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Uma breve anotação sobre fantasmas

Eu acho que o que eu mais valorizo na arte é o poder que a melhor arte tem de me fazer sentir ser parte do mundo, de algo maior, como uma experiência comunal mesmo – isso, feito por uma outra pessoa, existe entre mim e ela, e me faz lembrar que existe muita coisa ao meu redor.

É tipo uma experiência de sonho, de sair do próprio corpo e se enxergar ao redor do mundo. acho isso muito mágico e muito bonito. Mas tem algumas que fazem isso e não só me deixam ver o lugar, mas também o tempo.

Tem uma parte em Kentucky Route Zero que faz isso. me faz pensar que a gente pisa nos ossos das pessoas que viveram aqui antes da gente, e vamos ser o chão onde o futuro vai pisar.

Quando você para para olhar o mundo assim, através do tempo e não só do lugar. Eu olho para meu cobertor e lembro que minha avó costurou ele. Eu olho para a casa do meu vizinho e lembro que ele cortava a grama toda a semana, até um dia que sofreu um acidente e mudaram ele para um asilo.

Acho bonito que somos “assombrados” pelos fantasmas das pessoas que nos tocaram. Eu penso no canto do meu quarto que, não importa o quanto eu limpe, ele sempre vai mofar no final do mês de junho, quando a chuva não para de cair. Um dia eu não vou mais viver nessa casa, nem nesse quarto, mas alguém vai se irritar com esse mesmo pequeno detalhe.

Um dia vamos assombrar os lugares que a gente viveu também.

Como eu organizo o que eu vou assistir

Até pouco tempo atrás, eu não precisava muito me organizar pra assistir filmes ou séries. Eu fazia isso meio que instintivamente. Se eu acordasse cedo o suficiente, eu podia assistir um episódio de uma série enquanto tomava meu café da manhã, e eu conseguia encaixar uns dois filmes depois do trabalho e antes de dormir.

Escrevendo isso agora eu fico pensando que loucura era aquela, mas eu consegui manter esse “ritmo” por uns anos. Mas hoje em dia eu não consigo mais. Eu acho que o isolamento social tá tornando cada vez mais difícil que eu me focar em algo — imagina, sentar só pra ver um filme! Mas eu também tô tentando ser uma pessoa com hábitos mais saudáveis, e a diversificar um pouco a minha “rotina cultural”, digamos assim. Quando eu arranjava tempo pra assistir tudo que é filme ou série, eu acabava me dedicando muito pouco a ler os livros que eu queria, e eu gostava muito de ler! Eu também não jogava tantos jogos que eu queria, e acumulava coisas na minha biblioteca do Steam.

Quando eu percebi que eu queria voltar a ler mais, eu comecei a tentar encaixar a leitura na minha rotina (isso tem sido um tema frequente na newsletter desde maio do ano passado). Mas só tentar encaixar não foi o suficiente, porque parece que o meu nível de atenção e de “disponibilidade emocional” mudou. Eu não consigo assistir The Americans, jogar Alien Isolation e depois ir para cama e continuar lendo meu livro de contos, por exemplo. Parte do meu processo de absorver cultura, hoje em dia, é justamente ter um tempo para digerir ela. O que significa que eu precisei espalhar ela pela semana, e não ficar tentando encaixar o máximo possível em um só dia.

Em contrapartida, tinha dias que eu sabia no que eu queria me dedicar (por exemplo, ver um filme na noite de quarta-feira), mas ficava muito tempo passeando pelos catálogos da Netflix, da Amazon ou sei lá mais do quê, até que a vontade desaparecia e eu ia dormir triste porque queria ter visto um filminho. Ou eu me pegava num loop onde eu só conseguia rever Community e Gilmore Girls, e deixava um monte de série bacana para trás.

Eu acho que é sinal da idade. Talvez seja. Talvez eu vou acabar ficando cada vez mais insuportável conforme eu vá envelhecendo, tendo que organizar minha rotina ainda mais, mas esse é o jeito que eu encontrei de fazer um pouquinho a cada dia, de não ficar naquela ânsia de querer assistir algo, mas gastar todo o curto tempo que eu tenho antes de dormir escolhendo o que eu quero assistir1 não é uma opção que me deixa feliz.

Então eu elaborei um cronograma, que é mais ou menos esse que tá aqui embaixo. Ele é bem aberto em partes, mas rígido onde eu preciso: eu tenho pré-definido o que eu vou assistir e quando eu vou assistir, e não superestipula minha semana. Pode ter um dia que eu vá ter um mal dia, então eu posso só relaxar e rever Succession. Mas isso não pode ser frequente, porque senão eu entro nesses loops perigosos. E eu me conheço bem, um loop perigoso é desculpa para eu comer bobagem e ir dormir tarde. Eu vou me sentir horrível no outro dia se eu fizer isso por uma semana inteira.

Mas ele também me libera nos fins de semana: como eu já vou ter lido durante a semana e vou ter progredido na porra do RPG de 90 horas que eu teimei em querer jogar, eu posso sentar e ver todos os filmes que eu quis ver durante a semana e que eu lembrei de ter posto na minha watchlist do Letterboxd. Eu não consigo assistir mais que dois filmes por noite antes de dormir, mas geralmente são filmes que eu queria muito assistir. A qualidade vence a quantidade.

Esse é o meu cronograma atualmente. Ele provavelmnte vai mudar conforme as séries que eu tô assistindo forem terminando (o último episódio da temporada de For All Mankind foi nessa última sexta) ou forem estreando (tudo vai mudar quando a terceira temporada de Succession estrear). Mas, por enquanto, ele tá assim:

  • Entre segunda e quinta-feira: dependendo do dia, assisto um episódio de série (atualmente: Succession), mas só um por semana. Eu tento dar prioridade para um jogo mais longo — RPG ou aventura (atualmente: Alien: Isolation e Mother 3) — e, antes de dormir, ler meu livro (atualmente: Exhalation e Ask Iwata).
  • Sexta-feira:
    • Durante a janta: episódio de série (1h, até semana passada: For All Mankind)
    • Depois: noitada de filmes!
  • Sábado:
    • Durante a janta: episódio de série (1h, atualmente: The Americans)
    • Depois: noitada de fimes!
  • Domingo:
    • Manhã: um filme da Agnès Varda
    • Noite: dobradinha de séries (30min, atualmente: Barry; 1h, atualmente: Mare of Easttown)
  1. Uma reação colateral desse momento em que eu fico passeando pelos apps de streaming é que, se eu recebo uma notificação do Twitter ou do Instagram enquanto eu tô escolhendo o que eu vou assistir, a chance que eu perca ainda mais tempo preso na timeline por motivo algum é muito maior. 

Uma ponte pra cada situação

Neremiah Mabry é um professor e um engenheiro de estruturas, e nesse vídeo para a revista Wired ele explica cada tipo diferente de ponte e qual situação ela é usada.

Me fez lembrar que eu tinha um medo incomum de pontes quando eu era criança. Quando meus pais me levavam para Porto Alegre e eu via a Ponte do Guaíba eu ficava muito nervoso. Hoje em dia tem uma ponte ainda maior ao lado dessa, mas eu não tenho medo.

Como nossos hábitos alimentares mudaram na pandemia

Ontem de noite eu resolvi dar uma lida nos artigos da minha lista de leituras e me deparei com esse artigo do The Atlantic sobre as mudanças dos hábitos alimentares durante o isolamento social.

Tem vários detalhes bacanas nesse artigo. A autora, Amanda Mull, contextualiza a ideia das “três refeições”, que começou a existir junto com a industrialização e o fato de que as pessoas tinham que sair de casa para trabalhar — fazendo com que a janta fosse a principal refeição familiar, já que os pais estavam fora durante o dia; e como a mesma industrialização criou a ilusão da necessidade do café-da-manhã como uma refeição essencial.

Meu detalhe favorito, porém, é todo o motivo pelo qual Mull escreveu o artigo. Ela começa comentando como seus próprios hábitos alimentares mudaram na pandemia. Ao invés de almoçar e jantar, a autora diz que faz apenas uma grande refeição o dia todo — o que ela chama de Big Meal, o que eu chamo de pratão. Ela também busca por pessoas que desenvolveram outros hábitos alimentares estranhos: pessoas que pararam de fazer refeições em momentos específicos e começaram a comer pequenas porçòes durante o dia; ou uma pessoa que finalmente teve tempo suficiente no dia para fazer as três refeições, por exemplo. E essas mudanças não fazem mal. Mull lembra que o o nosso corpo se adapta às necessidades do nosso cotidiano, e a forma como ele requer comida é uma dessas adaptações.

New or worsening food compulsions, such as eating far more or far less than you used to, are cause for alarm. But what’s not cause for alarm, Larkey said, is adjusted eating patterns or mealtimes that are more useful or satisfying in the weird, stressful conditions people are now living in. “We’re really not taught that we can trust our body’s cues,” she told me. “It can feel so destabilizing to have to think about them for maybe the first time ever.”

In some of the new routines created to make the past year a little less onerous, it’s not hard to see how life after the pandemic might be made a little more flexible—more humane—for tasks as essential as cooking and eating. For now, though, go ahead and do whatever feels right. There’s no reason to keep choking down your morning Greek yogurt if you’re not hungry until lunch, or to force yourself to cook when you’re bone tired and would be just as happy with cheese and crackers.

Eu senti meus hábitos alimentares mudando logo que o isolamento social começou, em março do ano passado. Eu fui perdendo a vontade de comer de noite porque eu comecei a acordar cada vez mais cedo, e eu nem sempre sentia fome no horário do almoço. Minha fome aparece ali pelas 14h, 15h, e desaparece até o dia seguinte. Como meu horário de almoço é às 12h, eu costumo comer algo nesse horário para puxar o apetite, mas minha rotina ideal seria ter um horário de almoço no meio da tarde. Eu ainda “janto”, mas na ocasião específica de ser dia de jantar pizza. É uma exceção obrigatória. De resto? Um sanduíche ou um ovo mexido resolvem.

Alguém criou um exercito de corvos (e eles salvaram uma vida)

Das coisas boas demais pra ser verdade: uma pessoa começou a dar comida para os corvos da vizinhança, e eles se tornaram “leais” à ela. O número de corvos cresceu e eles começaram a defender a casa da pessoa de “intrusos” (suas visitas). A história é genial:

A couple months ago, i was watching a nature program on our local station about crows. The program mentioned that if you feed and befriend them, crows will bring you small gifts. My emo phase came back full force and i figured that i was furloughed and had lots of time- so why not make some crow friends.

My plan worked a little too well and the resident 5 crows in my neighborhood have turned into an army 15 strong. At first my neighbors didnt mind and enjoyed it. They’re mostly elderly and most were in a bird watching club anyway. They thought the fact that i had crows following me around whenever i go outside was funny.

Lately, the crows have started defending me. My neighbor came over for a socially distanced chat (me on my porch her in my yard) and the crows started dive bombing her. They would not stop until she left my yard.

/u/crane contou essa história em um subreddit especializado em “aconselhamento jurídico”, questionando se ela seria responsabilizada caso os corvos atacassem alguém. O tópico é divertido por si só, e o conselho escolhido foi sobre como ensinar os corvos a se comportar:

They are resource guarding. To stop them from attacking people, ask guests to bring shiny objects or food scraps to the murder of crows as an offering. You could also supply your guests little baggies of treats for them to offer up. If they dive bomb someone don’t give them food for 24 hours. If they are nice to a guest, give them a high value treat to reinforce positive behavior. Advice from my partner, she was a field biologist that is published in biology/ornithology.

O tópico fez tanto sucesso que /u/crane postou uma atualização sobre como os corvos acabaram salvando a vida de um de seus vizinhos:

The plan worked and the crows are now a beloved part of the community. There have been no recent dive bombings.

Most amazingly, the crows may have legitimately saved my neighbor. Our city had a pretty big ice and snow event recently. Like i said in my last post, most of my neighbors are older. One of my neighbors was walking down his steep driveway, slipped, and couldnt get back up.

The crows started going ballistic and were making more noise than we have ever heard. A different neighbor went outside to see what was up and found the gentleman in his driveway. Neighbor is mostly ok! Just some serious bruises.

De vez em quando a internet consegue ser boa demais.

Tijolos de restos plásticos são mais fortes que os de concreto

Eu tava precisando de uma boa notícia essa semana, e olha só essa: uma jovem chamada Nzambi Matee começou uma empresa que fabrica pavimentos feitos com restos plásticos que são mais fortes, duráveis e baratos do que os feitos com concreto. Ainda por cima, ajudam a reduzir um tipo perigoso de poluição que permanece muito tempo no planeta. Pelos seus esforços, Matee foi honrada pela ONU:

Each day, the business churns out 1,500 plastic pavers, which are prized by schools and homeowners because they are both durable and affordable. Gjenge Makers is also giving a second life to plastic bottles and other containers which would otherwise end up in landfills or, worse, on Nairobi’s streets.

“It is absurd that we still have this problem of providing decent shelter – a basic human need,” said Matee. “Plastic is a material that is misused and misunderstood. The potential is enormous, but its after life can be disastrous.” […]

“We must rethink how we manufacture industrial products and deal with them at the end of their useful life,” said Soraya Smaoun, who specializes in industrial production techniques with UNEP. “Nzambi Matee’s innovation in the construction sector highlights the economic and environmental opportunities when we move from a linear economy, where products, once used, are discarded, to a circular one, where products and materials continue in the system for as long as possible.”

Via Colossal, que tem imagens lindas de como Matee e sua equipe pavimentaram os arredores de uma escola.

Eu ganhei uma escova de dentes de Natal

Meus pais me perguntaram se eu tava precisando de algo esse ano pra que eles pudessem me dar de presente de Natal. Faz uns anos já que eu nunca preciso de nada (eu tenho um trabalho, pais!), mas sempre lembro de um jogo que eu quero comprar ou de uma edição de colecionador de um filme que eu encontrei por aí e essa é geralmente a oportunidade perfeita de não desperdiçar meu dinheiro nesse tipo de coisa.

Eu não tinha nada pra pedir, então dei aquela mentira de que não precisava de presente embora soubesse que se eu não ganhasse nada no dia 24 de dezembro eu ia ficar ofendido. Na noite de véspera de Natal, que é quando a gente troca os presentes aqui em casa, minha mãe me surpreendeu com uma escova de dentes.

Eu não esperava. Escova de dente é aquele lance que eu esqueço de comprar no mercado e acabo usando a mesma por meses a fio até o ponto em que a minha gengiva começa a sangrar porque as cerdas tão uma pra cada lado e duras como espinho. Quando eu tô que não consigo falar, eu vou no mercado e compro a escova de dentes mais barata que eu encontro. Não que eu não dou bola pra minha higiene bucal, eu dou! Escovar os dentes e limpar a boca é um ato religioso pra mim, com horário marcado e duração mínima estipulada, mas eu não quero gastar 35 reais na escova de dentes da Colgate que tem um cabo antiaderente ou coisa e tal.

Enfim, eu gostei da surpresa. Eu gosto de presente simples e criativo, como uma escova de dentes. Mas eu não tava esperando que essa escova de dentes ampliasse meus horizontes sobre o que é conforto. Meus amigos, eu tô no céu. Pra quem dá importância para aqueles minutos que tu fica com um pau na boca com uma pasta de sei-lá-o-que sendo espalhada pelos seus dentes todos os dias, se sentir confortável escovando os dentes é essencial. Deixa eu mostrar a dita cuja:

Escova de dente

E aqui, um close das cerdas macias e perfeitas, que eu sinto abraçarem meus dentes para massagear com a pasta de dentes:

As cerdas da escova de dentes

Pelo que diz na caixa, o nome dessa escova é “Powerdent Eco Care Light”. Ela é bem light mesmo, é levinha de segurar e o cabo parece ser feito de algum material verdadeiro, não de plástico. Madeira, ou carvão, algo assim. E as cerdas, meus amigos. À primeira vista eu achei que ela era pequena demais, mas quando eu usei pela primeira vez ela me surpreendeu, indo em lugares onde as outras escovas jamais foram, preenchendo cada espaço que antes eu precisava fazer malabarimos para encontrar.

É aquele tipo de presente que você agradece (literalmente) todos os dias por ter ganho. Todos os dias eu lembro como minha vida ficou melhor depois daquela estranha noite de 24 de dezembro de 2020, o dia em que eu ganhei uma escova de dentes de Natal.