É estranho, mas eu tenho uma pequena coleção de discos de vinil que foi crescendo sem eu perceber. Eu moro perto de uma feira de antiquários que acontece no sábado de manhã, e nesse último ano eu encontrava discos incríveis, como o Alucinação do Belchior e o Little Creatures do Talking Heads por R$ 30 (o mais caro, a trilha-sonora do Blade Runner pelo Vangelis, foi R$ 75).
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Eu posso não ter percebido, mas meus pais perceberam. Eu levava esses discos para a casa deles nos fins de semana para ouvir no toca-discos que eles têm. Nesse Natal, eu ganhei um toca-discos para mim, e eu tô impressionado em como ele mudou drasticamente a minha relação com a música de um jeito tão rápido.
Aconteceu o seguinte: fora determinadas circunstâncias, como quando eu apresento uma música para alguém, eu escuto música fazendo outras coisas. Eu ouvi Cool It Down, meu álbum favorito do ano passado, enquanto corria. Até mesmo Random Access Memories, o álbum que eu lembro de ter feito um lembrete no calendário para marcar o lançamento, eu escutei enquanto “trabalhava” (ênfase para as aspas).
Minha relação com a música, geralmente, é na forma de trilha-sonora. É o que está nos meus ouvidos enquanto eu trabalho, ou faxino a casa, ou no ônibus para visitar meus pais. Diferente de ir ao cinema ou esperar o novo episódio de uma série no domingo de noite, eu raramente reservava meu tempo para ouvir música. Talvez seja por isso que eu tenha tanta dificuldade para comentar sobre música com meus amigos, e que minha relação com meus discos favoritos geralmente seja baseada em memórias que tenho ao ouvi-los*.
Enfim… voltando ao assunto. Com o toca-discos, eu comecei a reservar um momento para sentar ao redor dele e colocar um disco para tocar. Como parar para ler, eu paro para ouvir um disco. Eu não vou ficar aqui argumentando sobre a qualidade do som nem coisas assim. Eu não entendo o suficiente disso para ser contra ou a favor. Mas existe algo no fato de que você precisa colocar um disco, ajustar a agulha, e prestar atenção na música para trocar o lado, que me faz me relacionar com o ato de ouvir a música de um jeito diferente.
E então eu lembro que, quando eu era criança, meus pais faziam isso com a gente. Geralmente nas sextas-feiras, meus pais colocavam a coleção (consideravelmente maior) de vinil deles para tocar, no pequeno quartinho que a gente chamava de escritório, enquanto eles tomavam vinho ou cerveja. Eu e minha irmã ficávamos em volta, mas nem sempre dávamos muita bola (era impossível não ouvir, já que eles colocavam o som muito alto) para as histórias que eles contavam quando ouviam as músicas. Mas eles estavam ali, prestando atenção nas faixas que eles escolheram levar pra vida deles através daquela coleção. As vezes nem eram memórias, e sim sentimentos específicos. As vezes vinham os amigos, mas as vezes eram só os dois. Uma espécie de listening party.
Em 2020, no início da pandemia, eu escrevi um pouco sobre a minha relação com música. Ano passado, eu encontrei um backup de músicas que eu ouvia na adolescência. Então essa mudança que ocorreu com o toca-discos pode ser parte desse processo de reavaliar a música na minha vida. Tá sendo um processo muito bacana, em que eu tenho realizações tardias sobre coisas que todo o mundo já sabia, por exemplo:
Alucinação é um disco perfeito.
(*) Acho que não comentei aqui, mas ano passado eu fui visitar a Manu em Curitiba, e no trajeto de volta, em que ela me levava no aeroporto, colocamos The Suburbs para tocar. Foi um momento perfeito, em que o disco durou exatamente o tempo da viagem, enquanto a gente olhava para os subúrbios e nos despedíamos.