As cinco melhores dicas de 2018

Uma empregada doméstica no meio de uma crise política que definiria o seu país; um cantor em busca da paz de espírito; pessoas enfrentando o fim do mundo. 2018 parece ter sido feito de histórias íntimas contadas como se fossem épicos e de sentimentos imensos detalhados com intimidade. É uma luta de opostos. Mas talvez assim a gente vai conseguir entender o outro em tempos cada vez mais sombrios.

Nossas cinco melhores dicas desse ano são repletas de amor, dúvida e um pouco de desespero. Todas, porém, são buscas por algum tipo de paz, algum tipo de entendimento de nosso lugar no mundo. Com 2019 começando do jeito que começou, tomara que essas histórias nos ajudem a ver onde nós estamos, hoje.


O melhor de 2018: Serial (terceira temporada)

Eu tava com saudades de Serial. O podcast fenômeno sabe contar histórias — seja o misterioso assassinato de uma jovem no fim dos anos 90, ou o desaparecimento de um soldado no meio do deserto. Mas Serial conta histórias pra investigar algo maior, como os sistemas sociais nos quais a gente vive definem muito mais do que deveriam aquilo que somos, o que fazemos, e até mesmo as histórias que contam de nós.

Essa nova temporada não tem um personagem principal. Não é uma história que percorre todos os episódios. Dessa vez, Serial olha para um tribunal para contar as várias histórias pequenas, que ninguém se interessa, mas que revelam como o sistema judicial americano não é só falho, mas contra a sua própria população.

A terceira temporada de Serial é exatamente o que precisávamos em 2018: um olhar ambicioso em um problema gigante, maior do que qualquer um que tenha uma solução que não seja “desfaz tudo e tenta de novo”, e faz isso com histórias pequenas: da mulher que apanha num bar, vai presa, é absolvida, perde o emprego e não consegue pagar as taxas do tribunal; ou do homem que perdeu a filha e sabe quem a matou, mas não a dedura para a polícia porque esse é o pior erro que você pode cometer; ou do policial que, sabendo desse caso, comenta que “essas pessoas se resolverão se matando”. Serial parece conseguir o impossível: observar um problema grande demais através das menores histórias possíveis, e nos fazer entender o que essas pessoas — os acusados, as testemunhas, e até mesmo os promotores e advogados — pensam, e sentem, e o quanto elas são parecidas com nós, mesmo com tanto de diferente. Se tem algo que precisamos nesse momento é um tanto de empatia, e Serial a encontra mesmo no mais sombrio dos momentos.

Você pode escutar todas as temporadas de Serial no site oficial.

Outros links que amamos: Unravel #1: Solving the Zelda Timeline in 15 Minutes (Polygon); Habitual User (Lauren Oyler)


O jogo do ano: Un Pueblo de Nada

Un Pueblo de Nada Un Pueblo de Nada — Cardboard Computer.

Se teve um sentimento que perdurou durante 2018, com suas notícias ruins que se acumulavam dia após dia, foi o de estarmos muito próximos ao fim do mundo. Nada nesse ano conseguiu capturar tanto esse sentimento quanto Un Pueblo de Nada — o último interlúdio antes do quinto (e derradeiro) ato de Kentucky Route Zero.

Cada interlúdio de KRZ explora um meio de expressão artística diferente. Limits & Demonstrations era um tour em uma pequena exposição em um museu; The Entertainment era uma peça de teatro (com excelentes instruções de como experimentar em “VR”); e Here & There Along The Echo era uma espécie de aventura de texto todo jogado por um telefone — virtual ou real. Un Pueblo de Nada finalmente trata de vídeo e TV, algo que se anuncia desde os momentos iniciais do primeiro ato de KRZ. Mas aqui tudo é um anúncio de fim: você está presenciando uma das últimas transmissões de um programa de um canal de TV comunitário, também às vésperas de ser engolido por uma mega corporação devido às dívidas. Fora do estúdio, uma tempestade furiosa avassala tudo, mas dentro dele as pessoas continuam ali, segurando as pontas, esperando as luzes se desligarem de vez.

Esse é um sentimento comum por todo o Kentucky Route Zero, mas talvez Un Pueblo de Nada seja onde ele se expresse com a maior força. Tudo nesse universo parece ser colado com cola bastão e durex, amarrado com cadarços para que evitar que a ruína se instaure, mas a ruína está logo ali, dá pra sentir ela: o fim de uma comunidade porque uma sociedade faminta pelo capitalismo rege a dívida e o desespero. Parece progresso, mas na verdade é uma tempestade que vai levar tudo. Em Un Pueblo de Nada, a gente vê as pessoas que seguram as pontas dessa casa feita de papelão e fita adesiva até o fim.

Você pode jogar Un Pueblo de Nada de graça no Windows, macOS e Linux.

Outros jogos que amamos: GRIS (Switch); Donut County (iOS, Android, Switch, PC); Return of the Obra Dinn (PC); Florence (iOS, Android).


O álbum do ano: Ye (Kanye West)

Victor Silva:

Tudo começa na quebra das expectativas. Pessoalmente, eu nunca imaginei um disco do Kanye com menos de 14 faixas e uns 4 features grandes (a exemplo dos trabalhos anteriores dele). Divisor de águas e opiniões, o disco do rapper e produtor Kanye West contém 7 faixas que, na data do lançamento, ficaram EM ORDEM no top 10 - tanto do Spotify, quanto do Apple Music.

7 musicas, 21 minutos — música em tom de sobriedade e da autoreflexão advinda do “periodo tranquilo” entre as fases de mania da bipolaridade. Em termos de produção, um disco simples, direto e até “pequeno”. O disco sets the tone pros outros lançamentos que viriam durante o ano, assinados por ele. Produções “pequenas”, “minimalistas” e de um bom gosto quase inacreditável.

Você pode ouvir Ye no Spotify.

Outros álbuns que amamos: Isolation (Kali Uchis); KIDS SEE GHOSTS (KIDS SEE GHOSTS).


A série do ano: The Deuce (segunda temporada)

The Deuce The Deuce, segunda temporada – HBO

A coragem das séries de David Simon está na ambição de tentar entender cidades inteiras: a Baltimore no meio de uma guerra contra as drogas em The Wire; a Nova Orleans que se recupera do Katrina em Treme; e a Nova York que é palco do boom da indústria pornográfica em The Deuce. São séries que olham pra tantos personagens ao mesmo tempo, e parece que conta tanta pouca história, que as vezes dão a sensação que nada acontece.

Mas The Deuce, como as outras séries do roteirista, funciona de um jeito diferente: ao andar por aí atrás de seus personagens enquanto eles tentam “vencer” os desafios de Nova York — ou sucumbem à eles — é justamente a sua própria história. Já é difícil demais ser uma prostituta numa cidade violenta como a Nova York dos anos 70, e The Deuce não coloca mais drama onde não precisa. Ele apenas observa como essas mulheres lutam pra sobreviver e se reinventar num mundo que muda mais depressa do que qualquer um pode acompanhar, e que gosta especialmente de descartá-las no meio do caminho. É uma história de sobrevivência que, com a franqueza e a ambição do autor de The Wire, cresce pra ser um retrato de uma humanidade inteira.

Você pode assistir as duas temporadas de The Deuce na HBO Go

Outras séries que amamos: The Americans (6ª temporada, FX); Atlanta (2ª temporada, FX); The Good Place (3ª temporada, Netflix); Minha Amiga Genial (1ª temporada, HBO).


O filme do ano: Roma

Uma mulher e um menino deitados sobre a marquize de uma casa Roma – Alfonso Cuarón

Nos segundos iniciais, com um avião cruzando o reflexo da água na calçada, eu me apaixonei por Roma. Um filme imenso (mesmo, filmado no grandíssimo 70mm) e emocionante, que olha pros momentos mais íntimos da vida de Cléo, uma empregada doméstica que vive com uma família de classe média-alta na Cidade do México nos anos 70.

Roma enxerga a vida quieta de Cléo como um verdadeiro épico de proporções de filmes como Lawrence da Arábia e Era uma vez no Oeste. Tentando capturar a sensação de uma viagem no tempo, o diretor Alfonso Cuarón filma Cleo em ambientes gigantes, e o olhar dela guia o espectador tanto quanto monta o mundo ao redor (em um dos meus momentos favoritos, ela parece guiar um bando de cabras no descer de uma colina só com o olhar).

É um filme que parece que “foge” do espectador tanto quanto uma memória. Atuando diretamente nas nossas sensações para criar sentimentos fortes. Roma é poderoso pelo que sugere — uma conexão profunda entre a vida íntima de uma babá e a situação política que se forma num país — e astuto pelo que observa. Como todo o filme de Cuarón, é uma obra que busca a humanidade em tudo aquilo que vê. Através de Cleo, é como se Roma tivesse me ensinado a enxergar de novo. É um dos maiores filmes que eu já vi.

Você pode assistir Roma no Netflix.

Outros filmes que amamos: A Rota Selvagem (Andrew Haigh); As Boas Maneiras (Juliana Rojas e Marco Dutra); Projeto Flórida (Sean Baker); Western (Valeska Grisebach).