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Histórias de fantasmas

Os filmes de Andrew Haigh são repletos de ausências, de pessoas que não fazem mais parte da vida dos personagens que acompanhamos. Por todas as cenas de 45 Anos, Kate percebe o quanto o “fantasma” da ex-namorada de seu marido assombrou sua vida, décadas depois de sua partida. O clímax de Weekend acontece quando Russell consegue falar para Glen algo que ele queria muito falar para seus pais, que nunca conheceu; e o último segundo de Charley em A Rota Selvagem é com ele finalmente olhando para trás, se deparando com o luto que ele fugiu no filme inteiro — tanto da morte de seu pai quanto de seu amigo.

Então parece natural que Andrew Haigh finalmente tenha feito uma história de fantasma no seu belíssimo Todos Nós Desconhecidos, em que um roteirista começa a visitar a casa em que cresceu e acaba encontrando nela seus pais, mortos em um acidente de trânsito quando ele tinha doze anos. Não surpreende, inclusive, a naturalidade com que Haigh filma esses encontros — a estranheza não está na forma, mas na falta de jeito que um filho adulto tem de falar com seus pais depois de um longo período de tempo. Os fantasmas finalmente dominaram o cinema de um diretor fascinado pela influência deles em seus personagens.

O que difere Todos Nós Desconhecidos dos filmes anteriores de Haigh, porém, não é apenas em olhar diretamente para esses fantasmas, ao invés de observá-los agir na sombra da vida de seus personagens. O protagonista, Adam, é assombrado pela ideia de seus pais em sua cabeça, pela ausência e tudo o que não foi dito ou não compreendido entre eles enquanto eles estavam vivos, enquanto eles eram uma família.

A cada encontro, seus pais conhecem um pouco de quem Adam se tornou, mas ele também tem a oportunidade de saber um pouco mais sobre eles como pessoas completas — o que sua mãe achava de seus avós, ou o que seu pai pensava sobre sua mãe. É um marco no nosso amadurecimento, parar de enxergar nossos pais como partes de nós para vê-los como as pessoas que são, com suas falhas e fissuras, manias e humores. Haigh monta com tanta habilidade essas relações que você consegue perceber rapidamente, mesmo em uma conversa entre vivos e mortos, que muito fica não dito entre eles.

Não existe paz na melancolia de encontrar, em nossos sonhos, os os fantasmas de pessoas que amamos. Eles não nos confortam, nem resolvem nada em nosso íntimo saber que uma parte deles ainda está em nós. Se tudo, esses encontros esvoaçados — que Haigh traduz tão bem aqui em planos lânguidos, filmados através de espelhos ou de janelas — trazem saudade, e a incerteza do que essas pessoas pensariam de nós se nos conhecêssemos como somos agora. Sentir a ausência deles só reforça aquela sensação de que estamos, de fato, sozinhos nesse mundo.

Todos Nós Desconhecidos inverte os papeis dessas histórias no cinema de Haigh. Agora, essas ausências são o norte do filme, enquanto a relação entre Adam e seu vizinho, Harry, é construída às margens dessas visitas do roteirista aos fantasmas de seus pais. Como Adam, Harry é uma pessoa solitária, com muito não dito para as pessoas que já foram próximas a ele. Resta aos dois tentarem, entre eles, retribuir um pouco do conforto que não sentiram em lugar nenhum.

Haigh filma essa história de amor com uma melancolia e um melodrama que eu nunca vi no cinema dele até então — seus personagens estão sempre refletidos em superfícies, como se estivessem semitransparentes, se unindo à arquitetura do prédio distópico em que vivem. Eles ganham corpo no toque um do outro, na intimidade que compartilham. Até mesmo os fantasmas ficam mais físicos quando Adam troca um abraço com seu pai, ou deita na cama ao lado da mãe.

E é tão lindo ver como Adam percebe como esse seu luto o isola do mundo mais do que os seus fantasmas o isolaram. Não é por causa deles que ele sente essa solidão — pelo menos, não a que ele sente agora. Mas talvez, ao aceitar o vazio que existe em si, Adam finalmente possa se sentir completo, e possa olhar e abraçar a pessoa ao seu lado. Todos nós estamos sozinhos nesse mundo, de certa forma. Mas tudo o que podemos fazer é enxergar o próximo em sua próxima solidão, e ajudá-lo a enxergar que estamos juntos nesse desconhecido. Sortudos, todos nós.

Ondas da memória — a beleza dilacerante de “Aftersun”

O que eu lembro da minha avó é o jeito que ela repousava a sua mão pesada e dura nas minhas costas enquanto eu dormia, e me massageava gentilmente até eu acordar com a voz profunda dela entoando uma canção. Essa memória — dessa específica manhã, mas também de todas as manhãs que ela estava na casa dos meus pais durante a minha infância — é tudo o que eu tenho da minha avó, que partiu no dia do meu aniversário quando eu tinha dez anos, e que mesmo assim teve uma influência profunda em minha vida.

Até hoje, eu durmo de bruços. Mesmo depois de um médico me explicar que dormir assim é horrível para a sua coluna e para a sua respiração, e para o descanso que você supostamente deveria estar tendo. Mas eu não consigo evitar. Em algum lugar do meu cérebro, as memórias de minha avó chegam ao meu corpo quando eu vou dormir, e eu lembro dela me acordando em um dia de aula há mais de duas décadas. É tudo o que eu tenho dela.

Memórias fazem parte de nós da maneira mais íntima e misteriosa. É como aprendemos, como quantificamos nossa vida. Pode nos destruir ou nos salvar. Memórias podem mudar de forma conforme vamos vivendo. Algumas são esquecidas. Outras parecem continuar vívidas em nossas mentes. Mesmo que sejam, na verdade, apenas visuais nebulosos de um sentimento.

Essa natureza das memórias, mantidas como a mais pura expressão de nossos sentimentos, é perfeita para o cinema — que são, em essência, imagens em movimento como nossas memórias e nossos sonhos. Nos melhores filmes, essas imagens são capazes de moldar nossos sentimentos, como nossas memórias, em uma experiência quase sobrenatural. Mas filmes sobre memórias são difíceis de serem feitos, porque filmes são dirigidos, um meio “proposto” em que tudo é planejado e ensaiado e filmado. É quase impossível de capturar a qualidade fugidia das memórias.

Só no ano passado, três filmes tentaram capturar essa sensação de uma peça de memória. Dois são de grandes diretores, com Steven Spielberg examinando sua infância e seu relacionamento com seus pais no lindo e mágico Os Fabelmans; e James Gray observando as raízes profundas do seu privilégio e de seu modo de ver o mundo no desolador Armageddon Time.

Mas é Aftersun, da estreante Charlotte Wells, que usa suas memórias da infância com seu pai para fazer um filme com a mesma sensação que é se lembrar de algo assim, que captura o que é lembrar de alguém que não existe mais. Ao menos em uma forma física.

Aftersun começa com Sophie, uma mulher no início dos trinta, olhando para as fitas-cassete de uma viagem com seu pai, Calum, para a Turquia. Não é um início fácil de decodificar: nós só vemos Sophie como um reflexo numa tela de TV enquanto as fitas estão sendo rebobinadas.

É no passado que a maior parte de Aftersun se passa, quando Sophie — então uma garota de onze anos — está começando a mostrar interesse na vida adulta. Ela tem curiosidade sobre a intimidade entre os jovens que estão hospedados no mesmo hotel, e tem uma leve ideia da dificuldade financeira pela qual seu pai está passando. Mas o que Sophie não consegue enxergar direito, muito porque ela é muito nova para entender a frustração e o vazio da vida adulta e porque seu pai a protege, é o estado mental de Calum. E é isso o que Sophie adulta está tentando entender. Ela é, afinal de contas, em uma idade próxima a de seu pai, e a mãe de um bebê.

Em filmes assim, você geralmente espera por um grande momento catártico de confronto entre a criança e seus pais, que pode ou fortalecer ou destruir seu relacionamento. Mas Aftersun aborda esse relacionamento em seus próprios termos. Não há dúvida que Calum ama sua filha, nem que Sophie ama seu pai. Mas Sophie não consegue remover uma certa distância que existe entre ela e Calum. Ela é uma criança honesta e espirituosa, desejando que seu pai compartilhe com ela seus pensamentos da mesma forma que ele pede que ela o faça.

Não há um conflito em Aftersun. Suas cenas perduram, criando lentamente uma maré emocional, com planos dos restos de jantar, de paragliders no céu, ou da lama em uma piscina, pontuando o que parece ser uma narrativa banal. Calum e Sophie na piscina, ou comendo o jantar, ou falando sobre o céu. Mas Wells e seu time deixam essas imagens continuar mesmo quando uma cena normalmente terminaria, perdurando em um quarto vazio depois que eles saem, ou na piscina que eles vão mergulhar.

Parece inconsequente, até que o filme começa a acumular esses momentos e você se dá conta de que talvez essas sejam as últimas memórias de Sophie com seu pai, e você começa a entender porque ela — que não está mais somente assistindo vídeos daquele lugar, mas lembrando de coisas que nunca foram filmadas — se mantém nesses detalhes, procurando por pistas que seu pai talvez tenha deixado: um cartão postal que ele deixou, as marcas no espelho, o modo como ele olha para ela enquanto ela canta um parabéns…

Essas pistas começam a se acumular como uma foto sendo revelada aos poucos, até tomar forma, e Aftersun representa essa busca de sua protagonista por compreender seu pai de uma maneira mais metafórica, no que parece ser uma festa. Esses momentos que ela e seu pai compartilharam começam a ficar nebulosos; seus detalhes, escassos. Ao mesmo tempo, nós queremos que eles fiquem juntos, que não desperdicem um segundo sequer. Nós sabemos que eles vão, que eles não conseguirão. É assombrador, porque é real.

O que Aftersun tem de clímax não é um confronto, nem uma culminação. Como suas cenas parecem formar uma maré levantando, subitamente as suas ondas começam a quebrar. Como o mar, as memórias podem nos enganar. Nós nem sempre conseguimos prever como uma onda vai nos alcançar, com qual tamanho ou com qual força, até que seja tarde demais, nos cobrindo de água. Quando Sophie lembra de uma dança, e que ela consegue se conectar com como o seu pai estava se sentindo, parece quase um afogamento. E, em uma escolha de música e montagem brilhante, tanto a trilha-sonora quanto a imagem parecem retratar a angústia de perder seu fôlego por um momento. A Sophie de hoje encontra o Calum de suas memórias no momento em que a Sophie do passado perde seu pai para sempre.

Isso é tudo o que ela tem dele. Não o tapete que ele comprou, ou a câmera que ele usou, mas suas memórias. E elas são incertas, nebulosas. Mas isso é tudo o que existe dele para Sophie. Parece ser perdido no mar no meio da noite, não sabendo onde começa o mar e termina o céu. Você perde sua direção, sua respiração. Você não sabe se seus pés vão tocar o solo de novo.

E então, ela é resgatada pelo barulho gentil do presente. Ele vai continuar na sua cabeça, em suas memórias e em seus sentimentos, guiando suas escolhas das formas mais misteriosas. Desconhecido e eterno. Ela vai tentar capturar ele em tudo o que fizer. E, se tiver sorte, vai conseguir traduzir pelo menos um pouquinho do que foi existir ao lado dele por um momento. Eu sei que eu tentei.

Minha avó me acompanhando no escorregador.ALT

Você pode ver Aftersun na MUBI.

O trailer da terceira temporada de Succession

Todos saúdam o retorno do rei, agora que a nova temporada de Succession, a minha série favorita no ar atualmente, está de volta. O trailer parece indicar que o tom da série – uma tragédia shakespeareana com uma pitada de paródia, que torna a tragédia ainda mais trágica – tá afiada como nunca.

Succession volta na primavera na HBO, depois de mais de um ano de espera.

Eu tô adorando Perry Mason

Eu quase paguei minha língua quando escrevi semana passada sobre assistir séries semanalmente porque, quando o terceiro episódio de Perry Mason terminou, eu quase deixei ir pro próximo episódio (eu não deixei, mas ô vontade). Eu queria ter visto enquanto a série ainda tava dando na HBO, pra me incentivar a ver os episódios semanalmente, mas não consegui porque tava assistindo outra série na época e agora a temporada inteira tá na HBO Go, e a tentação é grande.

Postzinho rápido porque eu tô no meio da temporada, mas a recomendação é forte. Perry Mason tem a sensibilidade das séries antes do pico da TV na década passada: é uma série de antiherói, sim, mas como as melhores desse clichê ela enxerga todos os personagens ainda mais fascinantes ao redor do protagonista, e como as ações dele afetam essas pessoas ao redor — o que só acentua o anti do heroísmo dele.

Diferente dos antiheróis que enchem a TV, o Perry Mason interpretado por Matthew Rhys é realmente um personagem falho — ele sabe que ele falhou como pai, como marido e, na visão da sociedade americana do início dos anos 1930, como homem. Ele não tenta se redimir por esses atos, pelo menos não conscientemente. Ele tenta sobreviver na Califórnia pós-Grande Depressão, e o jeito que ele arranjou foi em fazer pequenos bicos de detetive particular que investiga traições e casos de tablóides, como o de um comediante que gosta de fazer sexo envolto de glacê. Até que um caso macabro cai no colo dele e do advogado que ele trabalha, que dá a estrutura da primeira temporada da série: o sequestro e assassinato macabro de um bebê envolvendo a alta sociedade de Los Angeles e uma igreja.

Eu ainda não sei direito o porquê de Perry Mason funcionar tão bem. O mistério do bebê é meio trama padrão de dramas que precisam de uma muleta narrativa pra seguir em frente; mas ele é construído ao redor de personagens fantásticos com atuações fabulosas por trás. O Mason de Rhys (um dos melhores atores hoje em dia) tem tristeza típica dos filmes de filme noir da época, mas ainda assim com um pouco de bom humor no coração. A secretária Della Street (Juliet Rylance, de The Knick) é leal aos seus colegas, mas também é a pessoa mais competente do escritório. O policial Paul Drake (Chris Chalk, de When They See Us) é a antítese do Mason: um homem tentando fazer o certo, mas sendo incapaz de agir por ser um homem negro na força policial corrupta de Los Angeles. Esses personagens tão numa das séries mais bonitas que eu já vi. Perry Mason esbanja sua produção com uma reprodução dos EUA entre as duas Guerras Mundiais. Me lembrou o quanto eu gostava daquele jogo Mafia, que acontecia mais ou menos na mesma época, e de como eu amo os filmes noir: é uma série que usa bastante contraste pra demarcar as profundezas de seus personagens, onde até mesmo o figurino revela mais intenções do que o que as pessoas conseguem falar em uma sociedade que não os dá ouvidos.

Acho que, por ser uma série, Perry Mason tem a paciência de deixar seus personagens simplesmente existirem nesse mundo construído milimetricamente pra eles, e é aí que a série brilha pra mim. São oito horas, e acho que nem metade do que eu já vi é sobre a “trama” do assassinato. Como minhas séries favoritas, a trama é uma desculpa para a história seguir em frente, e os verdadeiros conflitos dos personagens, aqueles que existem no cotidiano, que são invisíveis em outras formas de arte que não têm a gordura que uma série de TV proporciona. Com isso, Perry Mason cria uma ótima série de gênero (é bem especificamente um drama de advogados, tipo The Good Wife mas nos anos 30), mas que aproveita seu tempo e seus visuais incríveis pra ressaltar os momentos privados que revelam como a sociedade americana falha com suas pessoas. É linda e profunda, sim. E é divertida também, porque o cotidiano que a série observa é cheio de desvios e de becos sem saída, e nem todos eles são trágicos.

Ainda bem que Gilmore Girls existe

As coisas tão meio quietas por aqui, mil desculpas por isso. Eu queria ter mais inspiração do que escrever ultimamente, mas eu ando bastante cansado do trabalho e decepcionado que eu não tô conseguindo escrever o projeto de mestrado que eu tô tentando escrever. Eu demorei mas eu tô começando a sentir os efeitos de se sentir sozinho por muito tempo e isso não tá fazendo bem pra minha cabeça.

É nessas horas que eu lembro que Gilmore Girls e amigos, ainda bem que Gilmore Girls existe. Eu tinha parado de rever — depois de passar uns três ou quatro anos revendo infinitamente, terminando e recomeçando a série —, mas na última semana eu fiz meu check-in em Stars Hollow de novo. Essa não é a melhor série já feita, mas é a melhor série já feita.

Eu tô indo com mais calma dessa vez. Ao invés de assistir vários episódios por dia, eu tô assistindo um episódio por semana. Eu tô no segundo episódio, em que Rory, a filha da Lorelai, começa na nova escola particular. Esse é o evento que faz a série começar: Lorelai é filha de dois magnatas da alta sociedade americana, mas ela nunca conseguiu aceitar o estilo de vida que todo aquele dinheiro e poder demandava. Lorelai engravidou cedo, pra desgosto dos pais, e logo depois do nascimento da filha decidiu largar a escola e fugir para uma cidadezinha no interior, onde ela encontrou um lar. A Rory cresce e se torna uma daquelas crianças prodígio — inteligentíssima, e o sonho é se tornar ainda mais inteligente —, e acaba conseguindo uma vaga numa escola prestigiada e cara. Lorelai não tem dinheiro pra oferecer essa educação pra filha, e acaba tendo que fazer um acordo com os pais: eles emprestam o dinheiro para a educação de Rory, e ela vai todas as sextas-feiras jantar na casa deles.

E é isso. Gilmore Girls não é uma série de grandes eventos. A primeira temporada tem uma fórmula bem simples: nós acompanhamos o dia-a-dia das garotas Gilmore, e eventualmente elas vão para a casa dos pais da Lorelai, onde o conflito geralmente surge/explode. Emily, a matriarca da família, tem uma visão de vida muito diferente da de Lorelai, e todos os conflitos mal terminados ou absorvidos durante os anos tendem a vir à tona quando a rígida Emily e a instintiva Lorelai se deparam. Sendo mãe e filha, as duas se conhecem mais do que gostariam, o que pode criar momentos realmente bonitos de conexão entre duas pessoas muito diferentes; ou momentos dolorosos em que elas se machucam de maneiras imperdoáveis.

A dinâmica familiar dos Gilmore é um dos pontos altos dessa série. A criadora Amy Sherman-Palladino ficou conhecida pela sua potência em criar diálogos inspirados e afiados, cheios de referências e humor (reza a lenda que os roteiros dos episódios chegavam a ter 70 páginas, quando o normal é 45, porque os diálogos precisavam ser lidos com o dobro da velocidade normal). Mas ela é uma grande dramaturga também. A complexidade emocional que vai se criando em Gilmore Girls é sutil e poderosa, que explora os machucados geracionais que uma mãe rígida como Emily pode causar numa filha, ou como uma mãe-melhor-amiga como Lorelai pode acabar causando em Rory. A autora consegue sempre visualizar o que se perde quando Lorelai e Rory brigam (são momentos raros, mas dolorosos sempre), como se uma porta se fechasse com algum assunto que mãe e filha entendem que nunca mais vão poder compartilhar.

Mesmo assim, essa série é um conforto de se assistir. Muito do charme de Gilmore Girls existe porque Lorelai encontrou um lar e uma família adotiva em Stars Hollow. Se um dos grandes arcos da série é Rory percebendo que o lar que a mãe criou não é o lar que ela gostaria de viver, Gilmore Girls só consegue fazer esse arco funcionar tão bem como ele funciona porque a cidade é muito bem construída. É um apanhado de clichês, onde sempre há um evento na praça da cidade onde todos se encontram. Alguns são clássicos, como o dia das bruxas ou a páscoa, mas outros — como o campeonato de dança de 24 horas, do meu episódio favorito, ou a exposição de obras vivas — são inspiradíssimos.

É por causa de Stars Hollow que a série é tão boa de assistir, principalmente quando as coisas tào ruins do lado de cá. No segundo episódio, Lorelai se desentende com a mãe em mais uma briga cansativa, e Rory descobre que ela não é inteligente assim. É um episódio de pequenas derrotas, onde elas acabam um pouco pra baixo, e não tem muita solução — Emily não morreu, e Lorelai precisa ver ela semana que vem; Rory vai precisar estudar muito mais pra conseguir pegar o ritmo da nova escola. Mas o episódio não termina com nada inspirador. Ele termina com Lorelai, Rory e Lane comendo pizza enquanto passeiam pela praça da cidade conversando sobre todas as derrotas que tiveram naquele dia. Elas estão cansadas, com as mãos engorduradas, mas ali em Stars Hollow elas são amadas e estão protegidas. Os problemas vão poder esperar até amanhã. Esse restinho de dia ainda pode valer a pena.

Júlia, no MUBI

Eu assisti Julia há alguns anos e ele nunca saiu da minha cabeça porque Tilda Swinton entrega uma daquelas atuações em que tudo o que ela faz fica marcado na mente. A forma como ela abraça o a criança no meio do deserto, ou como ela olha ao redor… Eu não lembro muito bem do filme, então fiquei empolgado pela oportunidade de rever ele agora: ele entrou na programaçào do MUBI hoje e fica por lá por um mês.