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"Se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor"

Celso Rocha de Barros, na sua coluna pra Folha:

O primeiro lado bom [da adesão gradual de partidos de centro e de direita às manifestações] é que o pessoal parece ter entendido que, se a manifestação está vermelha demais para o seu gosto, junte uma turma e vá vestindo outra cor. Não dá para esperar que a esquerda organize a manifestação e seja proibida de erguer sua bandeira.

A essa altura, já está claro que a turma do “meu partido é o Brasil” queria dizer que, para eles, o Brasil era só o partido deles. A direita democrática tem que ter partido, camisa, bandeira próprios, porque a bandeira do Brasil tem que ser de todo mundo. Aí os amigos de esquerda vão dizer: bom, com exceção dos caras do Acredito, esses “centristas” todos entraram na briga pelo impeachment só porque agora perceberam que é mais fácil tirar Bolsonaro do segundo turno de 2022 do que Lula.

É, né, companheiro? É por isso que a notícia saiu no caderno de política, onde, aliás, também sai esta coluna.

Nosso objetivo deve ser esse, alinhar o máximo de interesses possíveis contra o autoritarismo assassino de Bolsonaro. Se a turma liberal voltar a tentar vencer na política, nas alianças, disputando as ruas, sem impeachment mutreteiro ou apoio à extrema direita, maravilha. Que vença o melhor em 2022 e que o Jair volte a ser nanico.

Até porque não basta derrotar Bolsonaro, é preciso reorganizar uma democracia estável no Brasil. O democrata que vencer em 2022 tem que contar com uma oposição liderada por outros democratas.

Há algo que talvez ainda não tenha sido percebido por todos os militantes da esquerda brasileira. Em 2021, nós não somos o minúsculo PT de 1980, fazendo barulho enquanto o MDB conduz a transição. Se Lula suceder o desastre de Bolsonaro, terá que assumir papel parecido ao do PMDB nos anos 1980, Deus queira que com políticas econômicas melhores, mas com a mesma disposição de atrair aliados. Pode não ser o que a esquerda gostaria de fazer agora, mas ninguém escolhe sua tarefa histórica.

“Ninguém escolhe sua tarefa histórica”.

Gilberto Gil sobre o desenvolvimento e a democratização da tecnologia

Gil, sempre o mestre, em entrevista à Folha:

Desde os grandes produtores de tecnologia de internet, passando pelos consumidores e indo até os órgãos reguladores, todos estão de uma certa forma preocupados.

O Instagram estabeleceu suas regras. O Whatsapp apareceu agora com uma novidade. Todos tentando regulações, chamando o Estado para participar desse processo todo. Você vê, por exemplo, o [Mark] Zuckerberg [presidente do Facebook] tentando melhorar os serviços prestados pela companhia dele, estabelecendo um debate com os órgãos regulatórios para melhorar o atendimento ao consumidor, a questão das fake news. Tudo isso é preocupação permanente de cada vez mais pessoas na sociedade global.

O que se pode fazer é isso. A permanente atenção em relação aos usos dessas tecnologias todas, a avaliação permanente dos resultados desses usos, das correções que vão sendo feitas.

É um processo contínuo?

Como sempre foi. Uma solução cria novos problemas, que demandam novas soluções.

Quem é contra regulação nas redes fala em liberdade de expressão, tema que também é caro a artistas. Como equilibrar isso?

São critérios variados e oscilantes. Uma hora tendendo a favorecer um lado, outra hora o outro.

É uma discussão permanente sobre até onde vai essa liberdade, o que é liberdade, o que não é, qual o grau de interferência tolerável por parte da regulação, onde é que realmente a liberdade está sendo ameaçada ou quando a liberdade é ameaçada por mais liberação (risos). É tudo muito complexo. Não é uma visão linear que dará conta.

Em “Cérebro eletrônico”, de 1969, o sr. diz que a máquina é muda, não chora, não anda. Será preciso atualizar a letra?

Ela vai começar a mandar em vários níveis e vai ser travada pela inteligência humana em vários outros. Isso porque, de outro lado, a configuração da biociência vai se desenvolvendo, vai dando ao cérebro humano nova profundidade, nova capacidade de expansão de seus potenciais.

A contribuição que a máquina traz é equilibrada por aquilo que na existência humana não é técnico, maquínico. Esse lado vai sempre discutir com a máquina. A máquina só vai mandar sozinha, trabalhar sozinha, se o ser humano deixar, por alguma razão.

A humanidade pode decidir em determinado momento que a gente não quer mais a bioexistência, que queremos a existência maquínica e aí entregamos tudo para a máquina. Mas, enquanto a gente apreciar essa dimensão biológica, fisiológica em que estamos, a relação com a máquina será sempre de diálogo.

Ela só vai avançar se for permitida. Essa possibilidade de desastre do tipo “2001, Uma Odisséia no Espaço”, filme em que o computador resolve matar a tripulação toda, é uma situação extrema que deve estar no mapa, no elenco das possibilidades, mas que são muito remotas, porque nós conservamos nossas condições biológicas, de nossa cognição, na nossa corporalidade. Por mais maquínicos que estejamos, nossa autonomia biológica ainda é muito forte, o projeto humano é muito forte.

Desfazer a polarização que a internet alavancou na última década é um processo muito mais difícil, porque a binaridade é própria da tecnologia. Como desenvolvedores, a gente está constantemente trabalhando em casos em que algo acontece ou algo não acontece, e desconsideramos ou “generalizamos” casos em que não é um nem outro. A arte sempre teve essa função de enxergar os cinzas entre o preto e o branco, de discutir porque um é um e outro é outro, e de onde vêm essas ideias. Acho fantástico que o Gil tá fazendo essa ponte.

A tecnologia já tá ligada demais ao nosso cotidiano pra gente tentar reduzir nossas vidas à ela. O caminho é oposto – nós precisamos começar a olhar para a transformação tecnológica de forma mais complexa e fazendo perguntas mais difíceis se quisermos continuar usando e desenvolvendo. Nas palavras do próprio Gil:

Tudo é bom e ruim. Igual copo de leite, que é muito bom para alguém em determinada circunstância, mas pode ser terrível para alguém que tenha alergia a laticínios.

Gil vai dar a palestra Caminhos para a Democratização da Tecnologia no canal da ThoughtWorks Brasil no YouTube nessa quinta, às 19h.