana um caso) para uma verdadeira caçada humana; e o mais belo valor de produção de toda a TV, com visuais incríveis e uma trilha-sonora perfeita. Se a cancelou na terceira temporada, ao menos fez com coragem. A emissora simplesmente permitiu exibir um homem comendo sua própria perna no jantar.

Charmosa, emocionante e construída com perfeição, Hannibal é a série de TV que você precisa assistir agora. Se você conhece as histórias dos livros ou dos filmes, ficará impressionado em como Dragão Vermelho foi adaptado, e surpreso em como a série trabalhou em cima de um material medíocre como os dois livros finais (Hannibal e Hannibal: O Início). Se um dia teremos uma continuação para ver o que será feito sobre o material de O Silêncio dos Inocentes, eu não posso nem imaginar no que Hannibal poderá se tornar.

Hannibal é a ressignificação de um dos personagens mais notáveis da cultura recente. É um trabalho soberbo de técnica. É uma mitologia construída no ombro de gigantes, desde os gregos até a literatura moderna. É uma obra-prima desvelada semanalmente. É indispensável pra qualquer alma.

Looking: a segunda temporada

Desde a primeira temporada eu defendo que Looking é uma grande série que tem como maior defeito buscar um nicho bastante restrito do público. Bem, eu estava errado. Com o episódio dessa semana, Looking se tornou uma das melhores séries na TV atualmente — e se focar em um público específico talvez seja seu maior acerto.

É um salto tremendo o que a série criada por Michael Lannan e primariamente escrita e dirigida por Andrew Haigh conseguiu dar da sua primeira para a segunda temporada, mesmo considerando o primeiro ano de grande qualidade. Se na estréia Looking parecia uma comédia com episódios que beiravam ao drama absoluto, esse segundo ano deu à série a maturidade que Haigh apresenta em seu fabuloso filme Weekend e nos episódios que ele dirige com perfeição (“Looking for the Future” [1x05] e “Looking for a Plus-One” [1x07]). Desde o início (“Looking for the Promised Land”), a série consegue balancear seus temas entre o drama e a comédia e evoluir seus personagens a todo o momento.

Mas sério, o que “Looking for a Plot” fez esse domingo talvez seja o passo definitivo de Looking.

Centrado em uma amada personagem coadjuvante, “Looking for a Plot” é corrido, com algumas escolhas discutíveis de roteiro (levar Patrick para Modesto?), mas mesmo assim o episódio não consegue não ser espetacular. Apresentando tudo o que Looking consegue fazer de melhor, “… for a Plot” desenvolve personagens com impressionante profundidade em apenas algumas linhas de diálogo, investe em grandes verdades sobre seus personagens e leva, a todo o momento, a história para frente, mesmo que voltando em certos momentos a temas passados.

E assim Looking consegue avançar em sua jornada para tornar-se não mais um coming-of-age da temporada passada (o arco longo foi sempre de Patrick, Dom e Augustin precisando amadurecer), e sim tornar-se um estudo de personagens. Em uma cena, nos levando das lágrimas para o riso para o choro novamente, “Looking for a Plot” é uma verdadeira montanha-russa que tem como objetivo nos levar — junto com os personagens — para uma paz interna que eles tanto buscam, nem que seja por um momento só, quando Doris e Dom realizam que, aconteça o que acontecer, eles sempre terão um ao outro.

Looking é, de certa forma, uma versão extendida e semanal de Weekend, o que não é demérito algum. Se no filme de Haigh tinhamos um tempo limite, em Looking podemos acompanhar a jornada dos amigos mais calmamente, e mesmo assim enfrentando dilemas semelhantes. Por diversas vezes, Looking aborda a “saída do armário”, a infância de seus personagens e seus dilemas momentâneos (“porque eu desisti disso”, como Dom o fez essa semana). Sem nunca ficar a sombra do filme, porém, a série consegue ser uma impressionante e íntima realização da televisão contemporânea, que não tem medo de explorar a fundo seus personagens.

A intimidade e a naturalidade com que Looking trata seus personagens e sua temática tornam a série em um produto bastante específico, mas como o próprio Haigh diz sobre Weekend, “quanto mais específico sobre algum assunto você consegue ser, mais universal ele se tornará para as pessoas”. É uma série sobre gays em San Francisco, sim, mas Looking também é sobre seres humanos, como quaisquer outros, em busca de algo que seja real e que valha a pena.

E quem aí não está?

Os 10 melhores de 2014

Agora que já revelamos nossos favoritos, vamos numerá-los, certo? Para finalizar essa leva de retrospectiva de 2014, nós juntamos tudo o que houve de melhor nos últimos 12 meses e os ordenamos para vocês. Siga abaixo com:

10. The Comeback volta tão bom quanto nos deixou (e talvez melhor)

A empreitada de Lisa Kudrow na sátira da HBO sobre a estrutura da TV voltou, depois de ser cancelada na sua primeira temporada. The Comeback, agora uma sátira sobre o próprio canal, o star system que se criou ao redor das séries de TV, e do mockumentary, retornou tão bom quanto era — ou, muito provavelmente, bem melhor do que era. Kudrow não confirma, mas há rumores que a série continue conosco por mais um ano. Que The Comeback volte mais um, dois, três, dez anos com seu humor único, que nos faz relembrar de clássicos como 30 Rock, Studio 60 e, claro, ela mesma.

9. Dragon Age: Inquisition é o grande AAA desse ano

Se os jogos não tiveram um bom ano (seja em lançamentos, seja em toda a polêmica do GamerGate), não podemos negar que não houve aqueles bons destaques. Com o fracasso de Watch Dogs em nos entregar aquilo que prometeu, e grandes lançamentos fadados a fracassos de infraestrutura, como Assassin’s Creed UnityDragon Age: Inquisition se revelou o grande lançamento de 2014 para os jogos. Um RPG imenso, inebriante e com a qualidade de história que apenas a BioWare consegue entregar. Não é o melhor jogo do mundo, está recheado de falhas, mas te prenderá em um universo fascinante por centenas de horas.

8. Amantes Eternos, o melhor filme que ninguém viu

O novo filme de Jim Jarmusch é um dos melhores filmes do ano. A história de Adam e Eve, um casal de vampiros com centenas de anos e que assistem a humanidade de hoje com um olhar cético, depois de presenciar maravilhas (e horrores) em outras eras, é narrada com melancolia, dissonâncias e beleza. Se os vampiros no cinema há muito perderam sua identidade, Amantes Eternos devolve-lhes a dignidade com um filme à altura de seus mitos, e transforma Adam e, principalmente, Eve em seres eternos nas telas.

7. A Balada de Adam Henry é um retorno ao método curto

Depois de grandes romances aclamados, como SolarSerena, Ian McEwan retorna às histórias menores, mas não menos empolgantes, com A Balada de Adam Henry, sobre uma juíza que se relaciona com réu. Com toda a destreza nos detalhes típicos do autor, A Balada… mostra um vigor que McEwan não apresentava desde sua estréia, com O Jardim de Cimento, mas empregando toda a magia de seus últimos romances (SábadoAmor sem fim, inclusive, se conectam lindamente com este último), o novo livro do britânico talvez seja uma das melhores peças narrativas literárias de 2014.

6. True Detective é a grande estréia televisiva de 2014

A HBO retorna à forma que a consagrou com A Sete PalmosFamília SopranoA Escuta com o surpreendente True Detective, em uma pequena temporada (antes pretendida como minissérie) intensa e completa. Embora muito de sua fama acabe indo para os mirabolantes planos sequência dos episódios, True Detective maestra para além, conseguindo trazer de volta grandes histórias para o canal, que há muito precisava se sustentar com a alarmante The Newsroom e seus acertos menores, GirlsLooking. E por falar em Looking

5. Looking surpreende com a melhor temporada de 2014

Estreando em janeiro, a temporada inicial de Looking prometia “algo real”. Nas mãos do incrível realizador Andrew Haigh, ela entregou mais. Ela entregou “algo de verdade”. E há diferenças nessas duas chamadas. Looking, por mais de nicho que seja, é uma série que finalmente consegue trazer honestidade nos diálogos e na estética de sua temporada. Em um ano que Mad Men começa o seu fim, Girls derrapa, American Horror Story pisa na bola (de novo), House of Cards perde o fôlego e True Detective vem para balançar, Looking é uma sólida, intensa e honesta história de seres humanos — seres em extinção nas séries de TV.

4. Crush Songs supera superproduções com sua intimidade

Karen O ganhou o mundo em 2013 com The Moon Song. Seguindo uma vertente semelhante, mas ainda mais íntima, Crush Songs embala recordações e exasperações de um relacionamento com uma honestidade  única nos lançamentos de 2014. Assemelhando-se em momentos com For Emma, Forever Ago, mas ainda mais sincero que este, a vocalista do Yeah Yeah Yeahs consegue superar em qualidade obras maiores, mais poderosas e mais abrangentes — incluindo aí o grande álbum do ano, o autoentitulado Beyoncé.

3. 1001 pessoas que conheci antes do fim do mundo é um sopro de vida na blogosfera brasileira

O blog da Aline Vieira traz humor honesto, histórias bem contadas e uma delicadeza visual há muito escondidas na blogosfera brasileira — terra de memes e YouPixes. Com prazer, 1001 pessoas talvez seja o site com os melhores textos que tive o prazer de ler em 2014. E só de saber que ainda temos mais de 900 pessoas pra conhecer com Aline pela frente, dá expectativa e animação ao já fiel leitor.

2. Boyhood é o grande filme de 2014 — e talvez de toda uma geração

Com sua poesia visual baseada nos pequenos e eternos momentos da vida, Boyhood traça uma narrativa simples, não universal, mas sempre honesta sobre um jovem e sua família no Texas. Repleto dos vários tipos de amor que uma vida possa entregar, dos momentos e das incertezas que a juventude nos lança, dos amigos que vem e que vão, dos mestres que nos moldam e nos largam ao vento, Boyhood é certamente o melhor filme de 2014. E talvez seja o coming-of-age definitivo de toda uma geração. De toda uma universalidade.

1. Kentucky Route Zero: Act III toma o palco central em seu teátrico terceiro ato

Depois de EquusPerception of Space, o terceiro ato de Kentucky Route Zero agora busca em Esperando Godot suas referências. Agora, mais que nunca, Kentucky Route Zero assume sua teatralidade e leva o jogador para o meio do palco e dá a ele, na pele, o sentimento de Conway. Com uma potência nunca antes vista em um videogame, a narrativa do jogo da Cardboard Computer agora torna-se não um outsider da indústria dos jogos, e sim uma referência central. Depois do terceiro ato, em que o jogo puxa o jogador pelo pé para que ele sinta as dores de seu personagem, vemos que estamos na mão de mestres em contar histórias. Mestres esse que finalmente conseguem mostrar que os jogos são a evolução natural no método de narrativa. E para traçar o futuro, _Kentucky Route Zero _pisa no passado.