2015 acabou, gente. É isso aí, não tem mais. Como ele foi pra vocês? Por aqui ele foi bem ruim, obrigado. Mas tudo tá pra melhorar, não é? O último dia do ano tá começando, e é importante lembrar porque ele foi bom, no que ele não foi, e o que vamos fazer pra melhorar no dia seguinte — que, olha só, já vai ser 2016.
Seguindo. O que 2015 trouxe de bom, culturalmente falando? Foi um excelente ano pro cinema (há tempos que não havia uma quantidade de filme fazendo sucesso como esse ano); mas foda-se, o que aconteceu com a TV? Se antes era possível indicar as três, quatro melhores séries do ano, esse ano está difícil de manter um top 10 sem ter pelo menos três séries que deveriam estar ali. Com Adele lançando seu novo álbum, e se transformando num fenômeno ainda maior que era (e que pensávamos que ainda fosse), a música surpreendeu com um ano em que deu o que falar — e nos trouxe um álbum digno de entrar na história. Você jogou Fallout 4? O novo Metal Gear? Excelentes jogos foram lançados esse ano — a maioria, verdadeiros cantos-de-cisnes de seus criadores. E o que você andou lendo? Eu me perdi em livros antigos esse ano, mas dei uma olhada no que meus autores favoritos andavam escrevendo por aí.
Vamos ver os melhores do ano? O ranking funciona assim: são cinco posições, e só pode entrar um de cada categoria (um filme, um seriado, um jogo, um livro e um álbum). Aí, a posição deles é pela sua qualidade. Discorde o quanto quiser, sugira o quanto quiser. Vamos adorar explorar novas obras culturais no ano que está por vir. Vamos começar?
5. A Balada de Adam Henry condensa desejo, dúvida e a beleza do texto jurídico
Ian McEwan é um de meus romancistas favoritos desde o primeiro livro que li dele (O Jardim de Cimento, em 2006). Dono de uma prosa construída de maneira cirúrgica, com amplas descrições de lugares, personagens e estados de espírito, McEwan não tem medo de se perder na construção de um universo rico e perturbador.
E A Balada de Adam Henry não é o seu melhor livro. Talvez não seja o seu quinto melhor livro, mas comprova como McEwan, como autor, nos prende a personagens deploráveis, nos aproxima e nos compara a eles. Aqui, num romance sobre uma juíza que vê seu casamento vindo a baixo em meio a um caso da Vara da Família, ele mistura paixão, moralidade e o seu tom macabro, quase sempre presente em suas obras. A Balada de Adam Henry é perverso e sufocante, mas também belo e lapidado. Como todo o texto jurídico.
E como todo o romance de McEwan, também.
A Balada de Adam Henry (Companhia das Letras, 2014). Ian McEwan, 200 páginas. The Children Act, traduzido por Jorio Dauser.
4. Com um pouco de tudo, To Pimp A Butterfly é feito para entrar na história
Em ano do sucesso esmagador de Adele com seu 25, do fracasso retumbante do Coldplay com A Head Full Of Dreams e da renovação do Tame Impala com Currents, o mundo na música parou para escutar Kendrick Lamar.
To Pimp A Butterfly é uma mistura de tudo, levada à perfeição. Não me entenda mal. Talvez seja o melhor álbum desde Funeral, no longínquo 2004. Mas é isso que ele é, uma grande, perfeita e magnífica mistura. To Pimp A Butterfly é um magnum opus, uma declaração, uma façanha. É um álbum que se sente seu peso, seu trabalho e sua realização. Mas To Pimp A Butterfly não seria tão bom, e tão importante, se fosse só discurso. Lamar sabe o que está falando, e eleva suas letras a uma complexidade de composição e ritmo que pouco se ouve. To Pimp A Butterfly não só questiona seus temas — sua blackness, como dizem por aí. Ele questiona o espaço da música, em uma hora e vinte minutos de densa e complexa utilização de referências e sons variados. Sua forma, sua importância. Em 2015, quando música hoje é amendoim de avião, um álbum revalorizar toda uma mídia não é só um trabalho de gênio. É um trabalho de um verdadeiro mestre de sua arte. Do maior rapper de sua geração. E Lamar, que começa escutando Boris Gardiner (com um trecho de Every Nigger Is A Star) e termina conversando com Tupac, sabe muito bem onde chegou.
To Pimp A Butterfly (Top Dawg Entertainment, 2015). Kendrick Lamar, 80min.
3. Cardboard Computer continua explorando a força do jogo em Here And There Along The Echo
2015 foi um ano de jogos imensos. Metal Gear Solid 5: The Phantom Pain é a obra máxima de um dos maiores game designers da história. Fallout 4 leva toda a herança de um estúdio, conhecido pela grandiosidade, a outro patamar. The Witcher 3: Wild Hunt faz certo o que os jogos fazem errado há mais de uma década.
São jogos imensos, esses. Eles custaram caro, frutos de pesquisas gigantescas e desenvolvimento de tecnologias completamente novas e fantásticas, que levarão a forma para outros patamares. Mas eles possuem um erro comum: eles são obras de uma geração desiludida, em que o jogo não é mais uma forma de expressão. Não é Myiamoto expressando seu perfeccionismo com o compasso perfeito de Super Mario Galaxy, ou a obra sensorial que é Journey ou, cara, a jornada do que é jogar, que é o SimCity original. Ficou para Here And There Along The Echo, um interlúdio para o quarto ato de Kentucky Route Zero, explorar onde os jogos nos atingem. O que faz de uma pessoa, um jogador.
É paradoxal, então, que o jogador em Here And There Along The Echo só ligue de um telefone. A experiência, a partir daí, está quase toda escrita, bifurcada através de menus de opções. Você quer conhecer as paisagens que permeiam o Rio Echo, ou ouvir as histórias que os moradores contam sobre ele? Críptico como Kentucky Route, Here And There… não busca responder os grandes temas que o seu jogo proveniente questiona. Pelo contrário. Ele explora, após a verdadeira provação que foi o terceiro ato, o espaço do jogador. Se está tudo escrito, codificado, como o jogador possui alguma liberdade de interação? O que cabe a nós, jogadores, entender de nossos personagens. Porque controlar uma vida falsa é tão importante para tantas pessoas.
Quando Here And There Along The Echo acaba, um personagem pergunta se eles já podem ir embora. Como resposta, o jogo nos dá duas opções. “Sim, estou pronta” e “Acho que vou ficar um pouquinho mais”. Assim como as perguntas que Kentucky Route Zero nos faz em diversos momentos, Here And There Along The Echo nos aponta não quem são aqueles personagens, mas sim quem somos nós mesmos — e o que devemos fazer para nos conhecermos.
Here And There Along The Echo (Cardboard Computer, 2015). Windows, Mac, Linux, telefone.
2. Mad Max: Estrada da Fúria é tudo o que eu queria do cinema esse ano
Vamos tirar isso do caminho logo. Meu filme favorito de 2015 foi, sem sombra de dúvidas, o pequeno drama inglês 45 Anos. Casais são um dos núcleos narrativos do cinema, e mesmo assim Haigh consegue criar algo novo e avassalador, mais de cem anos depois.
Mas entenda. Não há nada no cinema em 2015 como Mad Max: Estrada da Fúria. Não há como comparar, não há como respirar algo além disso. Em uma das obras mais concisas e mais fantásticas, George Miller (que, preciso concordar com o trailer, é um mastermind) cria uma experiência magnífica que se conduz em basicamente uma grande caçada em cima de carros gigantes.
Absolutamente tudo em Mad Max: Estrada da Fúria é fascinante. Não só as incríveis sequências de ação, que estão aqui para definir como iremos ver — e esperar — sequências de ação no cinema daqui para frente, mas Estrada da Fúria é um empolgante drama de personagens, centrado absolutamente no perdido Max e na corajosa Imperatriz Furiosa. Mad Max: Estrada da Fúria é impressionante, fascinante, incendiário e divertido como poucos filmes conseguiram ser nas últimas duas décadas. É essencial, é definidor, e é fodasticamente divertido (desculpem a expressão). E o mais incrível: é o único filme da década a possuir um guitarrista preso em um carro gigante tocando música enquanto fogo sai de sua guitarra.
Ele é meu novo parâmetro pro que eu quero ver no cinema.
Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015). Warner Bros. Pictures. 120min.
1. No ano da TV, The Leftovers atingiu níveis inimagináveis de qualidade
2015 pode ter sido o ano em que muitas pessoas voltaram a comprar álbuns (agradeça a Adele) ou ingressos (agradeça Star Wars). Mas 2015 é, sem sombra de dúvida, o ano da TV. De novos clássicos sendo canonizados, como Hannibal, Transparent e The Americans; até grandes despedidas, como Looking, Mad Men, Community e Parks & Recreation.
Nenhuma série chegou, porém, onde The Leftovers alcançou em sua segunda temporada. Em uma viagem sensorial em um espaço já místico que era a primeira temporada, agora The Leftovers explora temas ainda mais profundos da existência. Não é só comentar de depressão agora. Damon Lindelof vai além e desbrava uma jornada muito maior, não só narrativa. Quando os personagens estão perdidos na dor como estes estão, a jornada passa por uma sensação, por uma impressão, que pouco se viu na TV antes. Esqueça os momentos de tristeza de Six Feet Under. The Leftovers vai além. Não só na estranheza, mas também na compreensão que a vida é uma luta constante contra o que há de pior em nós mesmos.
The Leftovers (HBO, 2014—). Segunda temporada, aproximadamente 53 min por episódio.