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O legado social do Nintendo 3DS

Cecília D’Alessandro escreveu um excelente post-mortem sobre o Nintendo 3DS (e os portáteis da Nintendo de maneira geral) quando o pequeno foi descontinuado no ano passado:

Hardware matters, but in the end, portable console players want to connect to each other with as few barriers as possible. The legacy of the 3DS, at least for me, is as a reminder that gaming is more than just entertainment: It’s a social network. Strangers saw each other playing their 3DSes out in the world and forged quiet (or loud), immediate connections. The magic of the Switch is that it was one of the first consoles to bring those outside connections inside—from the cafe onto your sectional couch.

Eu comprei um Nintendo 3DS com o primeiro salário do meu primeiro trabalho. Eu e meus colegas da época jogávamos Mario Kart depois do almoço e antes de começar o turno da tarde. Depois que saí da empresa para ir para a faculdade, minha jogatina com o 3DS era quase sempre sozinha. Eu jogava no trem, indo de Porto Alegre para São Leopoldo, até que comecei a perceber que outras pessoas também estavam tirando seus videogames das mochilas e bolsas para jogar. Eu nunca fiquei amigo dessas pessoas, mas visitei várias cidades em Animal Crossing: New Leaf e perdi várias brigas no Super Smash Bros.

Esse tipo de interação era bastante único dos videogames portáteis: você via que alguém estava jogando, seja no parque, no shopping ou no trem, e tirava seu videogame. Antes do 3DS, você falava com a pessoa, vocês trocavam Friend Codes e então podiam jogar juntos. O 3DS facilitou um pouco esse primeiro contato. O próprio videogame piscava uma luz verde indicando que tinha alguém por perto, o Mii da pessoa chegava na sua praça virtual e vocês eram apresentados. Você olha ao redor e encontra a pessoa que acabou de conhecer.

Eu acho que o que tornou o Nintendo 3DS tão especial para aqueles que tiveram ele foi justamente esse sentimento de culminação, de a Nintendo entender completamente o apelo de um videogame portátil que consoles de mesa e celulares não tinham: o 3DS era uma espécie de sociedade secreta que você entrava e, ao mostrar o seu portátil para os outros, era recebido com boas vindas. O StreetPass, o SpotPass, o bloco de notas e o relatório de jogos eram recursos naturais em um videogame que você jogava em qualquer lugar, nem sempre confortável o suficiente para pegar o celular com outra mão e anotar o código que você precisa digitar na próxima fase do jogo. Tudo o que você precisava para jogar no 3DS, ele oferecia.

É algo que eu sinto bastante falta no Switch, que indica que a Nintendo vê ele muito mais como um console de mesa do que um portátil. Recursos sociais são escassos nele, enquanto que eram fundamentais pro sucesso do 3DS. O Switch é superior em quase todos os sentidos, mas a Nintendo sabia exatamente o que um portátil precisava no 3DS, e o tipo de interação que um videogame portátil provocava e incentivava. Com o fim daquele pequeno videogame (e da linhagem que ele seguiu), um pouco dessa mágica se perdeu.

O legado social do Nintendo 3DS

Cecília D’Alessandro escreveu um excelente post-mortem sobre o Nintendo 3DS (e os portáteis da Nintendo de maneira geral) quando o pequeno foi descontinuado no ano passado:

Hardware matters, but in the end, portable console players want to connect to each other with as few barriers as possible. The legacy of the 3DS, at least for me, is as a reminder that gaming is more than just entertainment: It’s a social network. Strangers saw each other playing their 3DSes out in the world and forged quiet (or loud), immediate connections. The magic of the Switch is that it was one of the first consoles to bring those outside connections inside—from the cafe onto your sectional couch.

Eu comprei um Nintendo 3DS com o primeiro salário do meu primeiro trabalho. Eu e meus colegas da época jogávamos Mario Kart depois do almoço e antes de começar o turno da tarde. Depois que saí da empresa para ir para a faculdade, minha jogatina com o 3DS era quase sempre sozinha. Eu jogava no trem, indo de Porto Alegre para São Leopoldo, até que comecei a perceber que outras pessoas também estavam tirando seus videogames das mochilas e bolsas para jogar. Eu nunca fiquei amigo dessas pessoas, mas visitei várias cidades em Animal Crossing: New Leaf e perdi várias brigas no Super Smash Bros.

Esse tipo de interação era bastante único dos videogames portáteis: você via que alguém estava jogando, seja no parque, no shopping ou no trem, e tirava seu videogame. Antes do 3DS, você falava com a pessoa, vocês trocavam Friend Codes e então podiam jogar juntos. O 3DS facilitou um pouco esse primeiro contato. O próprio videogame piscava uma luz verde indicando que tinha alguém por perto, o Mii da pessoa chegava na sua praça virtual e vocês eram apresentados. Você olha ao redor e encontra a pessoa que acabou de conhecer.

Eu acho que o que tornou o Nintendo 3DS tão especial para aqueles que tiveram ele foi justamente esse sentimento de culminação, de a Nintendo entender completamente o apelo de um videogame portátil que consoles de mesa e celulares não tinham: o 3DS era uma espécie de sociedade secreta que você entrava e, ao mostrar o seu portátil para os outros, era recebido com boas vindas. O StreetPass, o SpotPass, o bloco de notas e o relatório de jogos eram recursos naturais em um videogame que você jogava em qualquer lugar, nem sempre confortável o suficiente para pegar o celular com outra mão e anotar o código que você precisa digitar na próxima fase do jogo. Tudo o que você precisava para jogar no 3DS, ele oferecia.

É algo que eu sinto bastante falta no Switch, que indica que a Nintendo vê ele muito mais como um console de mesa do que um portátil. Recursos sociais são escassos nele, enquanto que eram fundamentais pro sucesso do 3DS. O Switch é superior em quase todos os sentidos, mas a Nintendo sabia exatamente o que um portátil precisava no 3DS, e o tipo de interação que um videogame portátil provocava e incentivava. Com o fim daquele pequeno videogame (e da linhagem que ele seguiu), um pouco dessa mágica se perdeu.

A era dos videogames portáteis acabou

A Nintendo encerrou a produção de todos os modelos do Nintendo 3DS no Japão (e provavelmente no resto do mundo também). Esse é, talvez, o fim dos videogames portáteis dedicados.

O Nintendo 3DS é parte da linhagem que conseguiu manter a Nintendo relevante durante gerações de videogame que seus consoles de mesa não conseguiram competir com o PlayStation. O sucesso estrondoso do Game Boy e do Game Boy Advance durante os anos do Nintendo 64 e do GameCube foram essenciais para a empresa no início dos anos 2000, e o sucesso modesto, mas estável, do Nintendo 3DS salvou a Nintendo do fracasso do Wii U (sem falar no DS e o Wii, que venderam como água juntos no fim dos anos 2000 e início dos anos 2010).

Hoje o cenário de jogos portáteis é bem diferente, com qualquer celular sendo capaz de jogar centenas de milhares de jogos, que vão desde quebra-cabeças e Tetris genéricos até RPGs e GTA: San Andreas. É surpreendente que o 3DS conseguiu durar tanto tempo desde que foi lançado, há nove anos, porque era um videogame fadado ao fracasso em um mercado que o iPhone já tinha dominado nos anos finais do DS. A própria Nintendo seguiu em frente, pegando as lições dos portáteis e trazendo para o seu híbrido Nintendo Switch. Vai ser interessante ver como ela vai seguir em frente sem esse braço que já foi fundamental pra ela por muito tempo.

Minha relação com videogames portáteis começou relativamente tarde, mas eu sempre gostei que eles eram uma alternativa relativamente mais barata para os jogadores brasileiros que não tinham dinheiro pra comprar um console de mesa. Eu “herdei” um Game Boy Advance SP do meu primo, com The Minish Cap e Super Mario Advance, e me apaixonei pela ideia. Eu só fui ter um outro videogame portátil anos depois com o 3DS, que eu paguei com o meu primeiro salário de estagiário. Hoje, meu 3DS é meu grande backlog de vários jogos que eu quero/quis/vou jogar com o passar dos anos, já que ele oferece compatibilidade com todos os videogames portáteis da Nintendo e com jogos do SNES e do NES pelo Virtual Console. É uma pequena preciosidade que vai fazer falta — celulares não têm jogos grandiosos mas pequenos como os portáteis da Nintendo ofereciam de vez em quando, e eu não sei se eles vão ter espaço num console de mesa como o Switch.

Alguém entrou na minha cabeça, leu minha mente e fez o jogo perfeito pra mim

Eu não sei quando ou quem, mas alguém entrou na minha cabeça.

Fantasy Life é um RPG lançado para o Nintendo 3DS em 2015, e eu não sei como eu não descobri ele antes porque, caramba, eu não sei como explicar, mas esse jogo pega todas as minhas frustrações com o gênero e resolve cada uma delas. Eu tô a um ponto de distância pra dizer que esse jogo é perfeito pra minha pessoa.

Meu gosto pra jogos de videogame se desenvolveu bem tarde na minha vida. Eu não tive um videogame na infância, e o computador que o meu pai usava pra trabalhar não era muito poderoso. Grande parte da minha infância foi jogando uns jogos de aventura de apontar-e-clicar que ele sempre gostou muito de jogar, ou SimCity e o primeiro The Sims. A gente só teve um computador mais forte lá por 2007, que foi quando eu comecei a jogar jogos mais “sérios” (que tinham sido lançados vários anos antes, porque nem a pau que algo como Crysis ia rodar nele).

Em resumo, uma boa parte da minha vida foi jogando coisas simples ou simuladores, e isso teve um efeito gigante em como eu jogo videogames até hoje. Eu prefiro jogos que não se importam se eu sigo em frente devagar, ou se eu vivo desviando do objetivo principal porque eu encontrei algo mais interessante no meio do caminho. Eu também me frustro bastante se um jogo não aceita bem essas minhas disgressões e a história parece que “quebra”. Eu acabo gostando de jogos com pouca história, ou que ela se desenvolve espaçadamente (como Animal Crossing e Breath of the Wild), ou jogos com tanta história que é impossível de se desvencilhar dela (como Portal ou Kentucky Route Zero).

É aí que vive o meu problema com RPGs. Existe uma falsa “abertura” na jogabilidade da maioria dos jogos do gênero que me irrita bastante, porque são jogos com histórias longas e mirabolantes, mas estruturalmente são quase sempre a mesma coisa: você vai de uma cidade à outra — que é onde a história acontece, porque você interage com outros personagens — e no meio do caminho você precisa ficar grindando de nível pra poder batalhar com um chefão que você vai encontrar a seguir. Como eu sou um jogador inexperiente em praticamente tudo, eu odeio combates de maneira geral, e evito sempre quando eu posso. Só que em RPGs eles são a única maneira de você seguir em frente, e você precisa ficar batalhando um monte pra aumentar de nível e de experiências pra conseguir progredir com as histórias.

Em Octopath Traveller, por exemplo, se eu escolho ser uma mercante eu atravesso um bosque e a primeira coisa que me aparece é um monstro. Eu não posso ir lá e, sei lá, vender algo que eu tenha em mãos pra ele. Eu preciso batalhar com ele. Eu tenho uma sacola de compras na mão, e do nada ela se transforma numa espada. Eu sempre fiquei meio frustrado com isso, porque RPGs geralmente são os jogos com as histórias mais mirabolantes do meio, e eu me sinto por fora da maioria por causa disso. Se jogos fossem livros, Half-Life seria um daqueles virador-de-páginas que a gente compra no aeroporto; mas, sei lá, Final Fantasy IV seria um Guerra e Paz e, meus amigos, eu quero muito ler Guerra em Paz, esses novelões gigantes com centenas de personagens. Eu amo!

É aí que entra a mágica de Fantasy Life. Ele pega esse fator mais limitador da maioria dos RPGs e dá uma bela mexida, adicionando mecânicas de simuladores como Animal Crossing e The Sims. Ao invés de você ser um guerreiro — ou um arqueiro, ou um mago, ou um ninja, ou um cavaleiro, sei lá — indo salvar o mundo, Fantasy Life deixa você escolher entre doze vocações bem diversas. Os cavaleiros e mágicos e arqueiros estão lá, mas você também pode ser cozinheiro, mineiro, e até alfaiate! É exatamente o que eu sempre quis, poder jogar essas histórias intrincadas dos RPGs podendo realmente fazer as ações da classe que eu escolhi. Eu decidi ser um pescador, por exemplo, e estou evoluíndo de nível pescando peixes e vendendo eles no mercado.

Isso faz com que o jogo evolua em velocidades diferentes pra cada jogador, mas eu não tenho problemas com isso. Pelo contrário, acho que isso faz Fantasy Life se tornar ainda mais especial, porque usa aquilo que é bem específico dos jogos em si — a necessidade do jogador fazer escolhas.

Uma das coisas mais bacanas que Fantasy Life faz, também, é me apresentar com maior delicadeza às mecânicas mais clássicas do gênero. Depois que eu domino a minha vocação inicial, eu posso ir no sindicato (!) do reino (!!) e decidir começar uma nova profissão (!!?). Eu posso escolher entre aquelas doze vocações de novo e misturar minhas habilidades de uma vocação com a outra pra continuar a história. Se você escolhe ser um mineiro, por exemplo, você vai na mina escavar pedras, e se você depois decide ser ferreiro, você pode forjar ferramenta, armas e armaduras. Daí você decide ser um cavaleiro, e pode fazer suas próprias armas com suas próprias mãos. É muito bacana!

Fantasy Life me impressionou um monte porque, pra é um RPG com uma história relativamente curta, mas que ganha escopo justamente na forma que o jogador joga. Ao invés de você viajar o mundo como nos Final Fantasy da vida, você fica só aos arredores do reino, explorando ele de maneiras diferentes conforme você aprende uma vocação e evolui de nível e mistura suas habilidades entre vocações. É tão repleto de conteúdo (e a localização da Nintendo Treehouse não decepciona), que me fez gostar de aprender combater. Vai ver esse é o jogo que vai me ensinar a gostar dos RPGs mais clássicos, no final das contas?