Sobre linguagens

Eu perdi meu melhor amigo nesses últimos meses. Amizade é uma das coisas mais especiais da minha vida. Elas são as únicas relações que não se tornam mais escassas com o tempo. Nós continuamos disponíveis e suscetíveis às amizades por toda a vida. Nós escolhemos nos dedicar aos afetos e nossas famílias, mas sempre podemos fazer e perder amigos com o passar de todo esse tempo.

Eu sou uma pessoa feita pelos meus amigos. Eu sou um pouquinho de cada um deles, e eu deixo com cada um deles um pedacinho diferente de mim. Quando eu percebi que eu e meu melhor amigo estávamos nos afastando, meu coração se despedaçou como nunca antes, como eu nunca achei possível. Eu vi a vergonha nos olhos dele enquanto ele os desviava para me contar o que seria a pedra que estávamos colocando entre nós, e eu percebi que ele não queria que lutássemos contra ela como lutamos contra as outras. Esse era o fim.

Eu achei que eu ia chorar quando chegasse em casa naquela noite, mas eu não consegui. Ao invés disso, parece que tudo endureceu por dentro. Eu perdi meu amigo, a pessoa que por grande parte da minha vida foi a pessoa mais importante pra mim. Ele registrou o meu tempo como eu registrei ele. Quando a gente se via, eu sabia que ele entendia exatamente o que eu estava pensando enquanto ele me olhava, eu nem precisava dizer nada. Ele só sabia. Quando a gente tava junto, eu sentia que ele me via como a pessoa que eu queria me ver, aquele misto de orgulho e honra, e ele sabia que eu sentia o mesmo. Orgulho da pessoa incrível e fascinante que ele era, e honra de ser seu amigo e acompanhá-lo nesse tempo que estamos juntos no planeta. Quando acabou, eu perdi as palavras. Eu não sabia mais o que dizer nem o que escrever.

Amor é linguagem, é quase um idioma. A gente cria um sistema complexo de comunicação com outra pessoa — um misto de palavras, de gestos, de referências ocultas, de momentos só vividos entre os dois lados desse amor. E essa linguagem não deixa de existir quando as pessoas se afastam. Ela fica ali, esse conjunto de memórias e piadas e dores e palavras e tons que só duas pessoas entendem, e que você não vai poder usar com mais ninguém. Se você tiver sorte, como eu tenho, vai ter outras linguagens para usar com seus outros amigos, e essa vai só fazer companhia, as vezes vai voltar à mente e você vai lembrar de algum detalhe.

Nada substitui uma pessoa que foi especial para você. Acho que nem é saudável. Eu tentei, substituindo por casinhos de romance, que logo depois de conhecer já somem da nossa vista. Essas são sortudas. Você não cria nenhuma linguagem com essas pessoas. Você tem as suas, elas têm as delas. Mas ninguém conversava no mesmo tom que o meu melhor amigo. Ninguém me via como ele. Acho que ninguém vai ver.

Eu sempre escrevo pra alguém. É o meu modo de escrever. Eu imagino como eu contaria para a pessoa sobre aquilo que eu estou escrevendo. Geralmente, por todos esses anos escrevendo aqui, eu imaginava o Pão como um acervo de ideias e dicas e conversas que eu estava tendo com o meu melhor amigo. Eu não conversava sobre as coisas que eu escrevia aqui — geralmente nossos assuntos são outros —, mas eu imaginava que, se eu conversasse com ele sobre, ia ser dessa maneira. Isso me ajudava a me abrir, a buscar aqueles sentimentos e pensamentos que eu costumo ter quando estava com meu amigo.

Eu perdi isso. Eu genuinamente perdi o jeito de escrever. Eu não tenho mais as palavras que eu tinha, eu não tenho mais o tom nem aquela pontinha de inspiração que vinha as vezes. Eu não acho que ela vai voltar. Talvez algo diferente apareça. Um novo jeito de escrever, um novo jeito de me inspirar. Eu espero que sim. Eu não quero que esse lugar vire o registro de uma amizade do passado. Eu quero que ele seja um lugar que capture o meu presente e me lembre, no futuro, de tudo o que eu já amei e já senti.

Mas acho que isso demanda algum tempo. E eu preciso de um pouco de paciência.