Oi! Eu, eh… estou de volta!
Esse último ano não foi muito movimentado por aqui, e eu peço desculpas. Eu posso me explicar e prometer que 2023 vai ser diferente (e eu realmente espero que seja!), mas eu não quero fazer promessas que eu não possa cumprir.
O fato é que 2022 foi demais. E não que foi bom demais da conta, e sim que coisas demais aconteceram. Com a vacinação continuando, a “vida normal” parecia bater com força na porta de casa. Em um dos poucos posts que eu escrevi para o Pão nesse último ano eu comentei como isso se refletia nas histórias da maioria das séries que vi nos últimos meses. Outras coisas aconteceram também: eu me apaixonei, e deu tudo errado; eu me mudei, e deu tudo errado, até que do nada, de repente, deu tudo certo; eu virei tio, e se tem alguma coisa que era certa, era que ser tio é, na verdade, muito bom.
Enfim, foi tanta coisa que escrever para o Pão, algo que genuinamente me ajudou muito em anos muito difíceis, acabou ficando em segundo plano. Eu também tive uma dieta cultural bem mais rala nesse último ano — foram poucos os filmes, séries, jogos e músicas novas que eu me deparei esse ano. E os que ficaram comigo, os que realmente me tocaram, o fizeram por motivos estritamente pessoais.
Então, pra diferenciar um pouco das outras retrospectivas aqui do Pão, eu não estou chamando esse top 5 de “as melhores coisas do ano”, mas meus “favoritos do ano”. Acho que é muito mais honesto com a experiência que foi a minha dieta cultural nesse último ano: um apinhado daquilo que me chamou a atenção e que me ajudou num ano difícil e que, por isso, arranjaram um jeito de entrar no meu corpo e na minha alma, e eu vou levar eles comigo para sempre.
O filme favorito: Aftersun
Pra mim, Aftersun é uma conquista colossal. Em seu filme de estreia, a diretora Charlotte Wells consegue encontrar e transpôr para o cinema a experiência da memória.
Começa com detalhes aleatórios, como o som de um ônibus, o farfalhar da cortina com a brisa, a textura dos ladrilhos de uma piscina, até que esses detalhes se unem em momentos que vêm e vão na nossa mente como as ondas do mar, nos mergulhando (às vezes de forma violenta) em seus sentimentos.
Um filme “emocionalmente autobiográfico” sobre as últimas férias que filha e pai passam juntos, Aftersun começa no que parece aqueles filmes sobre nada, mas a forma como Wells encena esses momentos e os encaixa, costurados com uma trilha-sonora e atuações fantásticas, molda um filme de memória onde essas assombram e nos afogam — até nos puxa, com todo o sufoco e todo o alívio, para o agora.
(Aftersun está em cartaz nos cinemas, e estreará na MUBI em 6 de janeiro).
E também:
- Drive My Car : um filme imenso (mesmo, de três horas) sobre os efeitos do luto e da arte em relação ao tempo, o incrível filme de Ryusuke Hamagushi me conquistou ao desarmar o meu metabolismo — lentamente conquistando o meu olhar, minha mente, e então meu coração (na MUBI).
- Memoria : em um primeiro momento, o novo filme do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul parece querer registrar o mundano: a tentativa de uma pessoa de se fazer entender, de expressar para outra pessoa uma sensação ou um pensamento. Até que Memória, então, captura o impossível: o momento em que uma outra pessoa, no outro lado da mesa, ou da linha telefônica, entende aquilo que sentimos, e compartilha do mesmo sentimento. Quando nossa existência transcende o nosso corpo (na MUBI).
- _ Marte Um: _ simplesmente o meu filme brasileiro favorito desde A História da Eternidade, e por motivos completamente diferentes. Poucos filmes, aqui ou lá fora, capturam a sensação que é viver especificamente no dia de hoje como Marte Um conseguiu. Um retrato imenso de pessoas que não conseguem parar de sonhar, e todos os mundos imaginários que ficam em nossas cabeças. Ainda bem que o cinema existe, e alguns deles saem para as telas (nos cinemas).
- _ Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo: _ longo, estufado, um tanto clichê e, mesmo assim, uma das coisas mais fenomenais que eu já assisti. Um amigo meu comparou com Matrix e, honestamente? Acho que a comparação é completamente válida. Tá aí um filme que, ao mesmo tempo, é diferente de tudo que o blockbuster americano está fazendo hoje em dia, e conversa com as ânsias e referências que o público dialoga. A história da dona de uma lavanderia que, ao errar uma prestação de contas, acaba se envolvendo em uma vasta conspiração com o multiverso é fenomenal: amplo o suficiente para incluir piadas anais e pequenas declarações de amor na mesma cena. Nenhum filme me fez chorar de tristeza, de alegria e de alívio com tanta velocidade quanto esse. (para alugar).
A série favorita: Estação Onze
Eu escrevi no início do ano sobre como Estação Onze, a minissérie da HBO Max sobre uma atriz mirim que sobrevive à uma pandemia ainda mais mortal que a nossa, torna o mundo grande de novo. De lá para cá, Estação Onze ficou no topo das minhas séries favoritas esse ano, e nenhuma outra chegou perto de tomar seu lugar.
O motivo é simples: Estação Onze é difícil de se reduzir. Quando eu recomendo essa série, faltam palavras para descrever o porquê alguém deveria assistir ela. É estranha e divertida, triste e imensa. Sua estrutura permite que ela vá para os lados mais desconexos possíveis de sua trama, mas ao invés de torná-la rasa, essa abordagem transforma Estação Onze em um panorama de como a humanidade sobrevive, mesmo no meio do medo e da incerteza. Ela expande tanto que nos lembra de como o mundo é grande e diferente, e que a gente só sabe um pouquinho, só experimenta um tanto dele. Ao invés de tornar isso inquietante, Estação Onze transforma essa realização em uma benção.
(Estação Onze está disponível na HBO Max).
E também:
- _ Barry _ (terceira temporada): ninguém está bem na terceira temporada de Barry, e eu vi os novos episódios da dramédia sobre um assassino na HBO nesse mesmo estado de espírito. Isso não torna Barry em algo particularmente divertido de se assistir (embora seja muito, muito engraçada), mas poucas séries na TV hoje tem a coragem de entrar na mente de seus personagens com tanta força quanto essa. Assistir Barry foi quase que um exorcismo (na HBO).
- _ Better Call Saul _ (sexta temporada): terminar BCS esse ano foi uma sensação agridoce. Já faziam algumas temporadas que eu passei a considerar esse spin-off superior a Breaking Bad, seu progenitor. Mas essa última temporada, impecável, também parece uma despedida de um jeito de se fazer séries que não se faz mais na era do streaming. Nenhum outro drama na TV hoje se importou tanto com a progressão semanal, e com a possibilidade desse formato de explorar o íntimo do seu personagem como Better Call Saul. Seu episódio final é um delírio (na Netflix).
- Pantanal : o grande fenômeno da TV esse ano. Não foi o fim de BCS ou o humor absurdista de O Ensaio, ou a estreia fortíssima de Ruptura. Nada na TV manteve a atenção como Pantanal, a primeira novela da Globo em muito tempo a abraçar os pontos fortes do formato e finalmente inovar ao tentar solucionar seus pontos fracos. Com um valor de produção altíssimo (eu não duvido que tenha sido a novela mais cara já feita) e um elenco de peso (Marcos Palmeira e Dira Paes nos grandes papeis da TV brasileira desde Avenida Brasil), nada me fez sentir parte de algo maior em 2022 do que acompanhar Pantanal com o resto da população brasileira. Como todo o bom programa de TV, nos faz sentir uma parte de algo maior, de uma experiência realmente comunal que atravessa os limites da georgrafia. Desde Twin Peaks: O Retorno eu não percebo um fenômeno desse acontecendo na TV (no Globoplay)
- _ Ruptura _ (primeira temporada): a grande estreia na TV esse ano, com certeza. Ruptura tem estilo e tem força de sobra, e uma trama quase Lostiana que pode botar tudo a perder a qualquer momento. Mas é justamente isso que torna ela irresistível: a série está numa corda bamba entre a genialidade e a bobagem, e como ela equilibra sua premissa com tanta precisão sobre esses extremos, com um elenco fantástico e uma estética fortíssima, é brilhante. Já é a melhor série da Apple (na Apple TV+).
O jogo favorito: TUNIC
Foi bem no início de TUNIC que eu me apaixonei por ele, e que eu sabia que nada que eu jogasse esse ano ia conseguir superar aqueles primeiros momentos. E foi justamente TUNIC que o superou, pouco a pouco, conforme revelava suas verdadeiras garras.
TUNIC é um jogo de aventura de ação à Legend of Zelda, com alguns requintes de Dark Souls. É o equilíbrio entre essas duas referências, em que uma preza por uma jogabilidade direta, enquanto outra gosta de esconder suas mecânicas em camadas e camadas de habilidade, que faz TUNIC ser tão especial. Eu não sou um bom jogador, o que torna os jogos do estilo Souls intransponíveis pra mim. Mas ao pegar as melhores mecânicas de Zelda, com sua estrutura de relógio suíço em que cada elemento de jogo responde a outro elemento, que TUNIC torna seus momentos mais complicados em verdadeiros quebra-cabeças de habilidades. E o manual… ah, o manual. TUNIC fica ainda mais especial
(TUNIC está disponível para Mac, PlayStation, Switch, Xbox e Windows).
E também:
- Elden Ring : o extremo oposto de TUNIC, o novo jogo da From Software é imperdoável, e honestamente eu não me aprofundei muito nele. Diferente de outros Souls, porém, eu não precisei. O mundo aberto de Elden Ring dá respiro o suficiente para jogadores como eu explorarem sua narrativa através da arquitetura, e experimentar um pouco do mundo magistral do jogo à sua própria maneira. Me fez me questionar se eu não deveria dar uma segunda chance aos jogos anteriores (para PlayStation, Xbox e Windows).
- OlliOlli World : um mundo de skate e charme, OlliOlli World entende como poucos jogos aquilo que todo jogo deveria entender: qualquer jogabilidade só é tão boa quanto a execução de seus verbos. E se tem algo que foi bom de fazer esse ano foi de tornar tudo o que eu via pela frente em uma possibilidade de fazer uma manobra boba de skate. Talvez o mais próximo que eu já cheguei da liberdade que um skatista deve sentir (para Mac, PlayStation, Switch, Xbox e Windows).
- Return to Monkey Island : o retorno de Guybrush Threepwood e seu criador, Ron Gilbert, à Ilha do Macaco não poderia ser melhor. Return consegue ser a continuação perfeita, que revela a maravilha do original sem parecer uma cópia, e comenta suas influências com maturidade e distância. Return to Monkey Island é engraçado como os originais, mas também é ciente do que mudou nesses anos todos entre um jogo e outro, seja em mecânica ou em humor, em sensibilidade histórica ou maturidade do seu autor. Me faz querer voltar à infância e jogar Monkey Island e King’s Quest madrugada adentro de novo, mas também me faz pensar em como esse tempo passou (para Mac, PlayStation, Switch, Xbox e Windows).
- Wordle : provavelmente o jogo do ano, Wordle foi o mais próximo que chegamos ao nível de loucura causada por Pokémon Go em 2016. Um verdadeiro fenômeno que nos deixou um pouquinho mais próximos um do outro. Que seja tão simples e tão viciante é só uma prova da sua genialidade (para navegadores, com versão em português).
A música favorita: Different Today
2022 foi o ano em que várias das minhas bandas favoritas na juventude voltaram com álbuns novos. Arcade Fire, Belle & Sebastian, Son Lux…
Mas foi Cool It Down, o primeiro disco do Yeah Yeah Yeahs em quase uma década, que se transformou num favorito instantâneo. Logo na faixa de início, Spitting at the Edge of the World, eu me lembrei do porquê eu amar essa banda, e dos momentos que suas músicas embalaram no passado. As músicas dos YYY são amplas, criando uma espécie de horizonte sonoro em que a voz da vocalista Karen O pode ir de um ponto ao outro, de gritos a sussuros.
Cool It Down é um álbum de uma banda punk por natureza alguns anos depois da maturidade chegar. A intensidade das letras e a força do som ainda estão ali, mas servem pra intuitos diferentes. Essa realização me bateu quando eu ouvi Different Today pela primeira vez. O que me faz amar o Yeah Yeah Yeahs está ali: a voz delicada mas intensa, a guitarra forte e as batidas marcantes. É o som que eu amo ouvir dessa banda, mas que embalam uma canção muito menos violenta do que nos álbuns anteriores: Karen O canta sobre como o tempo passou, como o sentimento mudou, e como o mundo continuou a girar. Em It’s Blitz!, o Yeah Yeah Yeahs soava como o desespero de um último respiro no meio de um sentimento intenso. Em Cool It Down, esses mesmos sentimentos intensos estão em outros lugares, e é Different Today que os encontra.
(Different Today é uma música do disco Cool it Down, ouça).
E também:
- _ BREAK MY SOUL _ (Beyoncé): eu posso não ser um fã de RENAISSANCE, o disco que Beyoncé lançou esse ano, mas até eu sei reconhecer o hitzão de BREAK MY SOUL. Das músicas que me fazem querer ir em festa de novo e viver algo inesquecível ao som contagiante que a cantora encontra aqui (ouça).
- _ Mother I Sober _ (Kendrick Lamar): Mr. Morale & The Big Steppers é longo, confuso, vai pra lugares meio incertos, mas é a obra de um gênio, e Lamar não tem medo de se expôr nela, principalmente na penúltima faixa. Começando a música declarando quem ele é, e terminando se libertando da culpa através da honestidade, talvez seja a música que melhor expresse toda a confusão que a precede. Mr. Morale é um grande álbum, mas é Mother I Sober que o decodifica da mente de Kendrick Lamar para o mundo.
- _ This is a Life _ (Son Lux, ft. David Byrne & Mitski): a junção de Son Luz e David Byrne parece tão lógica, e mesmo assim precisou que Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo existisse para que esses dois artistas se juntassem, em uma música que, como o filme para o qual ela foi composta, tenta capturar toda a existência humana. Como as melhores músicas de Byrne, ela consegue ao observar os pequenos detalhes da vida — a forma como a gente acorda toda a manhã, e vai dormir toda a noite, e na forma que em alguns dias a gente acorda de noite, e só consegue dormir de manhã também (ouça)
- Unconditional I (Lookout Kid) (Arcade Fire): de todas as músicas de WE, Unconditional I é a música que mais parece um clássico do Arcade Fire (e talvez seja, visto que a banda parece ter finalizado nesse disco músicas em que eles trabalhavam há anos). É uma música feita para ser experienciada no típico palco da banda: ao vivo, em uma multidão gritando em plenos pulmões os sentimentos mundanos que só o Arcade Fire sabe transformar em momentos grandiosos (ouça).
O link favorito: It’s Your Friends Who Break Your Heart
It’s Your Friends Who Break Your Heart
O artigo da Jennifer Senior para o The Atlantic tem um título fatalista, mas é a observação mais bonita sobre a natureza do relacionamento criado e mantido pelas amizades que moldamos durante a vida (e, claro, como é especialmente doloroso quando elas acabam em sussuros, e não em explosões).
2022 foi um ano complicado para mim, em termos de relacionamentos, e nos últimos meses eu passei boas horas lendo sobre justamente eles. Sobre a natureza dos afetos, dos amores, das decepções amorosas, de como o ser humano é incapaz de se sentir completo. Mas nenhum texto é como It’s Your Friends Who Break Your Heart. Embora Senior se dedique principalmente ao paradoxo da amizade (é o tipo de relacionamento que temos mais à nossa disposição, mas o que menos nos dedicamos em manter), ele também tem a melhor descrição que eu já encontrei para o que é ter um amigo: perceber nele que somos a melhor versão de nós mesmos. Tá aí um texto que me fez rever toda a minha vida, e em perceber que amizades, e não romances, são os principais relacionamentos da minha vida (The Atlantic).
E também:
- ENCERRAMENTO MASSA: a gente já sabia que isso tava para acontecer, mas esse foi o ano em que a Jout Jout finalmente encerrou o seu canal. Em seu último vídeo, a Julia e o Caio se reúnem para explicar o que aconteceu nesse tempo sem novos vídeos, e o porquê não faz mais sentido (para eles) em manterem o projeto hoje em dia. É um tanto triste assistir se você é fã e recebe uma comprovação do fim de uma ideia tão bacana, mas a Jout Jout sai de cena (pelo menos nesse canal) com aquilo que fez JoutJout Prazer ser tão delicioso: é honesto e espontâneo, e vai fazer uma falta imensa numa internet cada vez mais performática.
- In The Scenes Behind Plain Sight: da mente brilhante de Ian Chillag, o criador do meu podcast favorito, In The Scenes… é um arraso, com recaps e bastidores de uma série que nunca existiu. É um arraso de podcast, mantendo a criatividade imensa dos outros projetos de Chillag com o charme de ouvir semana a semana uma retrospectiva do que parece ser uma série que deveria ser deliciosa de assistir por si mesma. Genial na ideia e na execução.
- Line Goes Up – The Problem With NFTs: lembra como NFTs foram algo no início de 2022? Meio incrível de pensar que foi nesse ano que uma galera delirou nuns GIFs que eles diziam serem únicos. É esse fenômeno (e a criptoeconomia como um todo) que o canal Folding Ideas esmiuça em detalhes, e os coloca em um panorama do nosso relacionamento atual com a tecnologia que é iluminador de assistir.
- How We Feel: esse app dos criadores do Pinterest foi o meu achado do ano. Ele oferece um mapa de sentimentos bons e ruins para você escolher durante o dia, e você registra aquilo que você está sentindo com o passar do tempo. Você pode adicionar fotos, ou notas (escritas ou de áudio), colocar pequenos lembretes de onde você estava, com quem e o que fazia naquele momento em que sentiu determinado sentimento. How We Feel se tornou meu app de diário, e me ensinou a criar um verdadeiro vocabulário emocional. A gente sente muito mais do que alegria ou tristeza com o passar do dia, e saber as nuances daquilo que eu sinto em momentos, sejam mundanos ou especiais, tem me ajudado muito a me sentir mais seguro dentro da minha própria mente. Tá aí uma sensação que eu quero levar para a minha vida.
É isso por enquanto, pessoal. Feliz ano novo, a gente se vê no futuro!