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As cinco melhores coisas de 2023

Link, de "The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom" conduz Mollie, de "Assassinos da Lua das Flores", no carro da Barbie. "2023" pode ser visto ao fundo.

Duas coisas que percebi fazendo a lista de fim de ano do Pão em 2023:

  1. Minha dieta cultural esse ano foi bem rala. Um pouco culpa do trabalho. Um pouco culpa de Eventos Acontecendo Em Minha Vida (contas).
  2. Eu desaprendi a escrever. Meu maior norte (conte o que acontece, não o que faz) ao escrever minhas resenhas não acontece nas cápsulas a seguir. Me desculpem, eu estou destreinado.

Eu escrevi pouco em 2023. E escrevi menos ainda sobre cultura em 2023. Não é culpa do que eu vi, joguei, li, ouvi, cliquei, etc. Escrever é terapêutico pra mim, mas muito desse último ano eu me descuidei da minha saúde mental, de desvendar o que eu estou sentindo. Eu também fui perdendo, aos poucos, a vontade de falar o que eu estou sentindo ou o que eu experimentei. É algo que eu quero mudar em 2024, e espero que meus queridos leitores, fieis escudeiros, estejam dispostos — eu estou empolgado para uma penca de filmes que vão estrear nos próximos três meses! Espero que estejam preparados para minhas péssimas opiniões!!

Enfim… não foi um ano ruim. Eu consegui realizar meu plano de assistir filmes majoritariamente no cinema, por exemplo. E de jogar quase todos os jogos que eu quis jogar. Eu tive tempo, e eu tive disposição. Mas eu não sei o que houve, mas na maioria das vezes eu não tinha palavras pra descrever o que eu sentia. É pura falta de prática. Como corrida, que eu também parei na segunda parte desse ano, eu só preciso exercitar um pouquinho mais pro ritmo das ideias voltarem. Eu só preciso me organizar. Eu planejo me organizar. Só essa semana eu escrevi bem mais que meses inteiros nesse último ano! Eu tô empolgado por 2024. Vocês acreditam que o blog vai fazer onze anos? Foi nessa idade que eu aprendi a ler!


O filme: Assassinos da Lua de Flores

Lilly Gladstone e Leonardo DiCaprio em cena de "Assassinos da Lua de Flores": Gladstone, no banco de trás, é conduzida por DiCaprio, no banco do motorista, em um carro dos anos 1920.

(Martin Scorsese, 2023). Todo ano eu fico com esse questionamento. Meu filme do ano é a melhor experiência que eu tive no cinema (Barbie)? Ou é o filme que mais me deu material pra pensar (Tár)? Ou é o filme que simplesmente me conectou àquela cinefilia adormecida dentro de mim (Showing Up)?

Assassinos da Lua de Flores não é nenhum desses casos. Mas é o meu filme do ano. O filme que eu saí do cinema sabendo que uma parte de mim mudou, que uma parte de mim nunca tinha visto nada igual. Em parte, porque é um dos meus tipos de filme favorito: parece ser uma coisa, mas Scorsese está fazendo outra. E, quando a gente percebe o que ele está fazendo, o filme se abre na nossa frente. Parece mais um dos seus filmes de gângster, mas Assassinos da Lua de Flores é muito mais. É uma história de amor doentio, de uma ganância monstruosa, da beleza arrancada e perdida dos povos nativos. Tudo isso sob os olhos da melhor atriz de sua geração, com Lilly Gladstone entregando ondas de emoção inteiras através de seu olhar, impenetrável e dilacerante.

Tudo isso. _ Tudo isso _ enquanto Scorsese se questiona, o tempo todo e humildemente, se ele é capaz de contar essa história como deveria ser contada. Se ele tem o que é capaz de ver através dos olhos de sua protagonista como ele queria tanto ver. Se ele fez jus à história dela. Nem ele, o grande mestre do cinema ainda vivo, sabe responder. É uma cicatriz que ele deixa à mostra para seu espectador.

E também:

Barbie (Greta Gerwig, 2023). Provavelmente o filme do ano? Eu sou fascinado pelo cinema de Gerwig, que com apenas três filmes já tem o que é provavelmente a melhor adaptação de um livro para a tela, e agora esse feito inacreditável de um filme realmente questionador, usando o dinheiro de uma mega-corporação. Na primeira vez que eu assisti, ficava me perguntando como a Mattel permitiu um filme desses. Mas foi na segunda, no natal com minha família, que eu me deparei com o filme muito sensível que existe por baixo do conceito de fachada. Uma dramédia às avessas sobre pessoas não aceitando seu espaço na sociedade, e como elas agem para mudar. Umas se fingem de mortas, outras criam o patriarcado, outras conversam umas com as outras e mudam de pouquinho em pouquinho. Quero que o Caetano cresça com esse filme por perto.

Monster (Hirokazu Kore-eda, 2023). Até dezembro, Assassinos da Lua de Flores tinha o meu final favorito do ano. Mas Kore-eda fez o que eu achei impossível: um filme tão bem construído que a mera ideia de um final feliz parece um sonho. Não é só de final que Monster se sustenta, é claro. Talvez o melhor roteiro que eu já tenha visto em tela desde que David Fincher encarou o Facebook, aqui vários pontos de vista se juntam para moldar uma história que eu acharia um crime dar mais detalhes. Grande parte da beleza desse filme tão sensível, tão delicado, está na forma que Kore-eda desdobra-o em nossa frente, com sua precisão estética igualmente sensível. É avassalador, mas também sabe ser belíssimo.

Showing Up (Kelly Reichardt, 2022). Não tem nem previsão de estreia no Brasil, mas Showing Up é mais uma obra-prima de uma diretora que nunca fez um filme menos que impecável. Eu escrevi no meio do ano como esse filme parece conversar com uma parte de mim que acredita no processo artístico como uma forma de arte em si. Mas Showing Up não é tão chato: é uma comédia sobre uma mulher querendo fazer arte, mas a vida se intrometendo no meio. E é nesse vai-e-vem de vida e trabalho que Reichardt, com a ajuda de sua grande escudeira Michelle Williams, encontra sua arte. A arte do processo, das pequenas coisas, que se constroem devagar. Que preciosidade de filme.

Tár (Todd Field, 2022). Nenhum filme esse ano me deu material como o novo do Todd Field. Tár é um colosso de cinema, daqueles poucos filmes que tudo reverbera, que é difícil de apontar e classificar. E, ainda assim, é bem claro sobre o que ele quer: dissecar a alma de uma regente no topo do mundo, no seu poder máximo. Quando se tá no topo, porém, o único movimento possível é a queda. E Tár dá tons operísticos à queda de sua personagem título (Cate Blanchett, em uma performance pra vida toda). O verdadeiro filme ruminante — pra ficar mastigando por meses após visto.

O jogo: The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom

Captura de tela de "The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom": Link, um menino loiro, com traços e esguios, corre por uma ilha no céu, com uma relva dourada e ruínas no horizonte.

(Nintendo, Switch). Eu me debati muito se Mario ou Zelda levariam esse ano, mas foi em uma breve conversa com o Erê, a qual transcreverei abaixo, em que isso foi decidido:

Arthur: É Mario ou Zelda?
Erê: Zelda, né?
Arthur: É, é Zelda.

Significativo, porque Tears of the Kingdom, a continuação do monumentalBreath of the Wild, só fez sentido pra mim quando eu compartilhei o controle com o Erê, e nós tivemos algumas das madrugadas mais divertidas que eu tive em anos. Não só pra ver o que é possível de fazer nesse jogo gigantesco, mas também pra poder dividir essa aventura com alguém. TotK é um jogo de se criar histórias — sobre como você subiu aquela montanha, ou como construiu algo para enfrentar aquele quebra-cabeça — e depois contá-las, compartilhar notas e descobertas. É um jogo comunal, como seu antecessor foi, que expande e aprofunda os conceitos de BotW. Nem sempre de maneiras necessárias, mas sempre inesquecíveis.

E também:

Cocoon (Geometric Interactive; PlayStation, Switch, Windows, Xbox). Como seus antecessores, Limbo e Inside, Cocoon maneja entrar na sua mente. À primeira vista, parece ser um daqueles jogos que se joga automaticamente, que as respostas para seus quebra-cabeças são fáceis demais, ou lineares demais. Mas é a pura alquimia do próprio jogo: de apresentar seus conceitos tão bem e espaçá-los com uma cadência precisa para fazer você pensar na velocidade que seus desenvolvedores delimitaram. É uma delícia de jogar. De uma fluidez de botar inveja em muitos arrasa-quarteirão por aí.

Japanese Rural Life Adventure (GameSTART, Apple Arcade). Obrigado Victor, que me apresentou esse jogo depois de eu (finalmente) aposentar minha ilha em Animal Crossing. JRLA é, acredite, um Stardew Valley aperfeiçoado. Um simulador rural simples, mas charmoso, que me fez perder horas do meu dia enquanto eu tentava coletar bambu o suficiente para construir meu templo. Me fez querer ir morar numa fazenda no Japão, e a me questionar se minhas preocupações são realmente preocupações. Tá aí um novo objetivo de vida.

Lil Gator Game (MegaWobble; macOS, PlayStation, Switch, Windows, Xbox). Não foi só Breath of the Wild que ganhou continuação esse ano. Outro jogo seminal dos anos 2010, A Short Hike, ganhou uma sequência espiritual com esse jogo de aventura carismático e delicado. Inspirado em BotW e, de maneiras peculiares, Link’s Awakening, Lil Gator Game é uma aventura sobre um irmão se deparando com uma irmã que cresceu para além de suas brincadeiras de infância. Curtinho e lindo, foi uma boa entrada para o mundo deZelda antes de Tears of the Kingdom chegar.

Super Mario Bros. Wonder (Nintendo, Switch). Esse é o melhorSuper MariodesdeSuper Mario World (e tenho dito!!!), um jogo pingando criatividade e genialidade, imenso sem ser maçante. O único jogo que eu joguei esse ano em que eu cogitei que, talvez, tivesse superado TotK em sua engenhosidade. Em alguns momentos, eu ainda acho que sim. É tão — mas tão — divertido, de maneiras completamente inesperadas, que foi como jogar um Super Mario pela primeira vez outra vez. Que tipo de feito grandioso, e impossível, é esse?

A música: The Great Collapse

(Joe Hisaishi, The Boy and the Heron). Sabe o que eu mais gosto nos mitos de criação? Como eles dão precisão para os verbos mais complicados. Atos como criar a luz, ou assoprar a vida, são maiores do que a minha cabeça pode compreender. Mas eles trazem essa complexidade inteira com um toque de fascínio, de mágica.

Foi exatamente o mesmo sentimento, de excitação, de presenciar essa mágica primordial que dá vida e que cria sentido, que eu senti ao ouvir The Great Collapse, uma das músicas que Joe Hisaishi compôs para O Menino e a Garça, pela primeira vez. Como ver alguém dobrar um origami na frente dos meus olhos pela primeira vez. Ver algo que eu não sabia o que seria ganhar forma, e então significado. Eu não sei exatamente o que é isso que se cria ao ouvir essa música. Mas ele é real, eu sinto ele no fundo do meu peito. No infinito da minha mente.

E também:

A Running Start (Sufjan Stevens, Javelin). O delicado novo álbum do Sufjan Stevens é pra se ouvir de manhã, tomando café. De certa forma, qualquer música dele poderia estar nessa lista (foi, e ainda é, um dos álbuns que eu mais ouvi logo depois de acordar nos sábados). Mas tem algo em A Running Start que me chama a atenção. Talvez seja o lampejo de animação, ou talvez seja porque ela me faz parar e prestar atenção, não só servir como música de fundo enquanto eu lavo a louça do café da manhã. É íntima, como todo Javelin, mas é estranhamente etérea, como uma música ambiente. Entra na pele.

Deceiver (M83, Fantasy). O novo álbum do M83 foi a trilha-sonora do meu ano. Deceiver, em especial, me acompanhou em dois dos momentos mais inesquecíveis que eu tive. Muito pelo fato de eu estar ouvindo a música certa na hora certa: o primeiro raio de sol em uma estrada infinita, e Anthony Gonzalez gritando “Distance driver” com aquela imensidão musical que ele sabe criar? Foi a minha música do ano até o novo trabalho do Joe Hisaishi aparecer, quase que no último minuto.

Madrugada Maldita (FBC, O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão Nos Levar Para Outro Planeta). A batida dessa música, a abertura do disco, é a mais contagiante que eu ouvi em anos. As letras continuam sendo o que menos me impressiona no trabalho de FBC, mas ele trabalha com o som que as acompanha em um espaço todo dele. Madrugada Maldita é uma daquelas músicas que eu não teria problema nenhum se durasse para sempre.

One Without (Oliver Coates, Aftersun). Provavelmente a música que eu mais ouvi esse ano, essa faixa da trilha-sonora de Aftersun me ajudou a decodificar o que torna o filme tão eficaz, e algo que eu tentei traduzir nesse texto. É um trabalho fantástico de entender o tom de um filme e transpô-lo para outro meio. É como ouvir a maré de um mar até então silencioso finalmente rugir.

A série: Succession

Sarah Snook, Jeremy Strong e Kieran Culkin em cena de "Succession": os três, em roupas pretas e formais, compartilham um abraço enquanto choram.

(4ª temporada, HBO). Talvez seja a resposta mais óbvia de se dar, mas também é a única que eu consigo. Misturando o tom farsesco com uma tragédia shakespereana, Succession finaliza com uma quarta temporada que alcança os pontos altos da segunda, e então os extravasa. Seja na perfeição de um episódio como Connor`s Wedding quanto a construção do arco narrativo que desemboca no devastador All The Bells Say, talvez a series finale mais emblemática desse lado de The Leftovers.

Succession sempre foi de difícil classificação. É uma série sobre seres humanos horríveis que, mesmo assim, nos força a ter empatia por suas dores (é o que nos diferencia deles, afinal de contas). É, também, uma comédia de erros, em que herdeiros se provam incapazes de navegar nos absurdos capitalistas que seu pai ajudou a fundar. É uma típica novela das oito, mas também é uma tragédia de como inescapável e destruidor pode ser o legado de nossas famílias em nós mesmos. É tudo isso, e é também uma baita duma série que me faz passar a vergonha alheia mais dolorosa, semanalmente. Vai fazer muita falta.

E também:

Alguém em Algum Lugar (2ª temporada, HBO). Já faz muito tempo que meu subgênero favorito da TV são as tragicomédias de meia-hora da HBO (Looking, Togetherness, Betty). Alguém em Algum Lugar talvez seja a melhor delas, e a sua segunda temporada aperfeiçoou os acertos da temporada anterior, expandindo a série em intensidade, e não em escopo. Uma série sobre procurar, encontrar e construir uma comunidade ao redor de si, é um deleite e uma preciosidade, sempre carismática e melancólica (e, quase sempre, as duas ao mesmo tempo).

Barry (4ª temporada, HBO). Por toda a sua trajetória na TV, Barry tem sido um joia oculta na programação. É uma comédia, mas não é engraçada. Na maior parte de suas duas últimas temporadas, é até muito depressiva. Mas é única e, se o experimento nem sempre funcionou (principalmente na terceira temporada), ainda assim entregou os episódios mais interessantes dos últimos anos. Unindo o cômico e o doloroso, Barry nunca perdeu o coração humano de seus personagens de vista. Não oferece nenhuma resposta fácil para os dilemas morais de um assassino arrependido, uma atriz arrependida, e um pai arrependido. Mas termina seus arcos com aquela precisão cirúrgica entre absurdo e humanismo em que Barry sempre encontrou algo de muito real.

Mrs. Davis (1ª temporada, seu torrent favorito). Que saudade que eu tava das séries de Damon Lindelof (The Leftovers, Watchmen). A estranheza perfeita. A construção de significados cumulativos através do tempo. O drama absurdo. O manejo entre a tragédia e a comédia. Não existem séries iguais às dele. Mrs. Davis, curtinha (vai ser uma antologia daqui pra frente), hilária e emocionalmente dilacerante em igual medida, faz as nossas perguntas difíceis que todo o mundo está com medo de fazer sobre IA. E as faz sem medo de olhar ao redor das respostas, e de questionar aquele belo e se que Lindelof sabe tão bem fazer. Aposta mais alto, e daí aposta mais alto ainda.

O Urso (2ª temporada, Star+). Das séries que parecem um milagre por existirem, O Urso mistura a comédia de espaço de trabalho com a tragédia da vida mundana. Todos os seus episódios beiram a perfeição (e Fishes e Forks a encontram), então é uma série boa de recomendar por momentos específicos. Para mim, porém, O Urso brilha pela construção, as vezes quase imperceptível, dos seus personagens. É uma série como as poucas que sabem construir e nutrir significado através do tempo. Seja com um talher, com um prato ou um jogo de olhares. O segredo de uma série que vai longe. Eu aceito, no mínimo, oito temporadas.

A sumaúma que comoveu Belém - SUMAÚMA

(texto, Helena Palmquist, SUMAÚMA). Me emociona toda a vez ler o relato sobre a morte da sumaúma. Um apelo à natureza, mas uma lembrança da nossa humanidade, capaz de velar a morte, mesmo daqueles tão diferentes de nós. Eu linkei pra esse texto no início do ano aqui no blog, e eu ainda paro para relê-lo de tempos em tempos.

Também me fez conhecer o site em si, SUMAÚMA, que se transformou em um dos meus feeds favoritos no meu RSS.

E também:

Aftermath (site). Meus escritores favoritos sobre jogos debandaram um a um, o Kotaku nos últimos anos. Foi difícil de acompanhar o trabalho deles desde então, em cadernos de jornais que foram terminados logo depois, ou em sites questionáveis. Um pouco disso porque textos sobre jogos ainda tem muito de publicidade, e o trabalho desse pessoal é questionador e difícil. Outro, porque jornalismo de jogos não é levado a sério, e publicações desistem logo que veem que a comunidade ao redor, geralmente avessa às críticas, tende ao violento. Aftermath segue o exemplo de Defector, e cria algo uma comunidade, sem publicidade, voltado para seus assinantes, e já tem alguns dos melhores textos desde o tempo deles no Kotaku. É bom ter eles de volta.

Everything is Alive Presents: The Animals (podcast, Radiotopia__). Pensando seriamente em tornar Everything is Alive um hors-concurs nessa categoria, porque todo o ano eles entregam um dos meus podcasts favoritos. Esse ano, um spin-off entrevista alguns animais sobre suas vidas, e o charme e deleite em encontrar humanidade em tudo continua. Curtinho, delicado e mágico, como sempre.

Radio Garden (site). Minha dificuldade de listar cinco músicas que me marcaram esse ano se deve ao Radio Garden, meu principal meio de ouvir música desde que eu o descobri: eu sintonizo em uma estação de rádio aleatória no mundo (eu ando gostando muito das rádios romenas, por algum motivo?), e fico ouvindo absurdos. Músicas que eu nunca vou ouvir de novo, comentários em idiomas que eu não entendo. Como a Wikipédia, o Radio Garden deixa o mundo grande.

The Retrievals (podcast, Serial Productions). Desde a terceira temporada de Serial, a equipe de produtores e escritores vem trabalhando em minisséries que seguem a mesma linha do podcast-fenômeno: uma história, contada com maestria em vários episódios. Esse método produziu alguns dos melhores podcasts dos últimos anos, como S-Town e We Were Three. The Retrievals talvez seja o melhor até aqui, e o meu podcast favorito no ano. O caso de um crime médico em uma clínica de fertilidade nos EUA é surreal, mas em cinco episódios, The Retrievals torna a dor e a injustiça palpáveis.

É isso! Muito obrigado por esse décimo ano acompanhando esse espacinho na internet. Muito obrigado, especialmente, ao meu amigo Raul, que fez a ilustração de capa do post (e o sanduíche que você vê em todas as páginas desse blog).

Feliz 2024, nos vemos lá!

Quando você dá um email para uma árvore

People Are Writing Thousands of Emails to Trees

A história é de 2015, mas vale a lida ainda hoje. A cidade de Melbourne criou um endereço de email para cada árvore. A princípio, os emails eram para ser utilizados para a população reportar problemas com as árvores, como galhos caídos, ou raízes expostas, etc.

Acabou que a população começou a enviar mensagens de amor e carinho às suas árvores favoritas:

To: Golden Elm, Tree ID 103714821 May 2015
I’m so sorry you’re going to die soon. It makes me sad when trucks damage your low hanging branches. Are you as tired of all this construction work as we are?

Essa foi enviada por outra árvore, nos EUA:

To: Oak, Tree ID 107054611 February 2015
How y’all? Just sayin how do. My name is Quercus Alba.  Y’all can call me Al.  I’m about 350 years old and live on a small farm in N.E. Mississippi, USA.  I’m about 80 feet tall, with a trunk girth of about 16 feet.  I don’t travel much (actually haven’t moved since I was an acorn).  I just stand around and provide a perch for local birds and squirrels. Have good day, Al

É tão linda a forma que nossa relação com árvores aparece no nosso cotidiano, como a sumaúma que comoveu Belémno início desse ano.

Adrianne LaFrance, no The Atlantic:

These sorts of initiatives encourage civic engagement and perhaps help with city maintenance, but they also enable people’s relationship with their city to play out at the micro level. Why have a favorite park when you can have a favorite park bench?

The trees I have loved do not have email addresses. But if they did, I might take the time to remark on the lovely crook of one question-mark-shaped branch, and the softness of summer maple leaves dappling four o’clock sunlight onto my desk.

“Dear 1037148,” wrote one admirer to a golden elm in May. “You deserve to be known by more than a number. I love you. Always and forever.”

Dolphin is a man’s best friend in Brazil’s South

Amanda Audi, The Brazilian Report:

O golfinho fêmea Caroba teve uma atitude estranha. Nadou até o fim da praia de Laguna (SC) e entrou no rio Tubarão. Foi localizada a mais de 200 km de distância. Alguns diziam que ela bateu numa rede e se perdeu tentando fugir. Outros, que nadou para longe para morrer sozinha.

Uma força-tarefa de pescadores viajou para resgatar o animal. Passaram dias tentando guiar ele de volta pra casa. Falar sobre Caroba era engolir emoção. “Este boto trabalha na nossa região há muitos e muitos anos. Eu tenho 42 anos e o meu pai já pescava com ele”, disse um deles.

Caroba foi encontrada sem vida uma semana depois da fuga. A foto de seu corpo estampou os jornais da região – ela foi publicada borrada, como se costuma fazer com cadáveres humanos. Não se sabe a causa da morte. https://t.co/ASlo6OIJnO

O corpo foi levado de volta a Laguna e enterrado no cemitério dos botos, ao lado da baía onde eles costumam ficar. Cada boto que morre ganha uma cruz com o seu nome. Lá estão Batman, Borracha, Leleco, Tapete, Lata Grande, Prego, entre outros que se foram nos últimos anos.

“Tudo na vida tem um prazo. Para animais e humanos”, disse, melancólico, um morador enquanto prestava homenagem ao lado da lápide do amigo Caroba. “E ainda existe gente orgulhosa, que se acha melhor que o outro, mesmo sabendo que logo todos iremos embora”.

Caroba era um dos mais velhos da antiga prática de pesca com botos de Laguna – um dos raros casos de colaboração mútua entre humanos e animais. Há mais de 150 anos, pescadores e golfinhos trabalham e se beneficiam juntos. Estudos mostram que a relação é exemplo para o mundo.

Os golfinhos “pastoreiam” os peixes e emitem um alerta, então os pescadores lançam a tarrafa (rede pequena), em uma ação coordenada. Assim, os pescadores pegam mais tainhas e os golfinhos não precisam nadar até áreas perigosas para se alimentar –aumentando a chance de sobreviver.

Os chamados “bons botos”, são selvagens, e não há tentativa de domesticação. Mas é inegável que existe um carinho entre os envolvidos. “O meu melhor amigo não é um cachorro, é um boto”, diz um dos pescadores.

Os golfinhos são do tipo nariz de garrafa (o mesmo do Flipper). Aqueles que pulam pra fora da água e fazem gracinha para as pessoas.

A sumaúma que comoveu Belém

Helena Palmquist, SUMAÚMA:

Nas redes sociais, uma moradora definiu: “De madrugada, generosa, não feriu ninguém. A gente chora”. A câmera de vigilância registrou o momento, numa sequência que foi transmitida várias vezes pela televisão e pelas redes sociais. Pelo amanhecer a notícia e a comoção já se espalhavam pela cidade e moradores, primeiro os de perto, depois os de longe, não paravam de chegar, olhando para os restos da árvore, entre tristes e assustados, como se estivessem passando pelo velório de alguém famoso e querido. E estavam.

As cinco melhores coisas de 2022

Oi! Eu, eh… estou de volta!

Esse último ano não foi muito movimentado por aqui, e eu peço desculpas. Eu posso me explicar e prometer que 2023 vai ser diferente (e eu realmente espero que seja!), mas eu não quero fazer promessas que eu não possa cumprir.

O fato é que 2022 foi demais. E não que foi bom demais da conta, e sim que coisas demais aconteceram. Com a vacinação continuando, a “vida normal” parecia bater com força na porta de casa. Em um dos poucos posts que eu escrevi para o Pão nesse último ano eu comentei como isso se refletia nas histórias da maioria das séries que vi nos últimos meses. Outras coisas aconteceram também: eu me apaixonei, e deu tudo errado; eu me mudei, e deu tudo errado, até que do nada, de repente, deu tudo certo; eu virei tio, e se tem alguma coisa que era certa, era que ser tio é, na verdade, muito bom.

Enfim, foi tanta coisa que escrever para o Pão, algo que genuinamente me ajudou muito em anos muito difíceis, acabou ficando em segundo plano. Eu também tive uma dieta cultural bem mais rala nesse último ano — foram poucos os filmes, séries, jogos e músicas novas que eu me deparei esse ano. E os que ficaram comigo, os que realmente me tocaram, o fizeram por motivos estritamente pessoais.

Então, pra diferenciar um pouco das outras retrospectivas aqui do Pão, eu não estou chamando esse top 5 de “as melhores coisas do ano”, mas meus “favoritos do ano”. Acho que é muito mais honesto com a experiência que foi a minha dieta cultural nesse último ano: um apinhado daquilo que me chamou a atenção e que me ajudou num ano difícil e que, por isso, arranjaram um jeito de entrar no meu corpo e na minha alma, e eu vou levar eles comigo para sempre.

O filme favorito: Aftersun

Pra mim, Aftersun é uma conquista colossal. Em seu filme de estreia, a diretora Charlotte Wells consegue encontrar e transpôr para o cinema a experiência da memória.

Começa com detalhes aleatórios, como o som de um ônibus, o farfalhar da cortina com a brisa, a textura dos ladrilhos de uma piscina, até que esses detalhes se unem em momentos que vêm e vão na nossa mente como as ondas do mar, nos mergulhando (às vezes de forma violenta) em seus sentimentos.

Um filme “emocionalmente autobiográfico” sobre as últimas férias que filha e pai passam juntos, Aftersun começa no que parece aqueles filmes sobre nada, mas a forma como Wells encena esses momentos e os encaixa, costurados com uma trilha-sonora e atuações fantásticas, molda um filme de memória onde essas assombram e nos afogam — até nos puxa, com todo o sufoco e todo o alívio, para o agora.

(Aftersun está em cartaz nos cinemas, e estreará na MUBI em 6 de janeiro).

E também:

  • Drive My Car : um filme imenso (mesmo, de três horas) sobre os efeitos do luto e da arte em relação ao tempo, o incrível filme de Ryusuke Hamagushi me conquistou ao desarmar o meu metabolismo — lentamente conquistando o meu olhar, minha mente, e então meu coração (na MUBI).
  • Memoria : em um primeiro momento, o novo filme do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul parece querer registrar o mundano: a tentativa de uma pessoa de se fazer entender, de expressar para outra pessoa uma sensação ou um pensamento. Até que Memória, então, captura o impossível: o momento em que uma outra pessoa, no outro lado da mesa, ou da linha telefônica, entende aquilo que sentimos, e compartilha do mesmo sentimento. Quando nossa existência transcende o nosso corpo (na MUBI).
  • _ Marte Um: _ simplesmente o meu filme brasileiro favorito desde A História da Eternidade, e por motivos completamente diferentes. Poucos filmes, aqui ou lá fora, capturam a sensação que é viver especificamente no dia de hoje como Marte Um conseguiu. Um retrato imenso de pessoas que não conseguem parar de sonhar, e todos os mundos imaginários que ficam em nossas cabeças. Ainda bem que o cinema existe, e alguns deles saem para as telas (nos cinemas).
  • _ Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo: _ longo, estufado, um tanto clichê e, mesmo assim, uma das coisas mais fenomenais que eu já assisti. Um amigo meu comparou com Matrix e, honestamente? Acho que a comparação é completamente válida. Tá aí um filme que, ao mesmo tempo, é diferente de tudo que o blockbuster americano está fazendo hoje em dia, e conversa com as ânsias e referências que o público dialoga. A história da dona de uma lavanderia que, ao errar uma prestação de contas, acaba se envolvendo em uma vasta conspiração com o multiverso é fenomenal: amplo o suficiente para incluir piadas anais e pequenas declarações de amor na mesma cena. Nenhum filme me fez chorar de tristeza, de alegria e de alívio com tanta velocidade quanto esse. (para alugar).

A série favorita: Estação Onze

Eu escrevi no início do ano sobre como Estação Onze, a minissérie da HBO Max sobre uma atriz mirim que sobrevive à uma pandemia ainda mais mortal que a nossa, torna o mundo grande de novo. De lá para cá, Estação Onze ficou no topo das minhas séries favoritas esse ano, e nenhuma outra chegou perto de tomar seu lugar.

O motivo é simples: Estação Onze é difícil de se reduzir. Quando eu recomendo essa série, faltam palavras para descrever o porquê alguém deveria assistir ela. É estranha e divertida, triste e imensa. Sua estrutura permite que ela vá para os lados mais desconexos possíveis de sua trama, mas ao invés de torná-la rasa, essa abordagem transforma Estação Onze em um panorama de como a humanidade sobrevive, mesmo no meio do medo e da incerteza. Ela expande tanto que nos lembra de como o mundo é grande e diferente, e que a gente só sabe um pouquinho, só experimenta um tanto dele. Ao invés de tornar isso inquietante, Estação Onze transforma essa realização em uma benção.

(Estação Onze está disponível na HBO Max).

E também:

  • _ Barry _ (terceira temporada): ninguém está bem na terceira temporada de Barry, e eu vi os novos episódios da dramédia sobre um assassino na HBO nesse mesmo estado de espírito. Isso não torna Barry em algo particularmente divertido de se assistir (embora seja muito, muito engraçada), mas poucas séries na TV hoje tem a coragem de entrar na mente de seus personagens com tanta força quanto essa. Assistir Barry foi quase que um exorcismo (na HBO).
  • _ Better Call Saul _ (sexta temporada): terminar BCS esse ano foi uma sensação agridoce. Já faziam algumas temporadas que eu passei a considerar esse spin-off superior a Breaking Bad, seu progenitor. Mas essa última temporada, impecável, também parece uma despedida de um jeito de se fazer séries que não se faz mais na era do streaming. Nenhum outro drama na TV hoje se importou tanto com a progressão semanal, e com a possibilidade desse formato de explorar o íntimo do seu personagem como Better Call Saul. Seu episódio final é um delírio (na Netflix).
  • Pantanal : o grande fenômeno da TV esse ano. Não foi o fim de BCS ou o humor absurdista de O Ensaio, ou a estreia fortíssima de Ruptura. Nada na TV manteve a atenção como Pantanal, a primeira novela da Globo em muito tempo a abraçar os pontos fortes do formato e finalmente inovar ao tentar solucionar seus pontos fracos. Com um valor de produção altíssimo (eu não duvido que tenha sido a novela mais cara já feita) e um elenco de peso (Marcos Palmeira e Dira Paes nos grandes papeis da TV brasileira desde Avenida Brasil), nada me fez sentir parte de algo maior em 2022 do que acompanhar Pantanal com o resto da população brasileira. Como todo o bom programa de TV, nos faz sentir uma parte de algo maior, de uma experiência realmente comunal que atravessa os limites da georgrafia. Desde Twin Peaks: O Retorno eu não percebo um fenômeno desse acontecendo na TV (no Globoplay)
  • _ Ruptura _ (primeira temporada): a grande estreia na TV esse ano, com certeza. Ruptura tem estilo e tem força de sobra, e uma trama quase Lostiana que pode botar tudo a perder a qualquer momento. Mas é justamente isso que torna ela irresistível: a série está numa corda bamba entre a genialidade e a bobagem, e como ela equilibra sua premissa com tanta precisão sobre esses extremos, com um elenco fantástico e uma estética fortíssima, é brilhante. Já é a melhor série da Apple (na Apple TV+).

O jogo favorito: TUNIC

Foi bem no início de TUNIC que eu me apaixonei por ele, e que eu sabia que nada que eu jogasse esse ano ia conseguir superar aqueles primeiros momentos. E foi justamente TUNIC que o superou, pouco a pouco, conforme revelava suas verdadeiras garras.

TUNIC é um jogo de aventura de ação à Legend of Zelda, com alguns requintes de Dark Souls. É o equilíbrio entre essas duas referências, em que uma preza por uma jogabilidade direta, enquanto outra gosta de esconder suas mecânicas em camadas e camadas de habilidade, que faz TUNIC ser tão especial. Eu não sou um bom jogador, o que torna os jogos do estilo Souls intransponíveis pra mim. Mas ao pegar as melhores mecânicas de Zelda, com sua estrutura de relógio suíço em que cada elemento de jogo responde a outro elemento, que TUNIC torna seus momentos mais complicados em verdadeiros quebra-cabeças de habilidades. E o manual… ah, o manual. TUNIC fica ainda mais especial

(TUNIC está disponível para Mac, PlayStation, Switch, Xbox e Windows).

E também:

  • Elden Ring : o extremo oposto de TUNIC, o novo jogo da From Software é imperdoável, e honestamente eu não me aprofundei muito nele. Diferente de outros Souls, porém, eu não precisei. O mundo aberto de Elden Ring dá respiro o suficiente para jogadores como eu explorarem sua narrativa através da arquitetura, e experimentar um pouco do mundo magistral do jogo à sua própria maneira. Me fez me questionar se eu não deveria dar uma segunda chance aos jogos anteriores (para PlayStation, Xbox e Windows).
  • OlliOlli World : um mundo de skate e charme, OlliOlli World entende como poucos jogos aquilo que todo jogo deveria entender: qualquer jogabilidade só é tão boa quanto a execução de seus verbos. E se tem algo que foi bom de fazer esse ano foi de tornar tudo o que eu via pela frente em uma possibilidade de fazer uma manobra boba de skate. Talvez o mais próximo que eu já cheguei da liberdade que um skatista deve sentir (para Mac, PlayStation, Switch, Xbox e Windows).
  • Return to Monkey Island : o retorno de Guybrush Threepwood e seu criador, Ron Gilbert, à Ilha do Macaco não poderia ser melhor. Return consegue ser a continuação perfeita, que revela a maravilha do original sem parecer uma cópia, e comenta suas influências com maturidade e distância. Return to Monkey Island é engraçado como os originais, mas também é ciente do que mudou nesses anos todos entre um jogo e outro, seja em mecânica ou em humor, em sensibilidade histórica ou maturidade do seu autor. Me faz querer voltar à infância e jogar Monkey Island e King’s Quest madrugada adentro de novo, mas também me faz pensar em como esse tempo passou (para Mac, PlayStation, Switch, Xbox e Windows).
  • Wordle : provavelmente o jogo do ano, Wordle foi o mais próximo que chegamos ao nível de loucura causada por Pokémon Go em 2016. Um verdadeiro fenômeno que nos deixou um pouquinho mais próximos um do outro. Que seja tão simples e tão viciante é só uma prova da sua genialidade (para navegadores, com versão em português).

A música favorita: Different Today

2022 foi o ano em que várias das minhas bandas favoritas na juventude voltaram com álbuns novos. Arcade Fire, Belle & Sebastian, Son Lux…

Mas foi Cool It Down, o primeiro disco do Yeah Yeah Yeahs em quase uma década, que se transformou num favorito instantâneo. Logo na faixa de início, Spitting at the Edge of the World, eu me lembrei do porquê eu amar essa banda, e dos momentos que suas músicas embalaram no passado. As músicas dos YYY são amplas, criando uma espécie de horizonte sonoro em que a voz da vocalista Karen O pode ir de um ponto ao outro, de gritos a sussuros.

Cool It Down é um álbum de uma banda punk por natureza alguns anos depois da maturidade chegar. A intensidade das letras e a força do som ainda estão ali, mas servem pra intuitos diferentes. Essa realização me bateu quando eu ouvi Different Today pela primeira vez. O que me faz amar o Yeah Yeah Yeahs está ali: a voz delicada mas intensa, a guitarra forte e as batidas marcantes. É o som que eu amo ouvir dessa banda, mas que embalam uma canção muito menos violenta do que nos álbuns anteriores: Karen O canta sobre como o tempo passou, como o sentimento mudou, e como o mundo continuou a girar. Em It’s Blitz!, o Yeah Yeah Yeahs soava como o desespero de um último respiro no meio de um sentimento intenso. Em Cool It Down, esses mesmos sentimentos intensos estão em outros lugares, e é Different Today que os encontra.

(Different Today é uma música do disco Cool it Down, ouça).

E também:

  • _ BREAK MY SOUL _ (Beyoncé): eu posso não ser um fã de RENAISSANCE, o disco que Beyoncé lançou esse ano, mas até eu sei reconhecer o hitzão de BREAK MY SOUL. Das músicas que me fazem querer ir em festa de novo e viver algo inesquecível ao som contagiante que a cantora encontra aqui (ouça).
  • _ Mother I Sober _ (Kendrick Lamar): Mr. Morale & The Big Steppers é longo, confuso, vai pra lugares meio incertos, mas é a obra de um gênio, e Lamar não tem medo de se expôr nela, principalmente na penúltima faixa. Começando a música declarando quem ele é, e terminando se libertando da culpa através da honestidade, talvez seja a música que melhor expresse toda a confusão que a precede. Mr. Morale é um grande álbum, mas é Mother I Sober que o decodifica da mente de Kendrick Lamar para o mundo.
  • _ This is a Life _ (Son Lux, ft. David Byrne & Mitski): a junção de Son Luz e David Byrne parece tão lógica, e mesmo assim precisou que Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo existisse para que esses dois artistas se juntassem, em uma música que, como o filme para o qual ela foi composta, tenta capturar toda a existência humana. Como as melhores músicas de Byrne, ela consegue ao observar os pequenos detalhes da vida — a forma como a gente acorda toda a manhã, e vai dormir toda a noite, e na forma que em alguns dias a gente acorda de noite, e só consegue dormir de manhã também (ouça)
  • Unconditional I (Lookout Kid) (Arcade Fire): de todas as músicas de WE, Unconditional I é a música que mais parece um clássico do Arcade Fire (e talvez seja, visto que a banda parece ter finalizado nesse disco músicas em que eles trabalhavam há anos). É uma música feita para ser experienciada no típico palco da banda: ao vivo, em uma multidão gritando em plenos pulmões os sentimentos mundanos que só o Arcade Fire sabe transformar em momentos grandiosos (ouça).

It’s Your Friends Who Break Your Heart

O artigo da Jennifer Senior para o The Atlantic tem um título fatalista, mas é a observação mais bonita sobre a natureza do relacionamento criado e mantido pelas amizades que moldamos durante a vida (e, claro, como é especialmente doloroso quando elas acabam em sussuros, e não em explosões).

2022 foi um ano complicado para mim, em termos de relacionamentos, e nos últimos meses eu passei boas horas lendo sobre justamente eles. Sobre a natureza dos afetos, dos amores, das decepções amorosas, de como o ser humano é incapaz de se sentir completo. Mas nenhum texto é como It’s Your Friends Who Break Your Heart. Embora Senior se dedique principalmente ao paradoxo da amizade (é o tipo de relacionamento que temos mais à nossa disposição, mas o que menos nos dedicamos em manter), ele também tem a melhor descrição que eu já encontrei para o que é ter um amigo: perceber nele que somos a melhor versão de nós mesmos. Tá aí um texto que me fez rever toda a minha vida, e em perceber que amizades, e não romances, são os principais relacionamentos da minha vida (The Atlantic).

E também:

  • ENCERRAMENTO MASSA: a gente já sabia que isso tava para acontecer, mas esse foi o ano em que a Jout Jout finalmente encerrou o seu canal. Em seu último vídeo, a Julia e o Caio se reúnem para explicar o que aconteceu nesse tempo sem novos vídeos, e o porquê não faz mais sentido (para eles) em manterem o projeto hoje em dia. É um tanto triste assistir se você é fã e recebe uma comprovação do fim de uma ideia tão bacana, mas a Jout Jout sai de cena (pelo menos nesse canal) com aquilo que fez JoutJout Prazer ser tão delicioso: é honesto e espontâneo, e vai fazer uma falta imensa numa internet cada vez mais performática.
  • In The Scenes Behind Plain Sight: da mente brilhante de Ian Chillag, o criador do meu podcast favorito, In The Scenes… é um arraso, com recaps e bastidores de uma série que nunca existiu. É um arraso de podcast, mantendo a criatividade imensa dos outros projetos de Chillag com o charme de ouvir semana a semana uma retrospectiva do que parece ser uma série que deveria ser deliciosa de assistir por si mesma. Genial na ideia e na execução.
  • Line Goes Up – The Problem With NFTs: lembra como NFTs foram algo no início de 2022? Meio incrível de pensar que foi nesse ano que uma galera delirou nuns GIFs que eles diziam serem únicos. É esse fenômeno (e a criptoeconomia como um todo) que o canal Folding Ideas esmiuça em detalhes, e os coloca em um panorama do nosso relacionamento atual com a tecnologia que é iluminador de assistir.
  • How We Feel: esse app dos criadores do Pinterest foi o meu achado do ano. Ele oferece um mapa de sentimentos bons e ruins para você escolher durante o dia, e você registra aquilo que você está sentindo com o passar do tempo. Você pode adicionar fotos, ou notas (escritas ou de áudio), colocar pequenos lembretes de onde você estava, com quem e o que fazia naquele momento em que sentiu determinado sentimento. How We Feel se tornou meu app de diário, e me ensinou a criar um verdadeiro vocabulário emocional. A gente sente muito mais do que alegria ou tristeza com o passar do dia, e saber as nuances daquilo que eu sinto em momentos, sejam mundanos ou especiais, tem me ajudado muito a me sentir mais seguro dentro da minha própria mente. Tá aí uma sensação que eu quero levar para a minha vida.

É isso por enquanto, pessoal. Feliz ano novo, a gente se vê no futuro!

A nova temporada de Everything is Alive começou

Meu podcast favorito, Everything is Alive, está de volta com um episódio tremendo em que Ian Chillag entrevista Azlo, um carro de aluguel que está tentando voltar para casa. O que é “casa” para quem está sempre viajando? É uma das explorações fantásticas que esse podcast pequenuxo consegue tirar das observações mais simples do dia-a-dia.

Você pode ouvir Everything is Alive em qualquer plataforma de podcasts, como o Spotify, o Pocket Casts ou o Apple Podcasts. Você também pode ouvir ele no site oficial.

“Nobody Shares Anymore”

Mike Rugnetta é um dos dinossauros da internet. Ele está há tanto tempo nela, e já observou tantas das transformações da internet, que ele é quase uma parte da história da própria internet. Ele ajudou a criar o formato de “vídeo-ensaio” com o Idea Channel e, depois de alguns anos sem aparecer muito no YouTube, ele voltou com alguns vídeos bem despretenciosos sobre temas que o interessam. Algo como um vlog, mas mais bem escrito.

Em “Nobody Shares Anymore”, ele observa como as redes sociais pararam de enfatizar as palavras como compartilhar em suas páginas iniciais, e como os seus usuários também pararam de “compartilhar”, e dá uma série de motivos para esse movimento de como redes sociais se transformaram em mídias sociais.

Que ele continue observando e documentando essas transformações na internet por muito tempo.

Earth Clock

O Earth Clock é um relógio formado por imagens da superfície do planeta Terra que parecem com números (e com o sinal de dois pontos, é impressionante quantos lugares no mundo parecem com dois pontos vistos do céu).

O site é desenvolvido pelo estúdio de projetos experimentais da web CW&T. Você também pode baixar esse experimento como um protetor de tela para o macOS.

The HTML Review

The HTML Review é uma seleção anual de literatura feita para existir na web. Eu adorei a ideia desse projeto.

Na web a gente usa o hipertexto para nos comunicarmos. O hipertexto é único da web, a gente não pode fazer ele no mundo real, porque suas interligações (os links) são próprios da descentralização digital na qual a web foi fundada.

Mesmo assim, muito do que a gente lê na internet usa muito pouco dos recursos mais únicos do hipertexto. Essa última década a web pareceu regredir ainda mais nesse sentido. Ao invés de experimentarmos mais, estamos cada vez menos explorando as possibilidades do hipertexto como formato, reduzindo-o à representações reais do texto convencional: sites de revista parecem revistas, sites de jornal se comportam como jornais de papel. Instagram sequer aceita links nos seus posts.

O The HTML Review é um movimento contra isso. O próprio site é algo visualmente único da web, e os textos que ele destaca, como “GUESS WORDS” só poderiam fazer sentido num navegador.

Eu já favoritei esse site e salvei ele na minha barra de favoritos. Eu mal posso esperar pela próxima edição, no ano que vem.

Home Sweet Homepage

Home Sweet Homepage é um gibi digital escrito e desenhado por Amy Wilbowo sobre como foi crescer online na época em que a gente fazia “homepages” no GeoCities ou no Trypod. É uma graça, e me fez lembrar de quando eu criei MSN Space pra falar sobre Spore (o site, que virou um blog um tempo depois, ainda existe).

Se você preferir (ou precisar), a autora oferece uma versão em texto aqui.

As melhores correntes de reblog do Tumblr

O Tumblr está fazendo quinze anos nesse mês de fevereiro. Para celebrar, a equipe decidiu homenagear as melhores correntes de reblog que aconteceram na plataforma nesse tempo através de reblogs (claro) no blog best-of-reblogs. É surreal de tão bom.

Se você não participou do Tumblr nos tempos áureos de 2010—2015, pode não saber o que é uma cadeia de reblogs, e deixa eu te explicar: é a melhor coisa que uma rede social já conseguiu criar. No tumblr, cada post pode ser “reblogado”. Se você postou algo que eu gostei, eu posso reblogar no meu próprio blog e adicionar alguma contribuição. Algumas vezes, os reblogs acontecem por dias ou meses e as vezes até anos, criando uma cadeia de reblogs de colaboração, geralmente muito bem humoradas e as vezes muitíssimo informativas.

O best-of-reblogs compila algumas das melhores cadeias de reblogs. Tem essa, em que os membros do site levam o aviso de uma placa às últimas consequências; ou essa que eu só posso classificar como “copypasta”, de tão absurda. Tem também essa excelente classificação de tipos de comida usando sua forma.

Mas o meu favorito no best-of-reblogs é a dos números ímpares, e a destruição completa da minha sanidade conforme eu fui lendo. Eu vou me dar ao trabalho de reproduzir ela aqui na íntegra, porque eu não quero enlouquecer sozinho.

https://best-of-reblogs.tumblr.com/post/676628163982458880/lily-orchard-thedeathangel2112

O tratamento mal-sucedido de um caso de "bloqueio do escritor"

Esse é o artigo acadêmico The Unsuccessful Self-Treatment of a Case of “Writer’s Block” na íntegra:

Uma página sem conteúdo, apenas o título

É uma piada acima de tudo, mas como foi um artigo publicado ele pode ser citado por outros artigos acadêmicos, e aparentemente ele já foi citado mais de cem vezes.

O próprio artigo da Wikipédia sobre ele não se aguenta de fazer umas piadinhas.

(Via Kottke).

Everything is Alive entrevista Sal, a meia

Uma coisa interessante aconteceu hoje. Eu tava voltando da minha corrida, enquanto eu ouvia os meus podcasts da semana, quando o episódio de hoje de Everything is Alive começou. Eu tava tirando minhas meias quando Sal, uma meia, começou a contar sobre Rebecca, sua parceira.

Essa temporada de Everything is Alive tá sendo mais ou menos, mas Sal talvez seja o meu episódio favorito do podcast até aqui. A empolgação de Sal contando sobre Rebecca é daqueles momentos de genialidade que compõe o podcast em seus melhores momentos: breves lampejos da beleza do nosso dia-a-dia sendo relembrados em perspectivas completamente diferentes da nossa. É uma reapreciação de se estar vivo.

O episódio também tem uma entrevista com Sebastian Connelli, o homem que ilustra esse artigo sobre usar sandálias e meias, e sua esposa, que publicou a foto no site — algo que eu não fazia ideia de que era polêmico, até porque eu amo usar crocs e meias.

Aí estão dois casais conversando sobre meias. Quem diria que seria tão bonito.

Um site para rabiscar

Captura de tela de uma série de rabiscos feitos por Clive Thompson, em que uma linha da cor preta faz ângulos retos enquanto cruza em cima de si mesma

Clive Thompson é um escritor, e ele desenvolveu um script na web para ajudar a rabiscar que você pode acessar aqui. Use as setas para guiar a direção do rabisco e aperte “c” para começar um novo.

Ele escreveu sobre o processo e a motivação em um post para o blog Better Humans. Rabiscar ajuda ele a se concentrar no que ele precisa escrever, e uma parte fascinante do post dele é sobre a ajuda cognitiva oferecida pelo rabisco:

Em um estudo, pessoas que rabiscavam enquanto escutavam uma palestra lembraram de 29% a mais do que as pessoas que não o fizeram. Alguns terapeutas suspeitam que nossos rabiscos podem ser úteis emocionalmente, formando pistas para os problemas que estamos lidando em nosso subconsciente. Pesquisas também descobriram que muitas pessoas em empregos de resolução de problemas rabiscam muito. Existe algo sobre essa atividade — que é simultaneamente criativa, uma maneira de liberar energia nervosa, e ao mesmo tempo bobo e atento — que ajuda a revigorar nosso combustível.

Como Sunni Brown, autora de The Doodle Revolution, escreveu

Existe um motivo legítimo do porquê rabiscos aparecem nos cadernos de nossos pensadores, cientistas, escritores e inovadores mais celebrados. E, surpresa, não tem nada a ver com eles fazendo nada. Existem muitas evidências que sugerem que o que realmente est[a acontecendo é que o rabiscador está se envolvendo em um processamento de informações profundo e necessário. Um rabiscador está conectando os caminhos neurológicos com caminhos que antes estavam desconectados. Um rabiscador está se concentrando intensamente, vasculhando informações, concientemente ou não e — muito mais do que a gente consegue perceber — gerando pensamentos massivos.

Eu não sei se rabiscar no computador oferece tantos benefícios para o cérebro quanto um rabisco num papel (provavelmente não?), mas eu acabei de pegar meu caderninho e puxar ele mais pra perto, tá aí algo que eu fiz muito na escola e simplesmente parei depois. Vai ser interessante voltar a fazer isso.

random.earth

random.earth

Ok, esse site tirou toda a minha produtividade hoje. O random.earth é uma curadoria aleatória de imagens bonitas da Terra feitas pelos satélites do Google Earth.

Ele funciona tipo o antiguíssimo StumbleUpon: você vota numa imagem que outra pessoa recomendou, e depois o site te oferece uma imagem para recomendar.

É o tipo de experimento que une coisas que me interessam, a aleatoriedade e a cartografia, em um só link. Adoro quando descubro coisas assim.

As melodias dos metrôs ao redor do mundo

Meu tipo favorito de link é aquele sobre um assunto tão específico que é interessante tanto pelo assunto em si quanto pela curiosidade que levou até ele.

Esse texto do New York Times é uma volta ao mundo maravilhosa: como são os tons de embarque/desembarque dos metrôs em diferentes cidades. A de Paris é bem comum, acho que porque a gente ouve ela em vários filmes que se passam na cidade, mas eu acho tanto a de Toronto quanto a do Rio um charme. São pontuações bonitas pro nosso dia-a-dia.

O bacana do artigo (além da direção de arte) é a história de alguns desses sons.

In Paris, a simple “A” note plays as the doors shut. This is also a throwback, a sound that mimics the vibrations of a mechanical part that is no longer in use on any of the system’s trains. “But for a half century Parisians and visitors alike became used to that sound, so we decided to keep it, and recorded a synthesized version,” said Song Phanekham, a communications manager for the Paris transit system. “It’s a tribute to the heritage of the Paris Metro.”

In Tokyo, each station has its own custom jingle to signal departures. In Rio de Janeiro, the subway’s door chime pays homage to bossa nova. In Vancouver, the doors still close to a three-note sound that was recorded in the 1980s on a Yamaha DX7. (“The hallmark of any mid-80s pop song,” said Ian Fisher, manager of operations planning at British Columbia Rapid Transit Company.)

O artigo, que acompanha a “coleção de sons” de Ted Green, me lembrou da linda banalidade do dia-a-dia, algo que eu sinto falta agora que eu passo dias inteiros dentro de casa. Essa passagem me pegou:

“I think the appeal is the simplicity,” Green said. “You wonder, how can there be so many different variations of beeps? And then you listen, and they’re all so different.”

Quando eu ia a pé para o trabalho, eu gostava de não usar fones de ouvido porque tem algo no som da cidade naquela hora da manhã que me atraía. Ainda dava para ouvir o som dos pássaros enquanto os ônibus chiavam na João Pessoa.

Se você quer cair em um vórtice sobre esse assunto específico, esse canal do YouTube possui vários vídeos (alguns gravados pelo próprio Ted Green) com bipes e sons de vários trens ao redor do mundo.

"Se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor"

Celso Rocha de Barros, na sua coluna pra Folha:

O primeiro lado bom [da adesão gradual de partidos de centro e de direita às manifestações] é que o pessoal parece ter entendido que, se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor. Não dá para esperar que a esquerda organize a manifestação e seja proibida de erguer sua bandeira.

A essa altura, já está claro que a turma do “meu partido é o Brasil” queria dizer que, para eles, o Brasil era só o partido deles. A direita democrática tem que ter partido, camisa, bandeira próprios, porque a bandeira do Brasil tem que ser de todo mundo. Aí os amigos de esquerda vão dizer: bom, com exceção dos caras do Acredito, esses “centristas” todos entraram na briga pelo impeachment só porque agora perceberam que é mais fácil tirar Bolsonaro do segundo turno de 2022 do que Lula.

É, né, companheiro? É por isso que a notícia saiu no caderno de política, onde, aliás, também sai esta coluna.

Nosso objetivo deve ser esse, alinhar o máximo de interesses possíveis contra o autoritarismo assassino de Bolsonaro. Se a turma liberal voltar a tentar vencer na política, nas alianças, disputando as ruas, sem impeachment mutreteiro ou apoio à extrema direita, maravilha. Que vença o melhor em 2022 e que o Jair volte a ser nanico.

Até porque não basta derrotar Bolsonaro, é preciso reorganizar uma democracia estável no Brasil. O democrata que vencer em 2022 tem que contar com uma oposição liderada por outros democratas.

Há algo que talvez ainda não tenha sido percebido por todos os militantes da esquerda brasileira. Em 2021, nós não somos o minúsculo PT de 1980, fazendo barulho enquanto o MDB conduz a transição. Se Lula suceder o desastre de Bolsonaro, terá que assumir papel parecido ao do PMDB nos anos 1980, Deus queira que com políticas econômicas melhores, mas com a mesma disposição de atrair aliados. Pode não ser o que a esquerda gostaria de fazer agora, mas ninguém escolhe sua tarefa histórica.

“Ninguém escolhe sua tarefa histórica”.

A história da web

Eu sou apaixonado por histórias daqueles dez, quinze primeiros anos da internet, quando comunidades se formavam ao redor do brilho dos monitores para desbravar tudo o que a internet poderia fazer. Essas comunidades eventualmente criaram as tecnologias fundadoras da web, e serviços que até hoje sustentam a mega-infraestrutura que existe para manter a internet o mais livre e independente possível.

Como The Soul of the New Machine e Halt and Catch Fire, a série de artigos Web History, de Jay Hoffmann, narra em um tom poético mas nada romântico como essa fundação da web aconteceu – das brigas internas dos times de pesquisadores da ARPANET à introdução de CMS como o WordPress e o Blogger, que democratizaram a criação de sites. Alguns capítulos, como o dedicado ao CSS, podem ser cheios de termos muito técnicos para quem não trabalha com esse tipo de coisa, mas vale muito conferir. É uma documentação histórica da internet, e eu gosto que ela existe de uma bonita assim.

Além dos textos, os capítulos são oferecidos em formato de áudio em um podcast, que é o meu jeito preferido de acompanhar. Eu posso ouvir enquanto desenvolvo as coisas do trabalho. É em inglês, mas o narrador Jeremy Keith usa uma voz bem calma e espaçada, se você está arranhando um pouco na língua acho que é uma boa pedida.

A minha nova dieta da internet

Em janeiro eu escrevi sobre como o recurso de lista de leitura me ajudou a navegar melhor pela internet nos últimos anos. Porém, há algumas semanas, a forma como eu navego pela internet mudou bastante de uma hora para a outra, e me fez pensar em como eu gosto de como eu navego hoje em dia.

Mês passado o Twitter comprou um serviço que eu utilizava todos os dias: o Nuzzel. O Nuzzel era um agregador de links das pessoas que você segue no Twitter. Ou seja: quando um amigo meu tuíta sobre um artigo, esse artigo aparece no Nuzzel com um “comentário” (o tuíte) do meu amigo. Quanto mais pessoas tuítavam sobre um mesmo link, mais destaque o link recebia no Nuzzel. Há um tempo já eu não acessava o Twitter em si, eu via aquilo que meus amigos comentavam no Twitter através do Nuzzel, que dá destaque ao conteúdo em si. Em sua eterna sabedoria, o Twitter desativou o Nuzzel assim que o comprou.

O Nuzzel era, junto com o Digg, uma ótima forma de descobrir coisas novas na internet. O Pão é basicamente o meu recorte daquilo que eu mais gosto nessas minhas descobertas — um artigo interessante, um vídeo bacana, uma galeria de fotos bonitas no Flickr, etc. O fim do Nuzzel me atrapalhou um bocado, porque ia ser mais difícil de ver o que estava chamando a atenção dos meus amigos, mas me incentivou a repensar em como navegar por aí para não ter que me fazer voltar a acessar o Twitter com maior frequência.


Eu me esforço muito para não depender de acessar o Twitter para descobrir coisas bacanas. Por exemplo: sites que possuem feeds, como Kottke e BLDGBLOG, ficam no meu leitor de RSS. Mas eu descobri que meu leitor também dá suporte à listas do Twitter, então eu criei algumas listas com autores que eu gosto (e que não possuem blogs ou coisas do gênero) e “assinei” a lista no meu leitor.

Minha dieta da internet hoje em dia consiste basicamente em feeds RSS, newsletter e podcasts. Quando links chegam pra mim, eles geralmente são compartilhados diretamente pelo Telegram ou WhatsApp. Eu acho bacana.

Mas uma dieta não é apenas o que, mas também quando e como. No caso, eu não passo o dia inteiro com leu leitor RSS aberto, nem fico de olho no meu email para ler minhas newsletters assim que elas chegam. E esse é um detalhe importante, que eu até comentei no guia de RSS: meu leitor RSS não pode parecer trabalhoso, e o que eu assino por lá importa muito.

Por isso meu leitor RSS não é a única forma que eu assino meus feeds. Eu divido eles em basicamente dois grupos, assinados em lugares diferentes:

  1. No meu leitor RSS eu recebo “descobertas”, coisas postadas em blogs e revistas que postam mais eventualmente. Eu acesso o meu leitor RSS antes do trabalho, no intervalo do almoço e no fim do expediente, e não gosto de ter um número muito alto de artigos não lidos, porque assim eu não vou acabar vendo nada. Vou só ignorar todos os itens e fechar o leitor. Com poucos posts, todos são interessantes.
  2. Feeds que postam mais frequentemente (geralmente sites de notícias), eu assino através do Livemarks, uma extensão para o Firefox que assina feeds RSS e os transforma em pastas de favoritos (ou live bookmarks) que ficam na minha barra de favoritos do navegador. Como meu navegador está sempre aberto no trabalho (eu trabalho com internet, afinal de contas!), sempre que sobra um tempinho eu dou uma olhada nas últimas notícias da Folha ou do Kotaku, por exemplo. Eu clico nas manchetes que me chamam atenção, e não preciso ficar “marcando como lido” todas as 300 notícias que eu não leio.

O bom dessa forma de navegar pela internet é que ela não é ditada pelo momento em que um link apareceu para mim, e sim o momento em que eu me liberei e posso conferir o link. É uma mudança sutil, mas importante: a gente para de se sentir “preso” à timeline e começa a tomar as rédeas de como acessamos a internet de volta. Eu defino quando e como eu vou acessar os links que meus amigos compartilham, ou que aparecem no meu leitor, que eu acesso quando tenho tempo o suficiente para prestar atenção. A falta de um algoritmo para criar falsos “prazos de validade” faz com que a ansiedade de perder um link acabe, então aquela checagem constante de Twitter, Facebook ou Instagram acaba.

Quando tem algo que eu quero prestar muita atenção, mas não vou ter tempo para ler naquele momento, eu salvo no Pocket, minha lista de leitura que já é integrado no Firefox. Nele eu posso destacar trechos e fazer anotações, e eu gosto de ler meus artigos no Pocket antes de dormir ou tomando meu café antes do expediente. A gente volta a gostar de acessar a internet quando a gente coloca ela à nosso serviço, e não o contrário. Como uma boa dieta, a gente se sente um pouco mais saudável e mais bem disposto também.

Como a montagem de Ted Lasso captura o espírito colaborativo da comédia

Na TV, comédia pode ser filmada de algumas maneiras. As duas mais comuns são os chamados setup de multiplas câmeras (multi-cam setup) e o setup de câmera única (single cam setup). Você provavelmente já viu séries que usam cada uma dessas abordagens, e provavelmente sabe dizer qual é qual instintivamente: as chamadas “sitcom” são geralmente gravadas com várias câmeras em frente à uma platéia. É o caso de Friends e The Big Bang Theory, por exemplo. Já comédias como Fleabag e Ted Lasso são gravadas com uma câmera só, de uma forma mais parecida com um filme.

Nesse texto para o AV Club, Saloni Gajjar comenta como a montagem de Ted Lasso traduz bem a sensação de colaboração do futebol, e das amizades, e como ele cria uma série tão boa de sentir com isso:

Look no further than the first meeting between Ted, Coach Beard, and kit-man Nathan (Nick Mohammed) in the pilot. When Ted and his fellow coach ask the latter for his name, he’s surprised; no one ever asks. Instead of immediately giving an answer, there’s a pause as the camera cuts back and forth between their faces, setting the comedic tone and letting Nathan’s confusion linger (and Mohammed’s performance shine). The joke continues when Ted and Coach Beard see Nathan again and remember his name, and the scene cuts to another look of happy surprise on the kit-man’s face. The Ted Lasso editors build on a similar momentum for every character and running gag. One of the show’s biggest secondary arcs is Roy and Keeley’s romance, and the editors prime us to root for them early on by focusing on their longing gazes, flirtatious parking lot conversations, and when Roy finally asks Keeley out in episode eight (“The Diamond Dogs”).

McCoy and Catoline’s intercuts from the field, to the coaches, to the viewers in the stands and those watching the game at home present the matches in an appealing way to fans as well as viewers not particularly interested in soccer. In the establishing shot of the premiere with the AFC Richmond team practicing on the field, the duo combines close-ups of legs and passes with slow-motion scenes and pans out to catch all the gameplay. These jump-cuts, especially in the finale, generate the necessary energy for high-stakes storytelling. This is true of non-game scenes as well. Two of the show’s most memorable moments—the team celebrating its win by going to a karaoke club in “Make Rebecca Great Again,” and Ted’s game of darts with Rebecca’s ex-husband, Rupert (Anthony Head), in “The Diamond Dogs”—speak to McCoy and Catoline’s remarkable ability to follow the script’s character developments and the actors’ work with their cuts.

Ai, ai. Ted Lasso é muito boa. A nova temporada estreia no mês que vem, e eu mal posso esperar.

As obras-primas do streaming

A Polygon está com uma série de artigos chamada The Masterpieces of Streaming, com foco nos filmes e séries lançados no Netflix e em outras plataformas de streaming desde o início da criação de conteúdo específico pra esse meio (os chamados “originals”). Tem a típica lista dos 50 filmes mais importantes dessa era, e as séries que melhor utilizam a plataforma para maratonar. Tem também sobre um outro tipo de conteúdo, os vídeo-ensaios no YouTube, que por algum motivo não lista nenhum vídeo da ContraPoints.

O que eu mais gostei são os artigos que analisam essa era de conteúdo, em especial esse em que o autor, Charles Bramesco, tenta identificar o porque as plataformas de streaming geram tão poucos clássicos como as locadoras (e os cinemas) conseguem:

Humanity has spent a little over one hundred years developing a relationship to “the movies” as both a sentimental notion and a real place, priming us for the emotionally revelatory highs of a life-changing screening. There’s a crucial feeling of ceremony absent from the process of clicking around on the couch, and a certain investment in buying a ticket rather than simply hitting play. For the deliberateness required, these transactions mean more; it’s even in the language, of “going to the movies” versus “seeing what’s on.” Netflix has poured a bit of its capital into eventizing its films along these lines, buying out the Paris Theater in Manhattan as a place for the tastemakers of New York to take in the service’s more dignified releases as they were meant to be seen.

“As they were meant to be seen” is not a figure of speech. There are visceral, physical reasons for the way we have traditionally seen art and absorbed its effects. The sheer scale of theatrical presentation makes for an immediate bigness that amplifies our response to the moving lights on the wall. The enveloping environment of darkness, the elimination of extraneous sounds, and the upright stillness in the chair lull a viewer into a state of what film theorists called “lower wakefulness,” under which movies can permeate deeper than when watched from a couch. The company of the crowd goes a long way as well, their reactions giving approval to ours and vice versa in feedback loops of fuller-throated laughter, fear, or in the case of Magic Mike XXL, joy. The forced isolation of the past year-plus has only underscored the critical importance of the social, communal dimension to viewership.

Mas meu artigo favorito de todos é esse ensaio sobre o poder, e a influência, do Vine nisso tudo. Esse sim foi o rei da internet enquanto durou.

Everything is Alive está de volta

Everything is Alive, o meu podcast favorito, está de volta para sua novíssima temporada entrevistando Adam, um banquinho de sentar.

Esse podcast é perfeito pra quem, assim como eu, assistiu Toy Story muito cedo e desenvolveu uma empatia perigosa por absolutamente tudo ao seu redor. Eu sento devagar no sofá pra não machucar ele, eu limpo a louça com cuidado para elas dormirem bem. Faz muito tempo que eu não acredito que as coisas ao nosso redor não têm uma vida própria e julgam o nosso dia-a-dia, mas resquícios desses pensamentos ainda vivem dentro de mim. E Everything is Alive ilustra isso com entrevistas com esses objetos. São conversas charmosas demais pra descrever, mas eu vou tentar: algumas são engraçadas, como a da jaqueta de couro e a calça jeans, que conversam sobre como seu dono não tem mais idade para vestí-las. Outras, como a do elevador, são de partir o coração.

A melhor dica que eu poderia dar a você nesse início de final de semana é essa. Escute Everything is Alive. Ele me ajudou a ver a beleza daquilo que nos cerca no dia-a-dia. Não tem presente melhor que esse.

Dois links nessa manhã de segunda

Dois links nessa manhã de segunda:

A história não contada de “Back at it again at Krispy Kreme” (nymag.com)

A história do melhor Vine de todos os tempos, com direito à uma investigação detetivesca de onde e porque ele aconteceu.

100 Visões da Maternidade (theluupe.com)

Um ensaio fotográfico curado pelo TheLuupe. São cem fotografias que mesmo assim sugerem que são poucas para conseguir capturar a experiência maternal pelo mundo.

Barry Jenkins: The Gaze

Enquanto filmava a monumental minissérie The Underground Railroad, o diretor Barry Jenkins também começou a trabalhar em The Gaze, um filme não-narrativo que parece existir naqueles momentos dos filmes do diretor em que os personagens extrapolam suas próprias histórias e olham o próprio espectador nos olhos.

In my years of doing interviews and roundtables and Q&A’s for the various films we’ve made, there is one question that recurs. No matter the length of the piece or the tone of the room, eventually, inevitably, I am asked about the white gaze. It wasn’t until a very particular interview regards The Underground Railroad that the blindspot inherent in that questioning became clear to me: never, in all my years of working or questioning, had I been set upon about the Black gaze; or the gaze distilled.

I don’t remember when we began making the piece you see here. Which is not and should not be considered an episode of The Underground Railroad. It exists apart from that, outside it. Early in production, there was a moment where I looked across the set and what I saw settled me: our background actors, in working with folks like Ms. Wendy and Mr. and Mrs. King – styled and dressed and made up by Caroline, by Lawrence and Donnie – I looked across the set and realized I was looking at my ancestors, a group of people whose images have been largely lost to the historical record. Without thinking, we paused production on the The Underground Railroad and instead harnessed our tools to capture portraits of… them.

What flows here is non-narrative. There is no story told. Throughout production, we halted our filming many times for moments like these. Moments where… standing in the spaces our ancestors stood, we had the feeling of seeing them, truly seeing them and thus, we sought to capture and share that seeing with you. The artist Kerry James Marshall has a series of paintings of ancestors for whom there is no visual record but for whom he has supplied a visual representation of their person. For me, most inspirationally, “Scipio Moorehead, Portrait of Himself, 1776.”

[…]

This is an act of seeing. Of seeing them. And maybe, in a soft-headed way, of opening a portal where THEY may see US, the benefactors of their efforts, of the lives they LIVED.

Nook: temas do Animal Crossing no Firefox e no Chrome

Se você já jogou Animal Crossing, você sabe que o jogo têm pequenos temas musicais para cada hora do dia. O das 9h é diferente do das 10h, que são diferentes do das 21h e das 22h. Alguns temas são mais “espaçosos”, outros são mais agitados, tudo depende do jogo e da hora do dia.

Esses temas são perfeitos pra quando eu estou jogando New Horizons, porque o jogo requer ao mesmo tempo um pouquinho de concentração e de criatividade. Por coincidência, o meu trabalho também requer um pouco de concentração e de criatividade ao mesmo tempo, então eu fiquei muito feliz quando encontrei o Nook, uma extensão para o Chrome e o Firefox que executa os pequenos loops musicais de vários Animal Crossing de acordo com a hora do dia.

Eu pessoalmente gosto de ouvir os temas de New Leaf de manhã, eles são mais melancólicos e bonitos. À tarde, geralmente o período mais movimentado do meu trabalho, eu gosto de ouvir as notas acústicas dos temas de New Horizons, que me acalmam. Eu acho um barato, porque a extensão tem algumas configurações muito úteis — eu posso diminuir o volume do tema sem precisar baixar o volume do resto do computador, então eu deixo ele baixinho durante as reuniões. Você também pode ativar a chuva (a música muda quando chove ou neva nos jogos). Você pode até mesmo ativar as músicas do K.K. Slider nas noites de sábado, pra quando você precisa fazer aquela hora extra.

Fotos restauradas das missões Apollo

Toby Ord passou longas tardes restaurando fotos tiradas durante as missões Apollo, é um trabalho muito lindo que ele documentou no seu projeto Earth Restored, com detalhes de como essas fotos foram tiradas e de como foi o processo de restauração delas.

Most recent Earth photography is from the International Space Station. It is a superb vantage point, with excellent equipment and skilled photographers. But its position in low Earth orbit is just too close to allow photographs of the entire planet. If the Earth were a schoolroom globe, 30 centimetres across, the ISS would be viewing the Earth from less than a centimetre away — far enough to see a curving horizon and the black of space, but not to see the whole Earth. In fact, being so close, it can see just 3% of the Earth’s surface at a time.

To take a portrait of our planet you need to step further back. For example, to geostationary orbit (about 90 times further away) or the Moon (about a thousand times further). From these distances, you can see nearly an entire half of the Earth’s surface at any one time, while remaining close enough for a sharp image.

[…]

To find truly great photographs of the Earth — portraits of our planet — we have to go back to the 1960s and 70s. The Apollo program, with its nine journeys to the Moon, is the only time humans have ever been beyond low Earth orbit; the only opportunity they have had to take photographs of the whole Earth. They did not waste it. With great foresight, NASA equipped the astronauts with some of the best cameras ever made — specially modified Hasselblads, with Zeiss lenses, and 70mm Kodak Ektachrome film. But with the custom modifications, these were not easy to use. The cameras had no viewfinders or range finders, just a simple sighting ring. Composition, focus, and exposure came down to a mix of intuition and guesswork.

As imagens da NASA estão em domínio público, e Ord permite o uso de suas restaurações para fins não comerciais. Para saber mais, dê uma olhada na página do projeto.

Video Works: uma jornada pela história dos jogos

Eu escuto poucos podcasts por vez, então nem sempre tenho o que ouvir durante o trabalho. As vezes eu começo a ouvir um podcast novo e posso ficar horas tirando o meu atraso ouvindo todos os episódios até ali. Mas isso é raro, e eu não consigo ouvir muita música enquanto tô trabalhando.

Foi então que eu decidi seguir uma recomendação feita (há muito tempo) por um amigo meu e assistir os vídeos de Jeremy Parish, um escritor especializado na história dos videogames. Chamado de Video Works, Parish acompanha a história moderna dos consoles (tudo o que veio depois do crash da Atari nos anos 80) de forma cronológica.

É um trabalho gigante, e muito divertido. Parish não fala só dos jogos ou dos consoles, mas oferece uma contextualização gigante ao redor dos seus lançamentos — como a crise energética dos EUA ofereceu uma oportunidade única para os videogames japoneses desembarcarem no ocidente, por exemplo.

Video Works é dividido em várias playlists, como NES Works e Game Boy Works. Se você tem um interesse em especial por algum console em específico pode ir numa playlist específica com tranquilidade, já que as séries são autossuficientes. Até mesmo os vídeos em si são divertidos. Eu dei uma chance pro projeto assistindo o vídeo sobre o Super Mario Bros. original, e é fantástico.

Uma ponte pra cada situação

Neremiah Mabry é um professor e um engenheiro de estruturas, e nesse vídeo para a revista Wired ele explica cada tipo diferente de ponte e qual situação ela é usada.

Me fez lembrar que eu tinha um medo incomum de pontes quando eu era criança. Quando meus pais me levavam para Porto Alegre e eu via a Ponte do Guaíba eu ficava muito nervoso. Hoje em dia tem uma ponte ainda maior ao lado dessa, mas eu não tenho medo.

Ted Chiang: Medos da tecnologia são medos do capitalismo

Ted Chiang, autor de Exhalation, o livro de contos de ficção-científica que eu estou lendo nesse exato momento, e do conto que deu origem ao filme A Chegada, em uma entrevista para o podcast de Ezra Klein (ênfases minhas):

I tend to think that most fears about A.I. are best understood as fears about capitalism. And I think that this is actually true of most fears of technology, too. Most of our fears or anxieties about technology are best understood as fears or anxiety about how capitalism will use technology against us. And technology and capitalism have been so closely intertwined that it’s hard to distinguish the two.

Let’s think about it this way. How much would we fear any technology, whether A.I. or some other technology, how much would you fear it if we lived in a world that was a lot like Denmark or if the entire world was run sort of on the principles of one of the Scandinavian countries? There’s universal health care. Everyone has child care, free college maybe. And maybe there’s some version of universal basic income there.

Now if the entire world operates according to — is run on those principles, how much do you worry about a new technology then? I think much, much less than we do now. Most of the things that we worry about under the mode of capitalism that the U.S practices, that is going to put people out of work, that is going to make people’s lives harder, because corporations will see it as a way to increase their profits and reduce their costs. It’s not intrinsic to that technology. It’s not that technology fundamentally is about putting people out of work.

It’s capitalism that wants to reduce costs and reduce costs by laying people off. It’s not that like all technology suddenly becomes benign in this world. But it’s like, in a world where we have really strong social safety nets, then you could maybe actually evaluate sort of the pros and cons of technology as a technology, as opposed to seeing it through how capitalism is going to use it against us. How are giant corporations going to use this to increase their profits at our expense?

And so, I feel like that is kind of the unexamined assumption in a lot of discussions about the inevitability of technological change and technologically-induced unemployment. Those are fundamentally about capitalism and the fact that we are sort of unable to question capitalism. We take it as an assumption that it will always exist and that we will never escape it. And that’s sort of the background radiation that we are all having to live with. But yeah, I’d like us to be able to separate an evaluation of the merits and drawbacks of technology from the framework of capitalism.

Via Kottke. Esse é um assunto que me fascina desde que eu li The Soul of the New Machine, de Tracy Kidder.

Essa é a Shameika

Fetch the Bolt Cutters é uma obra-prima intimista e crua, composta por histórias que Fiona Apple não só conta como sente, porque são momentos e sentimentos da vida dela que a marcaram, de homens abusivos e da irmandade que ela encontrou em mulheres ao seu redor. Uma dessas é Shameika, em que Apple lembra da conversa que uma colega sua teve com ela na quarta-série sobre não dar ouvido para o bullying que ela estava sofrendo.

Uma das coisas lindas que Shameika captura é a imensidão de um pequeno momento. Na música, Apple conta que Shameika esteve em sua vida por pouco tempo — elas só foram colegas de escola na quarta-série —, e nunca teve a oportunidade de dizer para ela como o que Shameika disse foi importante para sua vida.

As pessoas se perguntaram onde estaria Shameika agora, e pelo visto a Pitchfork encontrou. Em novembro, Jenn Pelly publicou sua entrevista com Shameika Stepney, a colega de escola de Fiona Apple:

It was late April, deep in quarantine, when Shameika first found out about Fiona’s song, but not by hearing it. (She was always only vaguely aware of her former schoolmate’s music career.) The news came, instead, via an out-of-the-blue handwritten card sent in the mail by her and Fiona’s adored third grade teacher, Linda Kunhardt.

Shameika remembers venturing to her mailbox one day for a bit of fresh air and finding the curious note. Her disbelief is still palpable as she recalls the contents of the card: “Shameika, I hope this letter is finding you safe during quarantine, I had to write you because I don’t know if you remember this girl Fiona McAfee. You told her not to listen to bullies, and that she had potential. I just wanted to say thank you. And I wanted to let you know that your prophetic words have been turned into a beloved song titled your name…

A entrevista toda é bacana, e uma prova de que Shameika realmente é a pessoa incrível que Fiona Apple lembrava ser, e contextualiza seu desaparecimento na vida de Apple — Shameika foi expulsa da escola um ano depois, quando bateu em uma garota branca que a insultou. Shameika, que também é uma compositora, mostrou a música que fez com o seu lado da história, Shameika Said:

Peanuts, 50 anos antes

Essa foi a tirinha de Peanuts em 29 de março de 1971:

Sally se arruma para a escola. Ao se sentar na classe, comenta “Aqui vamos nós de novo… Ainda procurando pelas respostas!”

Esse é o meu lema da semana (e do ano, etc.)

Via @Peanuts50YrsAgo.


Em outras notícias, me desculpem pela ausência de posts nas últimas semanas. Eu caí naquele pensamento de novo que existem observações do meu dia-a-dia que não valem um post, e acaba que quando eu paro pra pensar, quase nada vale um post. Eu tô tentando reverter essa ideia! Que essa semana seja um pouquinho melhor por aqui. Tomara que seja por aí também.

“Lore” é uma armadilha

Um dos melhores textos que eu li nas últimas semanas é “What we argue about when we argue about WandaVision”, da Emily VanDerWerff. Como os melhores textos da autora, ela pega uma série como contexto para destrinchar e analisar outros assuntos da cultura em geral. Seu último ponto é sobre como muito da recepção e discussão sobre os filmes e séries que assistimos hoje em dia se dá sobre sua trama: será que ela faz sentido no contexto maior do MCU? Será que um easter egg que apareceu no segundo episódio não significa outra coisa? O texto é fantástico, em especial essa última parte:

In a piece for Current Affairs, Aisling McCrea put something that lots of culture writers have been circling for years so succinctly, I actually am jealous. McCrea discusses culture via two terms used by the ancient Greeks: logos (stuff pertaining to the material world, which we can see and measure and quantify in some way) and mythos (stuff that is more elusive, which we mostly feel or contemplate). Around the piece’s midpoint, she writes:

This rejection of imagery, symbolism, or any higher meaning that cannot be reduced to the literal, has become especially pervasive in contemporary art criticism. This is not to say that there isn’t still great art criticism; it’s just that the internet has led to a much greater volume of all criticism, and much of it is dominated by a worldview that seems to reject metaphor, symbolism, mood and tone, or at least render them secondary to “plot.”

What McCrea touches on here is something I would imagine you’ve noticed if you consume a lot of pop culture writing. Though there are a ton of great critics out there working, by far the most popular articles and videos about culture are those that purport to “explain” to you what’s happening. At their best, these articles and videos reach beyond the cultural artifact at hand to talk about connections to other pop culture topics or dig into the long, complicated history of the characters whose adventures we so enjoy. At their worst, they more or less repeat the plot and tell you how to feel about it. (If you doubt me, watch any given YouTube video with “the ending, explained” in its title.)

But the problem is that when you boil down a piece of art to its most immediately obvious qualities — the plot and/or the lore underlying the story, for instance — you turn it into something tangible. You place boundaries on it that are designed to make it easier to consume so you can move on to the next pop culture artifact.

But art isn’t tangible. Even the worst, most cynical Marvel movie is full of things worth discussing for their more intangible qualities, like how particular visuals made you feel or the way the themes intersect with your life, or just the way a joke made you laugh really hard. There are a lot of superhero movies I strongly dislike, such as Batman v Superman, that are still worth dissecting as art rather than as commerce because they’re trying to say something and express some fundamental truth of the human condition.

Eu concordo com tudo o que VanDerWerff diz, e sua definição de logos e mythos é tão boa e simples que me revigora toda a vez que eu leio. Esses são termos que estudamos na faculdade de cinema (e que você provavelmente já se deparou se lê bastante sobre narrativas), e ela os usa aqui de uma maneira bem objetiva: por causa da natureza das histórias como WandaVision, nós somos impelidos a dissecar seu logos — sua história tangível, seus enigmas, sua representação daquilo que a gente sabe, como os personagens da Marvel — e deixamos o mythos — o intangível, o misterioso, o que é sentido, o que a gente sabe que existe, mas não sabe bem explicar o que é — para trás, ou até mesmo consideramos ele um problema de roteiro.

Eu acho que isso é um efeito cíclico. Como eu argumentei no meu post sobre WandaVision, a série é um misto de duas coisas que fazem muito sucesso no boca-a-boca da internet: o universo da Marvel e séries que usam o modelo da caixinha de surpresas que Lost aperfeiçoou. São filmes e séries feitos para serem decodificados, para suas referências serem compreendidas e assinalar o que vem pela frente nos próximos filmes e séries. Como eles fazem muito sucesso, mais gente se junta nessas discussões, que as tornam ainda mais onipresentes (você se lembra a loucura que era Lost? O Obama chegou a remarcar um discurso por causa da série).

Eu tenho a impressão que um dos efeitos colaterais desse tipo de discussão é uma canonização da mitologia dessas histórias. O MCU está passando por um ponto que Lost alcançou em sua quarta temporada, em que o sua própria história trabalha contra ele, limitando o que o público acha que pode acontecer, e limitando o que seus autores podem explorar. São histórias que dependem e presenteiam a dedicação de seus espectadores em relação aos detalhes e as referências, mas isso cria uma impressão de autoridade sobre seus fãs1, que cobram e reclamam toda a vez que essas histórias contradizem esse cânone, ou ignoram algum evento anterior.


Essa mitologia que existe dentro de uma ficção é chamada pelos fãs de “lore” (de “folclore”). Existem iniciativas para organizar e explorar o lore de franquias famosas, e é um trabalho realmente impressionante quando você confere a dedicação do trabalho em mapear O Senhor dos Anéis e Star Wars com tanta precisão.

Mas eu sinto que, conforme a voz dos fãs vai ficando mais alta, esse lore que antes servia mais para dar contexto à uma história acaba se transformando em uma armadilha para essas próprias histórias, como uma forca onde você mesmo dá a quantidade de corda.

E isso me faz pensar em como eu gosto quando algo tá nem aí pro lore, ou pro que você pensa que aconteceu. A terceira temporada de Twin Peaks faz isso com maestria, e a série seguinte do criador de Lost, The Leftovers, faz questão de criar uma história onde o que aconteceu é propositalmente incerto.

Mas acho que minhas abordagens favoritas para resolver a armadilha do lore vêm dos jogos de The Legend of Zelda e das tirinhas de Peanuts.

Zelda segue uma fórmula: todas as histórias dos jogos aconteceram, de uma forma ou de outra. A única coisa que é certa no lore dos jogos é de que Hyrule é um reino mantido sobre o balanço de três forças: coragem, poder e sabedoria, e quando esse balanço está instável, três figuras nascem para reestabelecer esse balanço: a princesa Zelda (sabedoria), o seu cavaleiro Link (coragem), e o monstro Ganon/Malice (poder).

Pronto. Nós sabemos porque a história básica de Zelda é sempre a mesma. É uma explicação direta que esconde uma limitação técnica na época que os primeiros jogos foram criados, mas que define a estrutura de todos os jogos até hoje. Zelda trata cada aparição de Zelda, Link e Ganon como eventos isolados com gerações e gerações de diferença. Quando um jogo referencia outro, ele o faz com a incerteza de uma lenda: alguns duvidam do que aconteceu, outros consideram isso uma verdade absoluta, etc.

Isso dá uma liberdade para os game designers de Zelda se desprenderem da história dura de sua franquia e se dedicar mais à jogabilidade, criando uma “lenda” que se adapta aos interesses do que o jogo quer explorar, e não o contrário. A própria linha do tempo “oficial” que eles oferecem para os fãs é revisada constantemente (e não faz muito sentido, o que eu acho que é exatamente o ponto).

Zelda usa esse aspecto de lenda em suas histórias justamente para enriquecê-las através das incertezas. O que acontece entre as centenas de anos que separam Ocarina of Time e The Wind Waker, por exemplo? O que a Hyrule de um ainda existe na de outro?

Peanuts faz um trabalho ainda mais surpreendente em sua simplicidade. Foi uma tirinha escrita por mais de cinquenta anos, e seu autor, Charles Schulz, conseguiu estabelecer uma identidade para seus personagens sem nunca limitá-los.

Existe algo específico da forma. Peanuts trata de um breve momento do dia-a-dia de Charlie Brown, Snoopy e seus amigos. isso não impedia que Schulz se aventurasse em narrativas maiores — alguns eventos na vida dessas crianças se desenrolavam um pouquinho todos os dias por semanas a fio.

Mas esses eventos nunca era jogado contra seus personagens. As coisas que acontecem em Peanuts nos informam sobre a personalidade de nossos personagens, e não de suas histórias. E é isso que tornou as tirinhas no marco que são: você não precisa ler todas para saber tudo o que acontece com a turma do Charlie Brown. Em poucas tiras você consegue identificar que o Minduim é um fracassado, a Lucy é irritada, o Linus é sabio, o Schroeder é esnobe, e o Snoopy é um sonhador. Se você lê continua lendo, você descobre algo mais bonito: com esses pequenos momentos quase irrelevantes no dia-a-dia deles, a gente descobre que esses traços não são tudo o que esses personagens são. Nós observamos como Linus trata os irmãos, como Charlie Brown se relaciona com o pai, e assim por diante.

Dessa forma — fazendo as tirinhas explorarem quem essas pessoas são, e não o que acontece com elas —, Schulz conseguiu tornar Peanuts no marco editorial que foi, porque se baseou em uma verdade da nossa existência: a gente nunca conhece alguém completamente. A gente sempre vai se surpreender com as pessoas que a gente conhece, e eu diria que a chance disso acontecer conforme a gente convive mais tempo com elas é ainda maior. Nós usamos os eventos do nosso dia-a-dia para conhecer as pessoas que nos acompanham nele. Os eventos acontecem, mas as pessoas ficam.

Eu acho que se nos prendemos demais à esses eventos, esse lore, nós acabamos caindo na armadilha de julgarmos demais o presente, a história que a gente estamos acompanhando. Entender o passado e como ele informa nosso presente é necessário para a nossa vida, mas se usarmos o passado para enxergar o presente — e não o contrário —, caímos na armadilha de ignorarmos o que está acontecendo em detrimento daquilo que já conhecemos, de supervalorizarmos aquilo que sabemos bem, e negarmos o desconhecido.

A gente pode acabar deixando de descobrir um ponto de vista novo, uma pessoa legal, um momento importante, ou uma nova faceta de alguém que a gente achava que não tinha mais como nos surpreender. E por que apreciaríamos a arte, se ela não olhasse para quem somos e onde estamos agora para nos ajudar a enxergar aquilo que, na nossa mera existência humana não conseguiríamos enxergar sozinhos?


  1. A gente tá passando por um momento em que os fãs andam com muita força em tomar decisões, e se isso é bom ou não (não é) é um tema para outro post. 

Como nossos hábitos alimentares mudaram na pandemia

Ontem de noite eu resolvi dar uma lida nos artigos da minha lista de leituras e me deparei com esse artigo do The Atlantic sobre as mudanças dos hábitos alimentares durante o isolamento social.

Tem vários detalhes bacanas nesse artigo. A autora, Amanda Mull, contextualiza a ideia das “três refeições”, que começou a existir junto com a industrialização e o fato de que as pessoas tinham que sair de casa para trabalhar — fazendo com que a janta fosse a principal refeição familiar, já que os pais estavam fora durante o dia; e como a mesma industrialização criou a ilusão da necessidade do café-da-manhã como uma refeição essencial.

Meu detalhe favorito, porém, é todo o motivo pelo qual Mull escreveu o artigo. Ela começa comentando como seus próprios hábitos alimentares mudaram na pandemia. Ao invés de almoçar e jantar, a autora diz que faz apenas uma grande refeição o dia todo — o que ela chama de Big Meal, o que eu chamo de pratão. Ela também busca por pessoas que desenvolveram outros hábitos alimentares estranhos: pessoas que pararam de fazer refeições em momentos específicos e começaram a comer pequenas porçòes durante o dia; ou uma pessoa que finalmente teve tempo suficiente no dia para fazer as três refeições, por exemplo. E essas mudanças não fazem mal. Mull lembra que o o nosso corpo se adapta às necessidades do nosso cotidiano, e a forma como ele requer comida é uma dessas adaptações.

New or worsening food compulsions, such as eating far more or far less than you used to, are cause for alarm. But what’s not cause for alarm, Larkey said, is adjusted eating patterns or mealtimes that are more useful or satisfying in the weird, stressful conditions people are now living in. “We’re really not taught that we can trust our body’s cues,” she told me. “It can feel so destabilizing to have to think about them for maybe the first time ever.”

In some of the new routines created to make the past year a little less onerous, it’s not hard to see how life after the pandemic might be made a little more flexible—more humane—for tasks as essential as cooking and eating. For now, though, go ahead and do whatever feels right. There’s no reason to keep choking down your morning Greek yogurt if you’re not hungry until lunch, or to force yourself to cook when you’re bone tired and would be just as happy with cheese and crackers.

Eu senti meus hábitos alimentares mudando logo que o isolamento social começou, em março do ano passado. Eu fui perdendo a vontade de comer de noite porque eu comecei a acordar cada vez mais cedo, e eu nem sempre sentia fome no horário do almoço. Minha fome aparece ali pelas 14h, 15h, e desaparece até o dia seguinte. Como meu horário de almoço é às 12h, eu costumo comer algo nesse horário para puxar o apetite, mas minha rotina ideal seria ter um horário de almoço no meio da tarde. Eu ainda “janto”, mas na ocasião específica de ser dia de jantar pizza. É uma exceção obrigatória. De resto? Um sanduíche ou um ovo mexido resolvem.

Escute a Wikipédia

O vídeo acima é uma gravação de tela do site Listen to Wikipedia, um desses experimentos web que eu amo descobrir do nada. O projeto registra a movimentação constante das edições do maior site colaborativo da internet, e cada adição, exclusão e novo usuário são indicados por notas e acordes diferentes de maneira instantânea.

Sinos indicam adições, e cordas indicam exclusões. A entonação muda de acordo com o tamanho da edição; quanto maior a edição, mais profunda será a nota. Círculos verdes mostram edições de usuários não registrados, e círculos roxos marcam edições realizadas por robôs. Você pode ver anúncios de novos usuários conforme eles criam uma conta no site pontuado por uma ondulação.

Eu tô com o site aberto há uns minutos já. Na verdade eu esqueci que ele estava aberto porque fui pegar um café e voltei pro computador e continuei lendo umas coisas no meu RSS, quando percebi que a “música” que eu tava ouvindo vinha desse site.

Dá pra selecionar várias Wikipédias ao mesmo tempo, silenciar certos tipos de atividade, etc. É uma pequena maravilha.

O Coração É um Eterno Penitente

Se você lê A Baguete, já sabe como eu rasguei de elogios o novo curta-metragem do meu amigo Leonardo Michelon e da Bruna Giuliatti. Esse é um dos três curtas que fazem parte do Desejos do Coração — eu falei da segunda parte no ano passado.

Eu podia voltar a rasgar os elogios que eu fiz antes, citar como eu amo a forma com que o Leonardo mistura referências que eu acho fantásticas — o cinema de recortes do Chris Marker e o filme-diário do Jonas Mekas, pra ficar só em dois exemplos. Mas eu acho que isso só distancia as pessoas de um trabalho que é essencialmente íntimo sensível.

Eu já comentei como a visão do Leo consegue traduzir um quê de melancolia e de fantástico na existência às margens da cidade que a vida nas cidades do interior nos oferece, mas com O Coração É Um Eterno Penitente eu acho que fica ainda mais claro como esse projeto dos três curtas busca algo muito mais interno e pessoal. A fórmula é a mesma do curta anterior: a imagem ilustra a narração não-falada, um monólogo que pode muito bem ser interno de um desses personagens, ou uma consciência lembrando de uma memória. Como O Coração É um Inadimplente Sem Esperança, o fato de não ouvirmos esse monólogo torna o jogo muito mais pessoal, muito mais interno.

Eu tenho uma sorte tremenda de ser amigo de tanta gente talentosa. O mais bacana, quando eu testemunho a arte desses meus amigos, é conseguir perceber o olhar pessoal dos meus amigos sobre aquilo que fazem. É por isso que eu acho limitador ficar falando das influências estéticas que eu enxergo os diretores trazerem para esse curta, porque ele não é a soma delas: ele usa um pouco, mas as une em uma visão única. Eu tenho a sorte de ser amigo do Leo e de ler os livros que ele me recomenda, e de perceber como eles podem ajudar ele a nortear os filmes que ele faz. Mas eu acho muito mais bonito ver como é a visão dele sobre esse tom e esse ritmo que eu gosto tanto, porque isso é muito mais especial.

Eu conheço muitas das figuras que aparecem em cena em O Coração É Um Eterno Penitente, e sinto saudade de noites como aquela que o Leo e a Bruna registraram. Mas é o que ele criou com essas imagens e com esse texto que é realmente único: um breve mergulho nas memórias de alguém e na intensidade de seus sentimentos. É um momento criado para capturar um sentimento de verdade.

Jogos para terminar em uma jogatina

O Fabrício Aguiar, autor do blog 16 Bits da Depressão, fez uma lista com dez jogos para se jogar em uma jogatina. A lista inclui jogos bem narrativos, como What Remains of Edith Finch, e metroidvanias como Gato Roboto.

As experiências mais intensas e memoráveis que tive com videogames foram de jogos que terminei em uma ou duas sentadas na poltrona. Possivelmente, você já tem alguns exemplos em mente.

Aqui, trago alguns exemplos: jogos curtos e intensos para você sentar na poltrona e se divertir terminando-os em poucas horas!

Um dos jogos dessa lista é Portal, e esse foi o primeiro jogo que me veio em mente quando eu li o título do post do Fabrício. Eu lembro até hoje de comprar o The Orange Box porque eu queria muito jogar Half-Life 2, mas no fim das contas eu passei uma tarde inteira jogando Portal, um jogo de puzzle que dura apenas algumas horas, mas que me marcou muito porque seus níveis são muitíssimo criativos, e a GLaDOS é uma excelente personagem. Hoje em dia ele já é um clássico, mas foi demais entrar de cabeça nesse jogo sem ter ideia do que podia ser.

Essa lista me fez sentir falta de duas coisas: de ter mais tempo para conseguir terminar jogos em uma sessão; e de jogos que podem ser terminados em uma sessão. A maioria dos jogos que eu experimentei ultimamente são gigantes. Alguns são magníficos e eu não tiraria um segundo sequer da experiência, mas eu sinto falta de descobrir um jogo como Portal que pega uma ideia simples, experimenta ela em um punhado de cenários variados, mas que consegue criar essa experiência em duas, três horas.

Devem ter muitos jogos assim por aí. Eu mesmo joguei vários, mas eles costumam ser mais jogos narrativos como Firewatch e Gone Home ou Kentucky Route Zero. Jogos são experiências que são muito questionadas pelos seus consumidores — eles são caros, e as pessoas demandam um mínimo de conteúdo “aceitável” pelo preço. Mas esse mínimo anda tão grande hoje em dia… jogos de mundo aberto são tão comuns que eles deixaram de ser um “evento”. Qualquer jogo pode ser maior do que GTA 5 agora, mas será que todos precisam ser?

Enfim, a lista do Fabrício me deu umas boas dicas do que jogar pra coçar essa minha vontade de jogar uns jogos que eu finalmente vou poder terminar. Minha lista dos que eu comecei mas que nunca vou terminar já está grande demais.

As rotinas de Ursula K. Le Guin e David Lynch

Hoje eu começo meu novo trabalho, com uma carga horária diferente da que eu tive nos últimos três anos. Eu tive uns dias de folga entre o meu último trabalho e esse, e usei eles para tentar estabelecer uma nova rotina. Isso porque meus projetos, como escrever aqui no Pão ou estudar francês ou outras coisas que eu estou estudando, requerem um tempo do meu dia-a-dia, e eu tento ter um pouco de tempo pra tudo.

E eu me dou muito bem com rotinas. Eu preciso de uma para liberar minha mente para fazer outras coisas. Se eu estou seguindo minha rotina, eu sei que eu vou ter um pouco mais de espaço mental para escrever um post pro Pão, por exemplo, porque eu não preciso me preocupar com outras coisas naquele momento — elas têm um tempo para me ocupar também, então fica tudo bacana.

Eu aprendi isso lendo sobre o processo artístico de alguns dos meus artistas favoritos. A autora Ursula K. Le Guin, que escreveu alguns dos melhores livros que eu já li, era famosa por ter uma rotina. Le Guin, além de escritora, era mãe, editora e professora de universidade. O dia dela começava às 5h30 da manhã, por exemplo, e ela escrevia das 7h15 às 12h:

A lista de tarefas de Ursula K. Le Guin

David Lynch também é famoso por manter uma rotina bem específica: ele acorda cedo para meditar e fumar um cigarro, mas por sete anos ele ia no Bob’s às 14h30 para comer a mesma coisa. Ele comenta mais sobre como a rotina ajuda a criatividade dele no vídeo abaixo:

Nesse post sobre a rotina de Le Guin, o Open Culture usa uma citação de Gustave Flaubert para explicar o ímpeto de criar uma rotina organizada: “seja normal e organizado em sua vida, para que você possa ser violento e original em sua escrita” (Flaubert é o autor de Madame Bovary).

Rotinas são muito úteis para mim. Elas me ajudam a me sentir confortável o suficiente para usar mais a minha cabeça (eu demoro muito para escrever porque requer muito esforço para mim). Mas rotinas também são bem pessoais. Eu não consigo me ver acordando 5h30 como Le Guin, por exemplo. Se você quer encontrar um tempo ou força para continuar o seu projeto, eu recomendo tentar estabelecer uma rotina. Não esqueça de deixar um tempo para não fazer nada — descansar é muito importante —, e respeite seus limites.

Se eu não postar nada nos próximos dias, não se preocupem! Significa que eu vou ter que mudar a minha rotina um pouco mais, o que é normal também. Ela vai se ajeitando com o tempo.

Hubble observa a Galáxia Olho Negro

Galáxia Olho Negro, com seu anel de poeira escura cobrindo o núcleo

O Hubble tá sempre trabalhando e registrando as maravilhas ao nosso redor. Na última sexta, o perfil da NASA Goddard no Flickr postou uma imagem que o telescópio capturou da Galáxia Olho Negro (NGC 4826 pros fãs). Segundo a NASA, essa galáxia é bem movimentada (fonte):

NGC 4826 is known by astronomers for its strange internal motion. The gas in the outer regions of this galaxy and the gas in its inner regions are rotating in opposite directions, which might be related to a recent merger. New stars are forming in the region where the counter-rotating gases collide.

A Galáxia Olho Negro foi vista pela primeira vez em 1779 por Edward Pigott.

Eu recomendo muito que vocês sigam a NASA Goddard no Flickr ou por RSS, é um dos meus feeds favoritos com imagens quase que diárias dessas maravilhas celestiais à nossa volta.

Alguém criou um exercito de corvos (e eles salvaram uma vida)

Das coisas boas demais pra ser verdade: uma pessoa começou a dar comida para os corvos da vizinhança, e eles se tornaram “leais” à ela. O número de corvos cresceu e eles começaram a defender a casa da pessoa de “intrusos” (suas visitas). A história é genial:

A couple months ago, i was watching a nature program on our local station about crows. The program mentioned that if you feed and befriend them, crows will bring you small gifts. My emo phase came back full force and i figured that i was furloughed and had lots of time- so why not make some crow friends.

My plan worked a little too well and the resident 5 crows in my neighborhood have turned into an army 15 strong. At first my neighbors didnt mind and enjoyed it. They’re mostly elderly and most were in a bird watching club anyway. They thought the fact that i had crows following me around whenever i go outside was funny.

Lately, the crows have started defending me. My neighbor came over for a socially distanced chat (me on my porch her in my yard) and the crows started dive bombing her. They would not stop until she left my yard.

/u/crane contou essa história em um subreddit especializado em “aconselhamento jurídico”, questionando se ela seria responsabilizada caso os corvos atacassem alguém. O tópico é divertido por si só, e o conselho escolhido foi sobre como ensinar os corvos a se comportar:

They are resource guarding. To stop them from attacking people, ask guests to bring shiny objects or food scraps to the murder of crows as an offering. You could also supply your guests little baggies of treats for them to offer up. If they dive bomb someone don’t give them food for 24 hours. If they are nice to a guest, give them a high value treat to reinforce positive behavior. Advice from my partner, she was a field biologist that is published in biology/ornithology.

O tópico fez tanto sucesso que /u/crane postou uma atualização sobre como os corvos acabaram salvando a vida de um de seus vizinhos:

The plan worked and the crows are now a beloved part of the community. There have been no recent dive bombings.

Most amazingly, the crows may have legitimately saved my neighbor. Our city had a pretty big ice and snow event recently. Like i said in my last post, most of my neighbors are older. One of my neighbors was walking down his steep driveway, slipped, and couldnt get back up.

The crows started going ballistic and were making more noise than we have ever heard. A different neighbor went outside to see what was up and found the gentleman in his driveway. Neighbor is mostly ok! Just some serious bruises.

De vez em quando a internet consegue ser boa demais.

Eu me apaixonei por colunas de conselhos

Eu acabei abraçando vários costumes nesse último ano de pandemia e isolamento social. Algumas, como a pizza de sexta-feira, eu mantenho até hoje. Outras, com ler depois do almoço, acabaram alguns meses depois de eu ter começado. Eu acho eles bons definidores do tempo que tá passando durante a pandemia: eu lembro da “época em que eu via filmes nas terças-feiras”, algo que aconteceu entre abril e maio de 2020. Parece muito tempo, mas foi ano passado.

O mais novo costume que eu abracei nesses últimos meses foi ler colunas de conselhos. Eu nem sabia que isso tinha conseguido sobreviver na internet. Eu lembro que colunas de conselhos existiam em revistas de saúde e estilo de vida (geralmente mais voltados ao público feminino), e nunca dei muita bola antes porque eu era jovem e ninguém tem problemas maiores do que um jovem de 11 anos, etc.

Mas colunas de conselhos são muito boas de se ler. Elas têm basicamente duas partes: a primeira é descrição do problema que a pessoa enviou para o colunista, escrita por quem eu imagino que já tenha bastante experiência lendo essas colunas e sabe que é preciso oferecer os detalhes certos para seu correspondente conseguir aconselhar com sucesso, além de um pouquinho de desespero, o que ajuda a deixar o problema mais profundo; a segunda é o conselho em si, em que uma pessoa muito mais mentalmente saudável do que eu responde a coisa certa, dando dicas de como desfazer o emaranhado causado pelo problema.

Tem algo a mais também: eu tenho a impressão de que histórias acontecem com as pessoas que as contam, e em um último ano em que eu tinha a impressão de que nada estava acontecendo comigo, eu comecei a perceber como os pequenos e os grandes problemas do nosso dia-a-dia também são histórias que podem ser boas para serem contadas, já que eu não tenho mais uma viagem ou algo que aconteceu no fim de semana pra contar para os meus amigos. Teve um momento ali pelo meio do ano em que eu achava realmente difícil de enviar um “oi, tudo bem?” para as pessoas que eu me importo, porque eu sentia que nem eu e nem elas tínhamos o que responder.

Acho que essas colunas de conselhos me ajudaram muito nisso. Primeiro eu comecei a usar algum pequeno problema do meu dia-a-dia (geralmente um que tem um final engraçado) pra puxar assunto com meus amigos e não deixá-los se sentindo muito sozinhos. Eu geralmente recebia uma anedota sobre um outro problema como resposta, e assim a gente vai se ajudando. Eu vou deixar o meu “tudo bem?” para quando eu puder ver meus amigos e abraçá-los enquanto eles respondem porque, se não estiver, pelo menos eu vou estar ali pra ajudar.

Colunas de conselhos são tão grandes na internet que existem subreddits só disso, portais que fazem um apanhado dos melhores conselhos da semana, e colunas de colunas de conselhos. Se você quer dar uma chance, minhas duas colunas favoritas são Ask the Fuck-up, da Jezebel (que inclusive foi um dos meus links favoritos do ano passado) e Dear Prudence, do Slate. As duas têm ótimos problemas e ótimas respostas, e as duas autoras não poupam tempo nem tamanho na hora de explicar sua linha de raciocínio. Um dia eu quero ter a saúde mental delas.

Tijolos de restos plásticos são mais fortes que os de concreto

Eu tava precisando de uma boa notícia essa semana, e olha só essa: uma jovem chamada Nzambi Matee começou uma empresa que fabrica pavimentos feitos com restos plásticos que são mais fortes, duráveis e baratos do que os feitos com concreto. Ainda por cima, ajudam a reduzir um tipo perigoso de poluição que permanece muito tempo no planeta. Pelos seus esforços, Matee foi honrada pela ONU:

Each day, the business churns out 1,500 plastic pavers, which are prized by schools and homeowners because they are both durable and affordable. Gjenge Makers is also giving a second life to plastic bottles and other containers which would otherwise end up in landfills or, worse, on Nairobi’s streets.

“It is absurd that we still have this problem of providing decent shelter – a basic human need,” said Matee. “Plastic is a material that is misused and misunderstood. The potential is enormous, but its after life can be disastrous.” […]

“We must rethink how we manufacture industrial products and deal with them at the end of their useful life,” said Soraya Smaoun, who specializes in industrial production techniques with UNEP. “Nzambi Matee’s innovation in the construction sector highlights the economic and environmental opportunities when we move from a linear economy, where products, once used, are discarded, to a circular one, where products and materials continue in the system for as long as possible.”

Via Colossal, que tem imagens lindas de como Matee e sua equipe pavimentaram os arredores de uma escola.

As fotos que compõem os quadros de Norman Rockwell

Por muitos anos, as obras do pintor Norman Rockwell foram desmerecidas por serem consideradas clichês. Suas pinturas eram retratos do cotidiano, mas seu uso de cores fortes e expressões faciais bem demarcadas são facilmente consideradas como sentimentalistas, que costumavam estampar capas de revistas ou anúncios.

Esse estilo e seus sujeitos — geralmente momentos mundanos, como um garoto levando uma injeção ou uma criança espiando outros passageiros pelos bancos do trem — que fazem a obra de Rockwell ser onipresente. Como outro pintor da época, Edward Hopper, Rockwell se interessava muito mais por representar o dia-a-dia americano. Mas os interesses dos artistas estavam em lugares diferentes, segundo o OpenCulture:

But while Hopper gave artistic form to the country’s alienation, Rockwell — whom history hasn’t remembered as a particularly happy man — created an “American sanctuary others wished to share.” And though neither Hopper nor Rockwell’s America may ever have existed, they were crafted from the pieces of American life the artists found everywhere around them.

Com o passar dos anos, o legado de Rockwell, de clichê e sentimentalismo, foi mudando justamente por sua maestria técnica em compôr cenas perfeitas demais. Rockwell usava das cores e das expressões faciais grandiloqüentes para ressaltar o seu idealismo, e apontar exatamente o que é real e o que não é em sua obra. É mais fácil de observar isso quando a gente observa as fotos que ele encenava com seus vizinhos e amigos como referências para o que ele iria pintar:

Comparativo entre as pinturas e as fotos de referência de Norman Rockwell Foto de homens tocando instrumentos musicais em uma pequena salinha à noite Pintura de homens tocando instrumentos musicais em uma pequena salinha à noite Foto de uma criança espiando um homem a alguns assentos de distância no trem Pintura de uma criança espiando um casal apaixonado a alguns assentos de distância no trem

A NPR publicou um artigo (e um programa de rádio) sobre esse processo do artista, e o Google Arts & Culture têm uma análise ilustrada de como Rockwell usou essa técnica de encenação para criar algumas das obras mais marcantes da luta contra a segregação racial nos EUA dos anos 1960.

Aparentemente descobriram uma nova tonalidade de azul

Farelos da nova tonalidade de azul, YInMn

Eu sempre achei que se tinha uma coisa que a gente já tinha total conhecimento, eram as cores. Nunca imaginei que (1) seres humanos conseguem criar tonalidades de cor; e (2) exista alguma cor que a gente ainda não tenha visto. Mas descobri que essas minhas duas certezas não faziam sentido quando eu li esse artigo sobre a primeira nova tonalidade de azul em dois séculos, YInMn.

O artigo é ótimo se você, como eu, não tem ideia de como tonalidades são criadas, nomeadas, patenteadas e licenciadas para uso (e como esses usos são categorizados de maneiras bem específicas). Sempre achei que cores fossem algo que a gente não tem domínio sobre porque é um aspecto intrinsicamente natural, já que quase tudo tem cor, mas olha como esse é um processo muito artificial:

Like all good discoveries, the new pigment was identified by coincidence. A team of chemists at Oregon State University (OSU), led by Mas Subramanian, was experimenting with rare earth elements while developing materials for use in electronics in 2009 when the pigment was accidentally created.

Andrew Smith, a graduate student at the time, mixed Yttrium, Indium, Manganese, and Oxygen at about 2000 °F. What emerged from the furnace was a never-before-seen brilliant blue compound. Subramanian understood immediately that his team stumbled on a major discovery.

“People have been looking for a good, durable blue color for a couple of centuries,” the researcher told NPR in 2016.

Não é todo o dia que meu mundo vira de ponta cabeça com um detalhe novo sobre como ele funciona. Hoje foi um desses dias.

A história da Wikipédia através dos relatos de seus fundadores

A Wikipédia fez vinte anos na última sexta-feira, dia 15. Eu considero ela o site mais importante da internet. É o site que melhor define a promessa do que a internet pode ser — um espaço de informação livre e colaborativa, onde pontos de vista se somam ao invés de se isolar. É gratuita, é distribuída, e se um dia sair do ar, o buraco que ele vai deixar na sociedade é gigante demais. A Wikipédia conseguiu ser inestimável para nós em tão pouco tempo que é difícil de pensar numa internet em que ela geralmente não é o segundo resultado em qualquer pesquisa no Google.

Para celebrar esse aniversário, o OneZero publicou uma história oral da Wikipédia com seus fundadores e contribuidores mais relevantes. É uma leitura fascinante:

Now 20 years later — Wikipedia’s birthday is this Friday — nearly 300,000 editors (or “Wikipedians”) now volunteer their time to write, edit, block, squabble over, and scrub every corner of the sprawling encyclopedia. They call it “the project,” and they are dedicated to what they call its five pillars: Wikipedia is an encyclopedia; Wikipedia is written from a neutral point of view; Wikipedia is free content that anyone can use, edit, and distribute; Wikipedia’s editors should treat each other with respect and civility; and Wikipedia has no firm rules.

[…]

It is not perfect. There is trolling. There are vandals. There is bullying of “newbies” by editors. And there are imposters who edit not for the greater good but to serve the greed, vanity, or ambition of self-interested (sometimes paying) parties. And, yes, there are many, many weak and thinly sourced articles (only about 40,000 out of the site’s 6 million entries meet the higher standard of being “good articles”). There is also a gender imbalance within the domain of Wikipedia — in English Wikipedia, more than 80% of editors are men and just 18% of biographies are about women.

Regardless, Wikipedia is now a cornerstone of life online. How many wives did King Henry VIII have? Where does the word “fuck” come from? Why did people wear bearskin shoes? Wikipedia has all the answers.

Artista cria peças de exposição enviando-as sem proteção pelo correio

O artista Walead Beshty constrói peças feitas de vidro e as envia por FedEx para galerias e museus desde 2007. Ele as envia sem proteção, então quando as peças chegam elas estão danificadas, criando padrões de rachaduras nas superfícies:

Peça de vidro rachado de Walead Beshty sobre uma caixa de encomendas da FedEx Peça de vidro rachado empilgadas de Walead Beshty sobre caixas de encomendas da FedEx Peça de vidro rachado de Walead Beshty ao lado de uma caixa de encomendas da FedEx

Toda a vez que essas peças mudam de expositor, o artista as envia novamente por FedEx, sem proteção — então uma mesma peça nunca é a mesma entre exposições. Segundo uma entrevista do artista, sua intenção não é a de usar o “readymade” popularizado por Michel Duchamp com sua fonte, e sim de criar peças artísticas usando um sistema adotado por uma corporação gigante:

[…] Os objetos não são tratados de maneira diferente de outros pacotes da FedEx, eu simplesmente uso o sistema da FedEx para registrar como o objeto foi manipulado em termos estéticos. O resultado é um objeto que está mudando constantemente. Todas as vezes que o objeto é enviado, ele passa por uma transformação material.

No site do estúdio de Beshty têm mais informações (e peças) dessa e de outras coleções.

Via Kottke

O problema de Lane Kim em Gilmore Girls

Emily VanDerWerff é uma das minhas escritoras favoritas. Ela escreve sobre TV, sua história e suas dinâmicas, como ninguém, e o melhor, ela te faz entender o que funciona e o que não funciona em uma série de TV. Como as melhores críticas e ensaístas, VanDerWerff põe em palavras aquilo que a gente sente quando assiste algo.

No volume dessa semana da sua newsletter Episodes, VanDerWerff finalmente fala sobre o momento que, pra mim, é o mais importante em Gilmore Girls: quando a relação de Lane com sua mãe finalmente explode, e como Gilmore Girls não consegue tratar esse momento com o cuidado que ele merece:

Truth be told, I don’t think I could have told you what I hated about this storyline until my friend, Cassie, watched the entirety of the series over the past few months. Cassie’s viewing of the series immediately clarified for me what bugged me so much about this storyline: Once — just once — I wanted the show to take Lane’s desperation to live a life free from her mother’s influence as seriously as Lane did.

If the series were going to have a moment when it took Lane’s life seriously, it would have been somewhere in this season four storyline. That season is perhaps the show’s best, as it slowly but surely brings lots and lots of chickens home to roost, one of those being Lane’s long hidden secret life. Gilmore Girls excels at telling serialized stories where lightly comedic kookiness covers up something far bleaker, then at switching itself up tonally, so the bleakness breaks out and oozes over the comedy. Season four is the series’ best at this sort of tonal whiplash, particularly in its second half.

And for at least a little bit, Gilmore Girls takes Lane seriously in this storyline. The scene where Mrs. Kim kicks her daughter out of her house is a heartbreaking one, and the moment when Lane shows up at Rory’s door is, too. It feels like something the series has been building to for years and years — Rory and Lane, trying to shake off the influence of their mothers and making their way in the world.

Lane é a minha personagem favorita de Gilmore Girls, junto com Emily, porque as duas são as personagens mais bem exploradas até certo ponto, quando a série decide que se continuar cavando as dores e as frustrações delas, pode acabar respingando no carisma de suas personagens principais. Simpatizar muito com Emily pode tirar a coragem de Lorelai de viver fora das garras da mãe; observar como Lane tenta sair do relacionamento abusivo com sua mãe mas vê que Rory já está muito distante da sua realidade daria muito mais peso às dinâmicas de classe da série, algo que GG sempre preferiu tratar com muito mais sutileza e nuance.

Mas, como VanDerWerff escreveu na newsletter, Lane deixa de ser uma Lorelai 2.0 e se transforma em alívio cômico, e é a falta de seriedade com que a série (!) trata Lane a partir da quarta temporada que machuca bastante. Gilmore Girls sempre foi excelente em observar como relações íntimas, como as familiares e as amizades, podem ser abaladas para sempre mesmo que continuem existindo de alguma forma. Porém, Lane e a Sra. Kim não desenvolvem uma relação repleta de cicatrizes como a de Emily e de Lorelai — assim que sua mãe a visita em sua nova casa, as duas voltam à mesma dinâmica de antes (o que piora ainda mais na sétima temporada).

Enfim… Gilmore Girls? A melhor série já feita, tão boa que quando falha, falha por excesso de carinho.

Rachel Handler investiga o misterioso caso da escassez de bucatini

Rachel Handler é uma das jornalistas que eu mais gosto de acompanhar o trabalho. Ela escrevia para o The Dissolve, um site sobre filmes que eu amava muito, e sua escrita tinha um tom próprio muito forte: era bem humorado ao mesmo tempo que direto. Ela escrevia sobre qualquer coisa de forma clara, mas conseguia colocar tangentes nos assuntos com observações incisivas e hilárias. Ela tinha uma coluna no The Dissolve chamada “Female Stuff” que eu revisito até hoje.

Enfim, Handler tem escrito para a Vulture/New York Magazine pelos últimos anos, e seu trabalho continua incrível. Mas o texto que ela publicou há algumas semanas é simplesmente a melhor coisa que eu li em meses, uma investigação sobre o desaparecimento misterioso de bucatini, um tipo muito específico/chique de macarrão (aquela espécie de espaguete grossa e longa, com um furo no meio para o molho entrar e explodir na boca quando mastigados) durante a pandemia nos EUA.

“What the Hole is Going On?” começa com ela e seus amigos desesperados buscando esse macarrão por Nova York no meio da pandemia, e acaba se desenrolando de maneira surpreendentes — um pouco disso pelos nomes italianos das pessoas que ela cruza na busca por respostas, o que faz tudo parecer um episódio muito bem humorado de Família Soprano.

Curte só um trechinho, mas eu recomendo ler tudo:

“Rachel!” he roared. “I’ve touched closely to the reason. Because of the environment, people have been using bucatini as straws, instead of a plastic straw.”

“I’m sorry, what?” I asked.

“Yes. You can buy them. There are a couple of companies making them. You can have your soda and then eat your straw,” he said. “It’s like eating your fork or knife.” My mind reeled as it tried to understand and accept this information as true. “But pasta is not a ready-to-eat product,” Rosario added. “You have to cook it. So when you use pasta to drink sodas, you’re drinking and eating a not-ready-to-eat product. You put yourself at risk because that product has never been pasteurized or killed. And the only pasta cut affected is bucatini because of the hole.”

This made both perfect sense and absolutely no fucking sense at all, the sort of demented-timeline event that could only happen in 2020, when everything is, metaphorically, an innocent piece of pasta turned into a straw in a bid to help the environment that actually ends up being fatally dangerous. I confessed to Rosario that every time I made bucatini, I ate several raw strands per minute as I cooked it, as a sort of barometer of al dente–ness. I wondered if I was now going to die because of it, and I made peace with this instantly.

A evolução dos personagens de Super Mario

Mario Bros. é uma das franquias mais famosas e importantes dos jogos, e tá fazendo trinta e cinco anos. Para comemorar, a Nintendo relançou no fim do ano passado os excelentes 64, Sunshine e Galaxy na coletânea Super Mario 3D All-Stars, e vai relançar o (também excelente) Super Mario 3D World, até então exclusivo do Wii U, no Switch em março.

Eu amo essa franquia. Junto com The Sims, os jogos do Mario são os que eu mais joguei antes de Breath of the Wild chegar na minha vida. E na vida de muita gente também, e pra comemorar o aniversário dos jogos o Kotaku tá fazendo uma série de artigos sobre a evolução dos personagens. Dois textos já foram publicados, um sobre o legado da princesa Peach e outro sobre a evolução e o charme do Bowser.

São textos bem bons que observam como os personagens vão se adaptando aos jogos conforme a tecnologia dos consoles da Nintendo foi evoluindo nas últimas décadas, mas também como eles foram tomando um legado próprio ao lado do próprio Mario.

No texto sobre a Peach, Mike Shoars escreve sobre como a relação do jogo com a outra princesa de Super Mario Galaxy é fundamentalmente diferente:

Mario helps Rosalina, but he never rescues her. In the game’s climax, Rosalina and her Lumas undo the damage of Bowser’s newly-formed sun collapsing in on itself and destroying the universe. In her farewell to Mario, she grows to near-Bowser size, speaks about the birth of new stars, before saving all of creation. She is the closest thing we ever see in the main Mario games (don’t @ me, Paper Mario fans) to God.

E como Bowser evoluiu de um simples vilão de videogame para um vilão de videogame que se preocupa em ser um bom pai:

Both versions, interestingly enough, have embraced his most unique aspect: his fatherhood. Bowser Jr. is portrayed as an enthusiastic and tech-minded member of Bowser’s army in the main games, balancing out his dad’s more old-fashioned reliance on dark magic and airships. In the most recent RPGs, especially Paper Mario: The Origami King, Bowser’s status as a sometimes-competent warlord and a patient, supportive father is a huge part of his character arc. In a multimedia franchise owned by a corporation that approaches change in a cautious, measured fashion, Bowser just keeps growing.

Bem que a Nintendo podia colocar Super Mario Galaxy 2 no Switch também…

As coisas incríveis que meus amigos fazem

Eu gosto muito de estar próximo dos meus amigos. Antes desse ano, que me forçou a ficar longe deles, eu sempre estava com algum amigo. Seja conversando, seja trabalhando, seja fazendo absolutamente nada enquanto a gente fica sentado no sofá. Eu gosto de estar na companhia dos meus amigos, e sinto bastante falta deles.

Esse ano eu tive que aprender a passar o tempo e acompanhar meus amigos de jeitos diferentes, e um desses jeitos foi acompanhando o que eles fazem. Eu tenho muitos amigos que criam coisas incríveis, e vou aproveitar esse espacinho de internet que eu tenho aqui pra vocês conhecerem alguns deles.

Eu pretendo fazer mais posts assim daqui pra frente. É legal lembrar que eu estou cercado de gente inspiradora como meus amigos, e me sinto menos sozinho escrevendo pro Pão sabendo que logo aqui no lado desse espacinho virtual eu tenho amigos meus escrevendo, filmando, gravando podcasts e cozinhando.


Para ler: o blog da Jéssica

Eu comentei isso uma vez com a Jéssica: mas eu queria saber escrever tão bem como ela. A Jéssica escreve no Medium, e ler ela é uma das melhores coisas que eu fiz esse ano. Suas linhas são objetivas e ao mesmo tempo poéticas, e ela tem aquele dom que eu acho que um grande escritor tem que é a capacidade de fazer ligações entre as coisas que a gente acharia improvável — mas ela faz parecer real, às vezes até inevitável. São textos precisos sobre a experiência que é ser a Jéssica, mas também que é ser humano. Eu me surpreendi lendo Sinestesia, seu texto mais recente, que captura muito memórias da minha infância que eu não sabia que eu ainda tinha.


Para ver: os filmes do Leo

Eu já escrevi sobre o curta que o Leo lançou há uns meses, mas vale deixar um link para o canal do Fantasma do Espaço, que tem um longa e um outro curta também incríveis. Eu já falei lá no outro post, mas vale repetir: o Leo tem um olho único no cinema gaúcho, e talvez no cinema brasileiro, que geralmente é feito por gente “da cidade grande”, ou como alguém dessa cidade grande enxerga o interior. Os filmes do Leo são diferentes, são visões bem íntimas do interior do RS, onde natureza e cidade brigam por espaço.


Para ouvir: o podcast da Manu e da Luísa

A Emanuele e a Luisa, junto com a Roberta, fazem o podcast Cadê minhas Lésbicas. Eu trabalhei com a Manu há dez anos, e desde sempre eu sempre gostei de ouvir (e ler) o que ela tem pra dizer sobre qualquer coisa, e no último ano em que estamos distantes eu tenho o prazer de ouvir suas opiniões em seu próprio podcast. CMLês tem tudo o que um bom podcast de conversa pode ter: é honesto com suas participantes, é engraçado em uns pontos e surpreendentemente emocionante em outros. Como uma boa conversa mesmo. Eu particularmente amo o episódio em que elas dissecam o filme Carol — eu não canso de ouvir sobre esse filme.


Para comer: os pães e tortas da Taís e do Victor

Essa é uma dica mais regional, porque se você não estiver por Porto Alegre (e Santa Maria), provavelmente não vai poder experimentar, mas fica aí o link deles pra você ficar com inveja. A Taís e o Victor começaram a Taís Bakery esse ano — a qual já recebeu uma crítica aqui das fotos de uma das suas tortas. Quando eu preciso ir pra POA eu sempre me organizo para comprar um pão artesanal (divino) ou um cheesecake de paçoca (o qual é um crime e eles precisam ser investigados de tão bom). Eu geralmente gosto de reunir meus amigos para comer uma torta e umas bobagens no meu aniversário, mas como acho que mês que vem a gente ainda vai estar se isolando socialmente eu vou ter que comer essa Torta Brownie Brigadeiro sozinho. Uma pena.

Esse é o Super Nintendo World

A Nintendo finalmente divulgou as primeiras imagens do parque temático baseado nos jogos da empresa, que deve abrir nos parques da Universal em Osaka, no Japão, em fevereiro do ano que vem.

O Super Nintendo World deveria ser aberto esse ano, depois de cinco anos de planejamento. No início do ano a Nintendo divulgou um trailer do que a gente poderia esperar, mas não nos mostrou nada do parque em si. Tudo o que a gente sabia vinha de imagens aéreas que apareciam pela internet e eram sumariamente removidas pela Nintendo logo depois. O ano do fim do mundo tá quase acabando, e pelo visto eles quiseram aproveitar pra dar uma boa notícia e nos mostrar como está ficando:

A Universal Studios também divulgou uma promo do parque:

E a Bloomberg divulgou um pouco do que viu na prévia concedida para a imprensa:

Enquanto isso eu gostaria de aproveitar esse momento para divulgar minha campanha de doação para realizar meu novo projeto de vida que é me mudar para o Japão.

A morte de um cinema de rua

Rafael Aguinaga para a Piauí:

Por conta própria, ao longo de oito anos nós já tínhamos recebido cerca de 15 mil crianças vindas de escolas municipais. As sessões sempre aconteciam de manhã, fora do horário comercial, e a gente combinava tudo com as professoras dessas escolas. Funcionava muito bem. Nós juntamos os dois patinhos feios da indústria – o documentário e o cinema de rua – com propósito educativo. Isso deveria ser replicado por outros cinemas no Brasil. Há um monte de documentários espetaculares que são ignorados pelo circuito convencional. A gente passava filmes sobre o Rio São Francisco, sobre a Amazônia… Só filmes brasileiros. Nesses dias eu fazia questão de operar o projetor e receber os alunos pessoalmente no cinema.

E agora esse projeto tinha virado política pública. É o que sempre deveria ter sido. A gente começou a receber um subsídio de 10 mil reais por mês da prefeitura. Um dinheiro modesto, que servia para pagar o aluguel da sala, basicamente. Depois que assinamos essa parceria, a Secretaria de Direitos Humanos pediu que a gente também fizesse sessões para idosos e adolescentes que moram em abrigos. Foi muito legal. Nossa rotina passou a ser assim: crianças de manhã, idosos e adolescentes à tarde. À noite, muitas vezes fazíamos saraus e apresentações de música na sala de cinema.

Porto Alegre não tem cinema de bairro, mas só no centro da cidade tem três cinemas de rua. Um deles, o Vitória, já fechou no ano passado. As cinematecas do Capitólio e Paulo Amorim estão fechadas por conta da pandemia. São as salas que eu frequentava no meu dia-a-dia. Eu morei a algumas quadras da CCMQ e, naquele tempo, eu ia lá religiosamente depois do trabalho, de terça à sexta.

Esses espaços são muito especiais, como pequenos oásis onde a cultura pode agir por conta própria, e tem sido duro ver o descaso do governo em oferecer suporte à elas nesse momento — e, no caso do Joia, a facada nas costas que fechou a sala de vez.

O Internet Archive está preservando jogos e animações em Flash

O Flash foi uma daquelas tecnologias tão fundamentais quanto odiadas da juventude da internet: era um jeito fácil e simples de criar animações e jogos complexos que podiam ser jogados num navegador, na época em que a tecnologia básica da internet — o HTML, o CSS e o JavaScript — estavam começando a amadurecer. Sites usavam Flash para criar efeitos e animações complexos, e portais como o Kongregate, o Miniclip e Newgrounds hospedaram centenas de jogos feitos com essa tecnologia com o passar dos anos.

Entre 2007 e 2010, quando o iPhone se firmou como uma plataforma na qual os desenvolvedores precisavam prestar atenção (e, eventualmente, seria o centro da atenção), o Flash encontrou seu pior inimigo: Steve Jobs, que anunciou que o iOS não ofereceria suporte à tecnologia. Gradualmente, a Adobe encerrou o suporte da tecnologia, primeiro nos celulares — no início dos anos 2010, o Android usava o suporte ao Flash como um de seus recursos notáveis contra a concorrência — e, no fim desse ano, em todos os outros dispositivos.

Você provavelmente já tem o Flash desativado há anos no seu navegador. O Chrome, o Firefox e o Safari não o ativam por padrão desde meados de 2015. Existem bons motivos para isso: o Flash é pesado, lento e propenso à brechas de segurança, por causa do seu código fechado. Ele certamente não é o futuro da web, uma vez que as tecnologias fundamentais da internet amadureceram e, em muitos sentidos, superaram o que o Flash podia fazer. Mas ele foi fundamental para tornar a web criativa e interativa nos primórdios, e uma boa parcela da internet vai ser perdida quando o Flash parar de funcionar no fim do ano, uma parcela que consiste em experiências únicas que desbravaram a web antes de todo mundo. O JavaScript voa hoje porque o Flash tropeçava e caía.

É por esse valor inestimável à história da internet que o Internet Archive começou a hospedar um arquivo de jogos e animações em Flash. Usando um emulador chamado Ruffle, o Internet Archive é capaz de armazenar e executar esses softwares no seu navegador sem a necessidade de nós instalarmos um software desatualizado e sem suporte. É uma das várias iniciativas incríveis do IA, que preserva a história e a evolução da internet enquanto algumas gigantes por aí tentam apagá-la para colocar um novo parquinho de anunciantes no lugar.

Boas notícias: em breve, o emulador Ruffle será lançado como uma extensão para navegadores — mais leve, mais ágil e mais seguro do que instalar o Flash no seu computador —, permitindo que todos esses sites e portais de jogos em Flash que poderiam parar de funcionar no fim de 2020 possam continuar existindo e hospedando essa parte importante da internet.

Nada que é dourado permanece

Meu amigo Leo Michelon colaborou com o diretor e crítico Giordano Gio em Nada que é Dourado Permanece, um vídeo-ensaio sobre os ritos de iniciação presentes no cinema gaúcho.

É comum, quando a gente estuda cinema, procurar aspectos semelhantes em um cinema de determinada época ou de determinado local. Geralmente essas épocas são alguma década no início dos anos 1900 e o local geralmente é algum país da Europa, mas eu acho fascinante quando a gente para e olha o cinema que é feito perto de casa, e como ele captura e revela a nossa relação com o lugar que a gente vive. É um trabalho importante, e fico feliz que tá sendo feito — e tá sendo feito muito bem, o vídeo-ensaio é muito bom de assistir, dá seu tempo para a gente ouvir, ver e entender sem ser maçante.

Lexicografia Positiva

Lexicografia Positiva é um projeto iniciado por Tim Lomas que reúne palavras intraduzíveis de uma língua para outra que representam algo feliz.

“Saudade” talvez seja a mais conhecida palavra sem equivalência na língua portuguesa, mas meu carinho favorito, o “cafuné”, também pertence ao léxico. O japonês é especialmente bonito:

Koi no yokan (恋の予感)

The feeling on meeting someone that falling in love will be inevitable.

Ibasho (居場所)

‘Whereabouts’; a place where one belongs, fits in, can be oneself

Wai-wai (ワイワイ)

The sound of children playing.

O site é bem bacana de explorar, e provavelmente vou perder umas boas horas do final de semana nele. As palavras são categorizadas por idiomas e por temas (Estética, Saudade, Ambivalência, Amor, etc.) O The New Yorker publicou um artigo sobre a origem do projeto em 2016.

Via @tdbem, que complementou a lista com uma série de expressões igualmente adoráveis.

A Gaivota de Anton Tchekhov interpretada no The Sims 4

A dramaturga Celine Song, autora de Endings executou uma performance do clássico A Gaivota de Anton Tchekhov no The Sims 4, como parte do programa de “instigação” do New York Theater Workshop, para ajudar artistas durante a pandemia, enquanto os teatros estão fechados.

A performance é caótica e bonita, bem do jeito que as melhores jogatinas de The Sims são: os Sims nem sempre se comportam exatamente do jeito que Song quer, o que torna a execução da peça em algo inusitado e único — algo bem semelhante com uma performance ao vivo. Song explica melhor:

The Sims is a very interesting video game, because it attempts to simulate human life as it exists, the mundanity and all. In The Sims, we as players are both Gods and voyeurs. That seemed to closely resemble the experience of writing and watching a play as a playwright, but without the living, breathing humans as the actors.

Via Polygon. O artigo também tem um apanhado bem bacana de outras tentativas de usar videogames e espaços virtuais pra experiências teatrais.

Uma imagem gigante da constelação de Órion

Constelação de Órion

Ontem eu tava comentando com uma amiga sobre como eu amo ler e ver sobre o universo. As vezes chega a ser um problema sair de um vórtice da Wikipédia, em que eu passo sábados inteiros lendo sobre alguma nebulosa ou o que acontece quando duas estrelas se chocam, por exemplo. Eu acho fascinante, e não é algo que eu falo muito sobre.

Enfim, Matt Harbison é um astrônomo amador que, pelos últimos cinco anos, vem capturando uma imagem detalhada da constelação de Órion. Ele completou a imagem, e o resultado é esse mosaico de 2.5 gigapixel composto por mais 12.816 fotos. É legal de vasculhar a imagem à procura de algo que você já leu sobre, é parecido com aquela curiosidade que você tem de ver os lugares que você conhece em um mapa.

Via Kottke.

Defector está aqui

Captura de tela da página inicial do site Defector no dia 10 de setembro de 2020

Defector, o site formado pela equipe que se demitiu do antigo, excelente Deadspin, foi lançado hoje.

Eu não sou um fã de esportes, mas era um leitor assíduo do Deadspin por anos. Era um blog sobre esportes, mas sua cobertura era muito mais abrangente que isso. Como todos os sites que pertenceram à rede de blogs do Gawker (como o Kotaku e o Gizmondo), o Deadspin era um blog com um tema, mas que transcendia esse tema ao relacionar ele com qualquer tópico do nosso dia-a-dia. É aquele tipo de cobertura mágica, que faz uma pessoa não muito interessada em esportes no geral a se interessar pelo assunto ao mostrar, com humor e sagacidade que eram típicos da blogosfera de meados dos anos 2000, como “gostos” e “assuntos” não existem no vácuo. O Deadspin usava esportes pra comentar sobre política, pra expor redes de abuso e de misoginia na nossa cultura, para explorar o racismo institucional dos Estados Unidos.

Como o Gawker, o Deadspin “acabou” porque pessoas com dinheiro demais não gostavam que um blog que atraía milhões de pessoas por dia expusessem como as garras de acionistas e especuladores alcançam muito mais do que o Vale do Silício, causando interferência política (Peter Thiel, que financiou a falência do Gawker, é confidente de ninguém menos que David Trump). Assumindo as empresas mães desses blogs que expunham suas influências na economia americana, eles mataram seus maiores inimigos por dentro. Se você quer saber sobre o que aconteceu com o pessoal do Deadspin, o post de abertura do Defector explica direitinho isso ao mesmo tempo que dá um panorama da internet hoje em dia.

E agora aquela mesma equipe voltou com Defector, um blog mantido por assinaturas (pra não depender de acionistas e publicitários) com a mesma voz do grande falecido Deadspin. É muito bom ver um site assim surgir hoje em dia. Ele tem aquela mesma qualidade de muitos dos meus sites favoritos, que já deixaram de existir há muito tempo. Sites que eu sei o endereço de cabeça, e que acessar eles no início do dia ou no horário do almoço é um ritual do meu cotidiano. Eu amava isso no The Dissolve, e é bom finalmente ter um site assim de novo pra colocar na minha barra de favoritos. É aquele tipo de site que, quando acontece algo, você vai correndo acessar o site pra ler um post sobre algum dos seus autores favoritos comentando exatamente aquilo. É divertido, é instrutivo e serve àquele propósito mítico da internet de nos conectar às ideias uns dos outros.

Longa vida ao Defector, meu mais novo melhor amigo na internet!

Torta Brownie Brigadeiro

Um dos problemas de viver longe dos amigos é que eu tenho amigos talentosos e eu não posso apreciar eles de perto, principalmente quando o talento deles é um absurdo desses:

Torta de chocolate com massa brownie e cobertura de brigadeiro

Olha mais de perto:

Detalhe dos brigadeiros na cobertura da torta

Eu tô muito triste que eu não moro em Porto Alegre nesse momento. Se você mora, eu recomendo seguir a Tais Bakery no Instagram, onde eu vi esse absurdo de torta. A Taís e o Vitor abrem a agenda por lá e pelo WhatsApp. Eu amo eles e eu amo essa torta.

Essa é uma bela vaca.

Retrato de uma vaca pequena

Ela se chama Evie, e essa é a foto que fez Kelly Reichardt escolher Evie pra ser o animal título do seu filme mais recente, First Cow.

Eu ainda não vi o filme (eu quero assistir ele hoje de noite, depois de gravar o nosso primeiro episódio do Pãodecast), mas eu tava lendo esse artigo na Polygon sobre como Evie foi escolhida por Reichardt, e me lembrei de outro filme que gostei muito, A Rota Selvagem, protagonizado por um cavalo e um menino.

O que me chama a atenção, tanto em cavalos quanto em vacas, é esse olhar profundo que eles têm. Eles são animais grandes e vivem com a gente por tanto tempo que a gente começa a assumir algumas suposições sobre esses olhares. Eu sempre achei o olhar de um cavalo mais que humano. São olhos grandes mas tào profundos. E essa foto da Evie me fez perceber que isso também vale para vacas.

Segundo A24, a distribuidora de First Cow nos EUA, Evie teve uma filha no início do ano.

Belas, belas vacas.

O trailer de Godzilla 2 é fantástico

Ontem eu assisti o trailer de Godzilla: King of the Monsters, a continuação do filme de 2014 que eu nunca assisti.

Esse trailer não sai da minha cabeça. Eu não sei se é o Clair de Lune que eles usaram (muito) bem, mas eles capturam aí justamente o que é fantástico em Jurassic Park e que ninguém encontrou desde então: aquele sentimento de fascínio de ver esses monstros gigantes com seus próprios olhos. Aquele plano do monstro abrindo as asas e brilhando é uma das coisas mais empolgantes que eu já vi.

The Next Picture Show é o meu podcast sobre filmes favorito

Quando eu trabalhava numa agência, em 2012, minha melhor companhia de trabalho eram os podcasts. Eu escutava vários, sobre temas totalmente diversos. Naquela época o Seu Felipe tinha uma comentando séries (durou três inesquecíveis episódios), o Nerdcast reinava soberano e um bando de sites de humor começavam a publicar seus primeiros episódios.

Já faz um tempo que eu não trabalho numa agência, e os podcasts acabaram ficando para trás. Nas últimas semanas, porém, o mundo recebeu The Next Picture Show. E meu iTunes voltou a ter algo pra assinar.

O The Next Picture Show não é revolucionário como Serial e This American Life em criar narrativas. Pelo contrário, ele volta ao formato de programa de rádio extendido com uma mesa de pessoas discutindo um tema sob diferentes perspectivas. Vindo das cinzas do The Dissolve, o melhor site sobre cinema que a Internet jamais permitiu sobreviver, o The Next Picture Show reune a antiga equipe de editores do site para voltar a discutir filmes do jeito inteligente, questionador e divertido pelo qual eles foram cultuados no Dissolve.

The Next Picture Show traz do Dissolve a ideia de “filme da semana”, em que os editores discutiam, durante cinco posts entre segunda a sexta, um filme sob temas diferentes. Desde Toy Story até Cidade de Deus, o filme da semana resultou em ensaios fantásticos sobre os mais variados filmes — e fazia considerações interessantíssimas sobre elementos que são facilmente perdidos numa assistida, mas os olhos atentos do Dissolve sempre os expunham para os leitores, que incrementavam tudo com excelentes discussões.

O filme da semana, no The Next Picture Show, divide espaço com um filme recente. Todas as semanas, dois episódios tratam de observar e contextualizar filmes recentes com filmes mais antigos, afim de encontrar semelhanças, discordâncias e como filmes feitos com décadas de diferença mudam a nossa visão de outro filme. Desde uma mesma franquia, como Star Wars: Uma Nova Esperança e Star Wars: O Despertar da Força, até filmes que conversam tematicamente, como Todos os Homens do Presidente e Spotlight: Segredos Revelados.

Com uma linguagem engajada e conversas apaixonadas, Scott Tobias, Tasha Robinson, Keith Phillips, Rachel Handler e a produtora Genevieve Koski trazem o clima de cinefilia e paixão pelos filmes que o Dissolve sempre conseguiu exalar tão bem. The Next Picture Show vai ser um ótimo companheiro para seu trabalho, sua noite ou seu caminho de volta para casa. Mais que isso, porém, ele também é um bom lugar para se discutir cinema com inteligência.

The Next Picture Show pode ser assinado pelo iTunes ou por RSS.

Projeto Humanos: histórias do cotidiano

Ivan Mizanzuk é designer, com mestrado em filosofia/sociologia e doutorado em tecnologia e design. Mas nada disso importa aqui. No maravilhoso mundo da internet ele é apresentador do Anticast e idealizador do Projeto Humanos.

O Projeto Humanos traz histórias do cotidiano em formato de storytelling. Nele, Ivan entrevista seus convidados que contam alguma história marcante de suas vidas. No piloto Bom de Briga, por exemplo, seu pai, Emerson Mizanzuki, volta aos tempos de moleque e narra a maior surra que já levou.

O programa está lindo, com uma edição muito cuidadosa e uma narrativa cheia de energia e sensibilidade. É uma ótima dica para quem gosta de ouvir uma boa história!

Os 10 melhores de 2014

Agora que já revelamos nossos favoritos, vamos numerá-los, certo? Para finalizar essa leva de retrospectiva de 2014, nós juntamos tudo o que houve de melhor nos últimos 12 meses e os ordenamos para vocês. Siga abaixo com:

10. The Comeback volta tão bom quanto nos deixou (e talvez melhor)

A empreitada de Lisa Kudrow na sátira da HBO sobre a estrutura da TV voltou, depois de ser cancelada na sua primeira temporada. The Comeback, agora uma sátira sobre o próprio canal, o star system que se criou ao redor das séries de TV, e do mockumentary, retornou tão bom quanto era — ou, muito provavelmente, bem melhor do que era. Kudrow não confirma, mas há rumores que a série continue conosco por mais um ano. Que The Comeback volte mais um, dois, três, dez anos com seu humor único, que nos faz relembrar de clássicos como 30 Rock, Studio 60 e, claro, ela mesma.

9. Dragon Age: Inquisition é o grande AAA desse ano

Se os jogos não tiveram um bom ano (seja em lançamentos, seja em toda a polêmica do GamerGate), não podemos negar que não houve aqueles bons destaques. Com o fracasso de Watch Dogs em nos entregar aquilo que prometeu, e grandes lançamentos fadados a fracassos de infraestrutura, como Assassin’s Creed UnityDragon Age: Inquisition se revelou o grande lançamento de 2014 para os jogos. Um RPG imenso, inebriante e com a qualidade de história que apenas a BioWare consegue entregar. Não é o melhor jogo do mundo, está recheado de falhas, mas te prenderá em um universo fascinante por centenas de horas.

8. Amantes Eternos, o melhor filme que ninguém viu

O novo filme de Jim Jarmusch é um dos melhores filmes do ano. A história de Adam e Eve, um casal de vampiros com centenas de anos e que assistem a humanidade de hoje com um olhar cético, depois de presenciar maravilhas (e horrores) em outras eras, é narrada com melancolia, dissonâncias e beleza. Se os vampiros no cinema há muito perderam sua identidade, Amantes Eternos devolve-lhes a dignidade com um filme à altura de seus mitos, e transforma Adam e, principalmente, Eve em seres eternos nas telas.

7. A Balada de Adam Henry é um retorno ao método curto

Depois de grandes romances aclamados, como SolarSerena, Ian McEwan retorna às histórias menores, mas não menos empolgantes, com A Balada de Adam Henry, sobre uma juíza que se relaciona com réu. Com toda a destreza nos detalhes típicos do autor, A Balada… mostra um vigor que McEwan não apresentava desde sua estréia, com O Jardim de Cimento, mas empregando toda a magia de seus últimos romances (SábadoAmor sem fim, inclusive, se conectam lindamente com este último), o novo livro do britânico talvez seja uma das melhores peças narrativas literárias de 2014.

6. True Detective é a grande estréia televisiva de 2014

A HBO retorna à forma que a consagrou com A Sete PalmosFamília SopranoA Escuta com o surpreendente True Detective, em uma pequena temporada (antes pretendida como minissérie) intensa e completa. Embora muito de sua fama acabe indo para os mirabolantes planos sequência dos episódios, True Detective maestra para além, conseguindo trazer de volta grandes histórias para o canal, que há muito precisava se sustentar com a alarmante The Newsroom e seus acertos menores, GirlsLooking. E por falar em Looking

5. Looking surpreende com a melhor temporada de 2014

Estreando em janeiro, a temporada inicial de Looking prometia “algo real”. Nas mãos do incrível realizador Andrew Haigh, ela entregou mais. Ela entregou “algo de verdade”. E há diferenças nessas duas chamadas. Looking, por mais de nicho que seja, é uma série que finalmente consegue trazer honestidade nos diálogos e na estética de sua temporada. Em um ano que Mad Men começa o seu fim, Girls derrapa, American Horror Story pisa na bola (de novo), House of Cards perde o fôlego e True Detective vem para balançar, Looking é uma sólida, intensa e honesta história de seres humanos — seres em extinção nas séries de TV.

4. Crush Songs supera superproduções com sua intimidade

Karen O ganhou o mundo em 2013 com The Moon Song. Seguindo uma vertente semelhante, mas ainda mais íntima, Crush Songs embala recordações e exasperações de um relacionamento com uma honestidade  única nos lançamentos de 2014. Assemelhando-se em momentos com For Emma, Forever Ago, mas ainda mais sincero que este, a vocalista do Yeah Yeah Yeahs consegue superar em qualidade obras maiores, mais poderosas e mais abrangentes — incluindo aí o grande álbum do ano, o autoentitulado Beyoncé.

3. 1001 pessoas que conheci antes do fim do mundo é um sopro de vida na blogosfera brasileira

O blog da Aline Vieira traz humor honesto, histórias bem contadas e uma delicadeza visual há muito escondidas na blogosfera brasileira — terra de memes e YouPixes. Com prazer, 1001 pessoas talvez seja o site com os melhores textos que tive o prazer de ler em 2014. E só de saber que ainda temos mais de 900 pessoas pra conhecer com Aline pela frente, dá expectativa e animação ao já fiel leitor.

2. Boyhood é o grande filme de 2014 — e talvez de toda uma geração

Com sua poesia visual baseada nos pequenos e eternos momentos da vida, Boyhood traça uma narrativa simples, não universal, mas sempre honesta sobre um jovem e sua família no Texas. Repleto dos vários tipos de amor que uma vida possa entregar, dos momentos e das incertezas que a juventude nos lança, dos amigos que vem e que vão, dos mestres que nos moldam e nos largam ao vento, Boyhood é certamente o melhor filme de 2014. E talvez seja o coming-of-age definitivo de toda uma geração. De toda uma universalidade.

1. Kentucky Route Zero: Act III toma o palco central em seu teátrico terceiro ato

Depois de EquusPerception of Space, o terceiro ato de Kentucky Route Zero agora busca em Esperando Godot suas referências. Agora, mais que nunca, Kentucky Route Zero assume sua teatralidade e leva o jogador para o meio do palco e dá a ele, na pele, o sentimento de Conway. Com uma potência nunca antes vista em um videogame, a narrativa do jogo da Cardboard Computer agora torna-se não um outsider da indústria dos jogos, e sim uma referência central. Depois do terceiro ato, em que o jogo puxa o jogador pelo pé para que ele sinta as dores de seu personagem, vemos que estamos na mão de mestres em contar histórias. Mestres esse que finalmente conseguem mostrar que os jogos são a evolução natural no método de narrativa. E para traçar o futuro, _Kentucky Route Zero _pisa no passado.