Eu acho que a colina que aparece no papel do Windows XP é a colina mais vista do mundo. Em algum momento há duas décadas (!!!!!!!!) ela era a imagem de fundo de mais de um bilhão de computadores — provavelmente bem mais, porque naquela época era muito mais fácil falsificar um Windows.
Hoje ela é uma colina normal, e talvez ela sempre tenha sido. Isso porque ela não está em nenhum lugar especial. A fotografia foi tirada em 1998 pelo fotógrafo do National Geographic, Charles O’Rear, que estava indo visitar sua namorada quando passou por uma colina em Sonoma, na Califórnia. Ele parou para fotografar ela porque a grama estava muito verde depois da chuva. O resto é história.
O’Rear used Fujifilm’s Velvia (said to rival Kodachrome), a film often used by nature photographers, which created the image’s saturated tones. He says the image was completely untouched when he uploaded it to Corbis, a stock photo site founded by Bill Gates.
In 2000, Microsoft called to see if they could use his picture for its new operating system. O’Rear sold all the rights for an undisclosed sum—but a sum large enough that no one was willing to insure the images to be shipped. O’Rear flew to Seattle and delivered them in person.
Hoje a colina recebe a atenção de quem sabe o que ela protagonizou, mas para a maioria das pessoas que passam por ela todos os dias ela é só mais uma colina. O que é interessante, ees provavelmente viram ela várias vezes nas telas dos computadores, mas nunca pararam para ver ela quando estavam voltando do trabalho. Mas ei, ela ainda está lá.
Desde os grandes produtores de tecnologia de internet, passando pelos consumidores e indo até os órgãos reguladores, todos estão de uma certa forma preocupados.
O Instagram estabeleceu suas regras. O Whatsapp apareceu agora com uma novidade. Todos tentando regulações, chamando o Estado para participar desse processo todo. Você vê, por exemplo, o [Mark] Zuckerberg [presidente do Facebook] tentando melhorar os serviços prestados pela companhia dele, estabelecendo um debate com os órgãos regulatórios para melhorar o atendimento ao consumidor, a questão das fake news. Tudo isso é preocupação permanente de cada vez mais pessoas na sociedade global.
O que se pode fazer é isso. A permanente atenção em relação aos usos dessas tecnologias todas, a avaliação permanente dos resultados desses usos, das correções que vão sendo feitas.
É um processo contínuo?
Como sempre foi. Uma solução cria novos problemas, que demandam novas soluções.
Quem é contra regulação nas redes fala em liberdade de expressão, tema que também é caro a artistas. Como equilibrar isso?
São critérios variados e oscilantes. Uma hora tendendo a favorecer um lado, outra hora o outro.
É uma discussão permanente sobre até onde vai essa liberdade, o que é liberdade, o que não é, qual o grau de interferência tolerável por parte da regulação, onde é que realmente a liberdade está sendo ameaçada ou quando a liberdade é ameaçada por mais liberação (risos). É tudo muito complexo. Não é uma visão linear que dará conta.
Em “Cérebro eletrônico”, de 1969, o sr. diz que a máquina é muda, não chora, não anda. Será preciso atualizar a letra?
Ela vai começar a mandar em vários níveis e vai ser travada pela inteligência humana em vários outros. Isso porque, de outro lado, a configuração da biociência vai se desenvolvendo, vai dando ao cérebro humano nova profundidade, nova capacidade de expansão de seus potenciais.
A contribuição que a máquina traz é equilibrada por aquilo que na existência humana não é técnico, maquínico. Esse lado vai sempre discutir com a máquina. A máquina só vai mandar sozinha, trabalhar sozinha, se o ser humano deixar, por alguma razão.
A humanidade pode decidir em determinado momento que a gente não quer mais a bioexistência, que queremos a existência maquínica e aí entregamos tudo para a máquina. Mas, enquanto a gente apreciar essa dimensão biológica, fisiológica em que estamos, a relação com a máquina será sempre de diálogo.
Ela só vai avançar se for permitida. Essa possibilidade de desastre do tipo “2001, Uma Odisséia no Espaço”, filme em que o computador resolve matar a tripulação toda, é uma situação extrema que deve estar no mapa, no elenco das possibilidades, mas que são muito remotas, porque nós conservamos nossas condições biológicas, de nossa cognição, na nossa corporalidade. Por mais maquínicos que estejamos, nossa autonomia biológica ainda é muito forte, o projeto humano é muito forte.
Desfazer a polarização que a internet alavancou na última década é um processo muito mais difícil, porque a binaridade é própria da tecnologia. Como desenvolvedores, a gente está constantemente trabalhando em casos em que algo acontece ou algo não acontece, e desconsideramos ou “generalizamos” casos em que não é um nem outro. A arte sempre teve essa função de enxergar os cinzas entre o preto e o branco, de discutir porque um é um e outro é outro, e de onde vêm essas ideias. Acho fantástico que o Gil tá fazendo essa ponte.
A tecnologia já tá ligada demais ao nosso cotidiano pra gente tentar reduzir nossas vidas à ela. O caminho é oposto – nós precisamos começar a olhar para a transformação tecnológica de forma mais complexa e fazendo perguntas mais difíceis se quisermos continuar usando e desenvolvendo. Nas palavras do próprio Gil:
Tudo é bom e ruim. Igual copo de leite, que é muito bom para alguém em determinada circunstância, mas pode ser terrível para alguém que tenha alergia a laticínios.
Gil vai dar a palestra Caminhos para a Democratização da Tecnologia no canal da ThoughtWorks Brasil no YouTube nessa quinta, às 19h.
Ted Chiang, autor de Exhalation, o livro de contos de ficção-científica que eu estou lendo nesse exato momento, e do conto que deu origem ao filme A Chegada, em uma entrevista para o podcast de Ezra Klein (ênfases minhas):
I tend to think that most fears about A.I. are best understood as fears about capitalism. And I think that this is actually true of most fears of technology, too. Most of our fears or anxieties about technology are best understood as fears or anxiety about how capitalism will use technology against us. And technology and capitalism have been so closely intertwined that it’s hard to distinguish the two.
Let’s think about it this way. How much would we fear any technology, whether A.I. or some other technology, how much would you fear it if we lived in a world that was a lot like Denmark or if the entire world was run sort of on the principles of one of the Scandinavian countries? There’s universal health care. Everyone has child care, free college maybe. And maybe there’s some version of universal basic income there.
Now if the entire world operates according to — is run on those principles, how much do you worry about a new technology then? I think much, much less than we do now. Most of the things that we worry about under the mode of capitalism that the U.S practices, that is going to put people out of work, that is going to make people’s lives harder, because corporations will see it as a way to increase their profits and reduce their costs. It’s not intrinsic to that technology. It’s not that technology fundamentally is about putting people out of work.
It’s capitalism that wants to reduce costs and reduce costs by laying people off. It’s not that like all technology suddenly becomes benign in this world. But it’s like, in a world where we have really strong social safety nets, then you could maybe actually evaluate sort of the pros and cons of technology as a technology, as opposed to seeing it through how capitalism is going to use it against us. How are giant corporations going to use this to increase their profits at our expense?
And so, I feel like that is kind of the unexamined assumption in a lot of discussions about the inevitability of technological change and technologically-induced unemployment. Those are fundamentally about capitalism and the fact that we are sort of unable to question capitalism. We take it as an assumption that it will always exist and that we will never escape it. And that’s sort of the background radiation that we are all having to live with. But yeah, I’d like us to be able to separate an evaluation of the merits and drawbacks of technology from the framework of capitalism.