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O problema de Lane Kim em Gilmore Girls

Emily VanDerWerff é uma das minhas escritoras favoritas. Ela escreve sobre TV, sua história e suas dinâmicas, como ninguém, e o melhor, ela te faz entender o que funciona e o que não funciona em uma série de TV. Como as melhores críticas e ensaístas, VanDerWerff põe em palavras aquilo que a gente sente quando assiste algo.

No volume dessa semana da sua newsletter Episodes, VanDerWerff finalmente fala sobre o momento que, pra mim, é o mais importante em Gilmore Girls: quando a relação de Lane com sua mãe finalmente explode, e como Gilmore Girls não consegue tratar esse momento com o cuidado que ele merece:

Truth be told, I don’t think I could have told you what I hated about this storyline until my friend, Cassie, watched the entirety of the series over the past few months. Cassie’s viewing of the series immediately clarified for me what bugged me so much about this storyline: Once — just once — I wanted the show to take Lane’s desperation to live a life free from her mother’s influence as seriously as Lane did.

If the series were going to have a moment when it took Lane’s life seriously, it would have been somewhere in this season four storyline. That season is perhaps the show’s best, as it slowly but surely brings lots and lots of chickens home to roost, one of those being Lane’s long hidden secret life. Gilmore Girls excels at telling serialized stories where lightly comedic kookiness covers up something far bleaker, then at switching itself up tonally, so the bleakness breaks out and oozes over the comedy. Season four is the series’ best at this sort of tonal whiplash, particularly in its second half.

And for at least a little bit, Gilmore Girls takes Lane seriously in this storyline. The scene where Mrs. Kim kicks her daughter out of her house is a heartbreaking one, and the moment when Lane shows up at Rory’s door is, too. It feels like something the series has been building to for years and years — Rory and Lane, trying to shake off the influence of their mothers and making their way in the world.

Lane é a minha personagem favorita de Gilmore Girls, junto com Emily, porque as duas são as personagens mais bem exploradas até certo ponto, quando a série decide que se continuar cavando as dores e as frustrações delas, pode acabar respingando no carisma de suas personagens principais. Simpatizar muito com Emily pode tirar a coragem de Lorelai de viver fora das garras da mãe; observar como Lane tenta sair do relacionamento abusivo com sua mãe mas vê que Rory já está muito distante da sua realidade daria muito mais peso às dinâmicas de classe da série, algo que GG sempre preferiu tratar com muito mais sutileza e nuance.

Mas, como VanDerWerff escreveu na newsletter, Lane deixa de ser uma Lorelai 2.0 e se transforma em alívio cômico, e é a falta de seriedade com que a série (!) trata Lane a partir da quarta temporada que machuca bastante. Gilmore Girls sempre foi excelente em observar como relações íntimas, como as familiares e as amizades, podem ser abaladas para sempre mesmo que continuem existindo de alguma forma. Porém, Lane e a Sra. Kim não desenvolvem uma relação repleta de cicatrizes como a de Emily e de Lorelai — assim que sua mãe a visita em sua nova casa, as duas voltam à mesma dinâmica de antes (o que piora ainda mais na sétima temporada).

Enfim… Gilmore Girls? A melhor série já feita, tão boa que quando falha, falha por excesso de carinho.

Ainda bem que Gilmore Girls existe

As coisas tão meio quietas por aqui, mil desculpas por isso. Eu queria ter mais inspiração do que escrever ultimamente, mas eu ando bastante cansado do trabalho e decepcionado que eu não tô conseguindo escrever o projeto de mestrado que eu tô tentando escrever. Eu demorei mas eu tô começando a sentir os efeitos de se sentir sozinho por muito tempo e isso não tá fazendo bem pra minha cabeça.

É nessas horas que eu lembro que Gilmore Girls e amigos, ainda bem que Gilmore Girls existe. Eu tinha parado de rever — depois de passar uns três ou quatro anos revendo infinitamente, terminando e recomeçando a série —, mas na última semana eu fiz meu check-in em Stars Hollow de novo. Essa não é a melhor série já feita, mas é a melhor série já feita.

Eu tô indo com mais calma dessa vez. Ao invés de assistir vários episódios por dia, eu tô assistindo um episódio por semana. Eu tô no segundo episódio, em que Rory, a filha da Lorelai, começa na nova escola particular. Esse é o evento que faz a série começar: Lorelai é filha de dois magnatas da alta sociedade americana, mas ela nunca conseguiu aceitar o estilo de vida que todo aquele dinheiro e poder demandava. Lorelai engravidou cedo, pra desgosto dos pais, e logo depois do nascimento da filha decidiu largar a escola e fugir para uma cidadezinha no interior, onde ela encontrou um lar. A Rory cresce e se torna uma daquelas crianças prodígio — inteligentíssima, e o sonho é se tornar ainda mais inteligente —, e acaba conseguindo uma vaga numa escola prestigiada e cara. Lorelai não tem dinheiro pra oferecer essa educação pra filha, e acaba tendo que fazer um acordo com os pais: eles emprestam o dinheiro para a educação de Rory, e ela vai todas as sextas-feiras jantar na casa deles.

E é isso. Gilmore Girls não é uma série de grandes eventos. A primeira temporada tem uma fórmula bem simples: nós acompanhamos o dia-a-dia das garotas Gilmore, e eventualmente elas vão para a casa dos pais da Lorelai, onde o conflito geralmente surge/explode. Emily, a matriarca da família, tem uma visão de vida muito diferente da de Lorelai, e todos os conflitos mal terminados ou absorvidos durante os anos tendem a vir à tona quando a rígida Emily e a instintiva Lorelai se deparam. Sendo mãe e filha, as duas se conhecem mais do que gostariam, o que pode criar momentos realmente bonitos de conexão entre duas pessoas muito diferentes; ou momentos dolorosos em que elas se machucam de maneiras imperdoáveis.

A dinâmica familiar dos Gilmore é um dos pontos altos dessa série. A criadora Amy Sherman-Palladino ficou conhecida pela sua potência em criar diálogos inspirados e afiados, cheios de referências e humor (reza a lenda que os roteiros dos episódios chegavam a ter 70 páginas, quando o normal é 45, porque os diálogos precisavam ser lidos com o dobro da velocidade normal). Mas ela é uma grande dramaturga também. A complexidade emocional que vai se criando em Gilmore Girls é sutil e poderosa, que explora os machucados geracionais que uma mãe rígida como Emily pode causar numa filha, ou como uma mãe-melhor-amiga como Lorelai pode acabar causando em Rory. A autora consegue sempre visualizar o que se perde quando Lorelai e Rory brigam (são momentos raros, mas dolorosos sempre), como se uma porta se fechasse com algum assunto que mãe e filha entendem que nunca mais vão poder compartilhar.

Mesmo assim, essa série é um conforto de se assistir. Muito do charme de Gilmore Girls existe porque Lorelai encontrou um lar e uma família adotiva em Stars Hollow. Se um dos grandes arcos da série é Rory percebendo que o lar que a mãe criou não é o lar que ela gostaria de viver, Gilmore Girls só consegue fazer esse arco funcionar tão bem como ele funciona porque a cidade é muito bem construída. É um apanhado de clichês, onde sempre há um evento na praça da cidade onde todos se encontram. Alguns são clássicos, como o dia das bruxas ou a páscoa, mas outros — como o campeonato de dança de 24 horas, do meu episódio favorito, ou a exposição de obras vivas — são inspiradíssimos.

É por causa de Stars Hollow que a série é tão boa de assistir, principalmente quando as coisas tào ruins do lado de cá. No segundo episódio, Lorelai se desentende com a mãe em mais uma briga cansativa, e Rory descobre que ela não é inteligente assim. É um episódio de pequenas derrotas, onde elas acabam um pouco pra baixo, e não tem muita solução — Emily não morreu, e Lorelai precisa ver ela semana que vem; Rory vai precisar estudar muito mais pra conseguir pegar o ritmo da nova escola. Mas o episódio não termina com nada inspirador. Ele termina com Lorelai, Rory e Lane comendo pizza enquanto passeiam pela praça da cidade conversando sobre todas as derrotas que tiveram naquele dia. Elas estão cansadas, com as mãos engorduradas, mas ali em Stars Hollow elas são amadas e estão protegidas. Os problemas vão poder esperar até amanhã. Esse restinho de dia ainda pode valer a pena.