Nas últimas semanas uns posts sobre Animal Crossing nos sites de jogos que eu leio têm me chamado a atenção. No Polygon, a manchete é sobre como a gente chegou na “fase de culpa” (quando a gente raramente visita as vilas e os vizinhos começam a nos xingar por deixarmos eles sozinhos lá); o Kotaku pega ainda mais pesado:
At this point, it seems like New Horizons will become like the cycle of the seasons. It’s recurrent and reliable. You might think about it fondly, or not, but you sure don’t think about it every day.
Eu não parei de jogar Animal Crossing: New Horizons desde que ele foi lançado em março desse ano (se você lê a newsletter, sabe que eu tô sempre jogando). Eu penso nesse jogo todos os dias. Eu já movi compromissos profissionais porque eles ficavam no meu horário de jogar Animal Crossing (depois do almoço, das 13h às 13h30).
É verdade que o quanto eu jogo diariamente diminuiu um bocado desde o lançamento do jogo. Eu acho que, como todos os jogos da série, New Horizons fica ainda melhor em doses curtas. Animal Crossing se passa em tempo real, então um dia por aqui é um dia no jogo também, e isso mexe com meu emocional. Eu sou marinheiro de longa viagem nesse jogo, e eu sei como a Isabelle fica chorosa quando você parava de aparecer com tanta frequência em New Leaf.
O problema é: é fácil de queimar na largada de Animal Crossing. Tudo é tão bonito, e os personagens são tão bem escritos, que você quer participar ao máximo do dia-a-dia desse vilarejo, principalmente porque quase todos são tão legais pra você. Porém, se você coleciona todos os fósseis, todos os peixes e todos os insetos em questão de algumas semanas (o que é impossível, mas digamos que você crie paradoxos temporais…), se você constroi todas as pontes que precisa para maximizar sua produtividade muito rapidamente, logo você não vai ter mais o que fazer, e então você vai começar de novo, ou desistir.
Foi legal participar do zeitgeist no início do ano, e no início do isolamento social, quando todo o mundo descobriu e começou a montar suas ilhas juntos. Eu sou um jogador lento naturalmente, eu demoro meses pra jogar o joguinho de plataforma mais simples que você encontrar, então eu não me preocupei muito de ver meus amigos desenvolvendo suas prefeituras e suas casas em questões de semanas, jogando alto no mercado de nabos. Eu adoro visitá-los pra pegar inspiração no que eu eventualmente vou fazer na minha ilha, mas por aqui as coisas precisam progredir bem pouco a cada dia, porque eu vou jogar esse jogo por anos, e eu não estou nem perto de economizar o suficiente pra conseguir o porão.
Eu comentei brevemente sobre como jogar Animal Crossing demais de uma só vez é meio que contra o espírito do jogo em maio. Pode não ser o que o jogo espera, mas ele não tenta te impedir de ficar quatorze horas na frente do videogame criando ruas entre as casas dos seus vizinhos (eu certamente fiz isso). Acho que isso torna Animal Crossing especial. Ele pode até ter seu ritmo próprio, mas o jogo não impede que você faça seu próprio ritmo. Seus vizinhos vão soltar alguns comentários maldosos de qualquer forma, seja se você jogar demais (“Você tem um irmão gêmeo?!”), ou se você desaparecer por meses.
O meu ritmo em New Horizons é mais ou menos o mesmo de New Leaf, um jogo que “encerrei” no fim do ano passado, dando adeus à minha vila depois de anos jogando alguns minutos por dia. Eu jogava New Leaf no ônibus indo pro meu primeiro trabalho (eu comprei o jogo, e o 3DS, com o meu primeiro salário); depois no trem para a faculdade; e finalmente durante o café da manhã no último ano antes de eu aposentá-lo. Eu ainda não tinha encontrado todos os insetos (eu sou horrível com a rede), nem completado todos os destinos do Gulliver, nem sequer liberado a tenda da Katrina na rua principal (eu nunca tenho dinheiro consultar com ela quando ela aparece!).
Em New Horizons, eu faço o mesmo. Eu jogo um pouquinho a cada dia. Eu vou na loja e na alfaiataria ver se tem algo que me agrade. Eu já completei minha coleção de fósseis, então só cavo eles quando preciso de dinheiro. Eu ainda tenho uns três ou quatro insetos e peixes pra capturar por mês, e tenho todo o catálogo de criaturas do fundo do mar que sequer comecei. Meu grande amigo Erik me deixou mês passado, e isso me deixou bem triste, mas também me aproximou de alguns vizinhos novos, como a Amelia e o Spike. Eu ainda tô economizando pra conseguir o segundo piso da minha casa.
Amelia é a minha vizinha mais sábia.
Acho que minha surpresa favorita com New Horizons foi uma amizade que eu criei graças à esse jogo. Eu tenho um conhecido em Chicago, o David. A gente nunca conversou muito antes de começarmos a visitar a ilha um do outro no Switch. Com o passar do tempo, nossas visitas viraram um compromisso: todos os sábados, eu e o David ficamos a tarde inteira conversando usando o (péssimo, cruel e terrível) chat interno do jogo. Ele limita a apenas alguns caracteres por mensagem, e você precisa usar o seu celular enquanto joga pra poder digitar. É terrível, e é magnífico, porque isso nos impede de fazer qualquer outra coisa senão ficar conversando.
Eu gosto de visitar as lojas durante a semana pra encontrar algo bacana pra presentear o David (nós estamos em hemisférios diferentes, então sempre tem algo novo pra presentear), ou aprender receitas novas pra dar algo completamente aleatório, ou capturar um inseto que ele ainda não pode ter por causa do clima diferente. E então a gente fica, caminhando por nossas ilhas, conversando sobre o pouco que mudou na última semana, o que nos ajuda a enxergar o que muda no meio do marasmo, porque o outro nota esse ou aquele detalhe diferente. Ninguém ali tá progredindo na vida (do jogo ou na vida real), pelo menos não agora. A gente tá ali fazendo algo que eu sinto muita falta de fazer com meus amigos num sábado de sol: conversar, fazendo nada, vendo o tempo passar.