O Spotify tem o Descobertas da Semana, o Apple Music tem o Para Você e o YouTube tem o Mix. No fundo eles são a mesma coisa: uma lista com músicas que os algoritmos desses aplicativos acham que você vai gostar, porque o algoritmo “entende” seu gosto musical, e vai te mostrar músicas semelhantes. E, na maioria das vezes, parece que ele realmente entende. Essas playlists são compostas ou por faixas muito inspiradas naquelas que você tem no repeat, ou músicas que faz muito tempo que você não ouvia. Mas eu sempre tive a impressão que essas playlists, excelentes como são, acabam mostrando como não tem nada de especial nas músicas que eu gosto. É como se dissessem “ei, você gosta dessa música? Aqui vai outras vinte iguais, pra você esquecer de pausar e ficar ouvindo o dia inteiro”.
Acho que esse é o sentimento contrário que eu tenho ao navegar pelo Last.fm, um site que “faz scrobble” de tudo o que você escuta e, através de um banco de dados mantido pela comunidade, recomenda artistas e álbuns que você possa gostar. Na prática ele funciona de um jeito semelhante às playlists do Spotify e do Apple Music. A diferença é que, ao contrário de um algoritmo de inteligência artificial que fica observando padrões e ritmos naquilo que você ouve e quando você ouve, o Last.fm usa a grande inovação da web 2.0: as tags. Qualquer usuário pode adicionar tags aos álbuns, artistas ou faixas que gosta, desde gêneros musicais até classificações bem específicas. O Last.fm então observa as tags que você “gosta” (aquelas que mais aparecem entre os artistas e faixas que você escuta), e procura por outros lugares onde elas aparecem. Por exemplo, se você ouve MPB e também gosta de Velvet Underground, tem uma boa chance do Last.fm te apresentar o India da Gal Costa.
O Last.fm é fruto daquela mesma internet que criou o Orangotag e o del.icio.us, sites que tinham o objetivo de fazer você se expressar através daquilo que você ama. O Orangotag era excelente para fãs de séries ficarem em dia com o que os seus amigos assistiam, e o del.icio.us guardava seus links favoritos. O modo como eles criavam a interação era semelhante com o que o Last.fm faz: através de tags você pode encontrar coisas que pessoas ao redor do mundo achavam parecidas. Desses três sites, o Last.fm é o único que sobrevive até hoje.
Eu acho que tem um motivo pra isso. O modo como a gente consome música mudou drasticamente no início da década passada com o Napster, o iTunes e o iPod (e o Kazaa e o Shareaza e o eMule…); e nessa última década mudou de novo com o Rdio e o Spotify e o Apple Music (e o Tidal). Nós deixamos de escutar aquilo que era disponível para nós através de lojas de discos e o que as gravadoras queriam. Depois nós podíamos escolher quais músicas nós queríamos escutar em um álbum, e tirar aquelas que nós não gostávamos. Hoje em dia, na era das playlists, nós (e os algoritmos) fazemos as coletâneas que queremos. Com o streaming a gente não têm mais as músicas que amamos, mas elas continuam disponíveis para nós. Mas não importa como a gente consumiu ou consome música, a maneira como descobrimos música boa foi através de trocas: de CDs entre amigos, entre fitas gravadas no mini-system do amigo rico, de arquivos MP3 baixados a 56 kbps ou em links do Spotify e do YouTube. “Sabe aquele álbum que você disse que gostou? Tem esse aqui que eu achei na mesma vibe”.
Algoritmos como o do Spotify, do YouTube e do Apple Music (e do Tidal, se o Tidal tem algo assim e se alguém usa ele) fazem algo parecido. Tem esse mundaréu de música parecida com aquela que você gosta, mas isso só mostra como o seu gosto é comum. É um bom choque de realidade, é verdade, mas quando você descobre sua nova música favorita não porque ela é parecida com aquela outra, e sim porque ela te fez sentir como se estivesse flutuando nas ondas musicais como aquela, é inigualável. Essa percepção efêmera do que faz você gostar de Velvet Underground e de Daft Punk é necessariamente humana. O Spotify vai recomendar a você Justice e Phoenix, porque é semelhante o suficiente pra você gostar. O Last.fm vai te recomendar Debussy porque alguém lá na Noruega encontrou algo em comum entre a new wave do David Byrne e o eletrônico do duo francês. Não faz sentido nenhum até que faz todo o sentido do mundo. Não foi assim que você se apaixonou por aquele álbum?