Quando eu terminei de ouvir Everything Now, eu fiquei desesperado.
O Arcade Fire sempre foi adepto de grandes declarações. Desde Funeral, uma ode à morte e ao luto, até Reflektor, sua elegia ao amor, eles estão acostumados em usarem suas músicas para tocar em temas maiores do que seus braços podem abraçar. Com Everything Now eles fazem justamente isso, e somente isso. Mas nunca antes na carreira da banda as coisas estiveram tanto em jogo quanto agora.
Everything Now começa com a festiva faixa-título e, duas músicas depois, discutir o aborto com os pesados versos “God make me famous/If you can’t just make it painless”. O suicídio volta em jogo mais pro final, mas a banda tem outras coisas pra falar no meio do caminho.
O maior tropeço do Arcade Fire veio no segundo álbum, Neon Bible, quando trocaram eles trocaram o tom que tanto faz a banda soar como uma comunidade para se tornar quase uma instituição. O moralismo de Neon Bible era mais forte do que o coração do Arcade Fire, mas é justamente o coração imenso da banda que faz os ótimos The Suburbs e Reflektor serem tão diferentes e tão únicos. Everything Now quase comete o mesmo erro, da primeira vez que eu ouvi. Por que tantos estilos diferentes? Por que comentar tanto sobre streaming? Valeria mesmo fazer um álbum inteiro sobre isso?
Mas foi o álbum começar de novo para eu perceber que o coração da banda está ali nas faixas, mesmo. Não é o streaming o foco real do álbum, que bobo eu. Everything Now comenta tanto sobre como e com o que gastamos o nosso dinheiro, pra coisas tão perenes de valor, enquanto que desafiamos a nossa própria vida quando não encontramos valor pra ela. Nós temos o controle sobre tudo agora, menos sobre o nosso tempo.
Esse jogo de controle é essencial em Everything Now. O mundo não parece ser muito receptivo para muitos de nós hoje em dia, e o álbum usa de suas referências a ABBA, Talking Heads e Bee Gees para soar um pouco como o todo. As coisas não estão boas, por mais que a gente tente assumir o controle sobre elas. Nós não conseguimos assumir o controle de nós mesmos, do nosso tempo, da nossa vida.
É em uma grande incerteza que vive Everything Now, tanto em temas quanto em estilos. O álbum brinca com homenagens aos álbuns passados (“Everything Now” soa como uma nova “Wake Up”, “Electric Blue” soa muito como “Sprawl II”), com coisas totalmente novas (“Peter Pan” parece a coisa mais diferente já posta em um álbum do Arcade Fire, e ao mesmo tempo cabe como uma luva). Parece estranho, mas é familiar ao mesmo tempo.
E então o desespero passou. Quando Everything Now acabou de novo, me tirando o prazer de ouvir o poslúdio por inteiro, ele me lembra que essa ilusão que eu criei de ter o controle sobre meus filmes, minhas músicas e, pior ainda, sobre minha vida, é um reflexo de um mundo que nos encaminha pra um abismo. Mas é nesse momento que Everything Now parece estender a mão pro ouvinte. Se for pular, pulamos todos juntos.