Faz um tempo que eu tô formulando o jeito certo de recomendar uma série que eu gosto muito para os meus amigos. Por muito tempo, eu ficava apresentando o piloto da série, mas essa recomendação geralmente vem acompanhada de um aviso parecido com “espera até o episódio 7 que a série fica boa” ou “se você não gostar da primeira temporada, a segunda fica muito melhor”. Isso não é muito eficaz.
A maioria das minhas séries favoritas não tem premissas cativantes ou bons inícios. Pelo contrário, eu gosto de séries que crescem com o passar do tempo, séries que ficam mais e mais recompensadoras de assistir. Uma série que tem um início forte tem a dura missão de tentar repetir o seu sucesso desde o início. Uma série que tem um início promissor, mas falho, consegue aprender e ir melhorando a fórmula, acompanhando a própria estrutura narrativa das séries ao ponto de atingir um clímax perfeito — e concluir melhor ainda.
Nos últimos tempos eu tentei recomendar minhas séries favoritas de um jeito diferente: eu recomendo episódios específicos. Geralmente, são meus episódios favoritos de uma série, mas as vezes é o PGE, o que eu chamo de “primeiro grande episódio” — aquele primeiro tchã, quando a série encontra o balanço entre sua premissa e sua execução, e que me confirma que eu tô vendo algo especial, diferente de todo o resto da TV. Tem sido um processo muito mais bem sucedido. Eu experimentei pela primeira vez com um amigo meu, exibindo o meu episódio favorito de The Leftovers depois de anos falhando miseravelmente em fazer ele assistir a série, já que o começo dela é complicada. Não deu outra: depois desse episódio, ele começou a assistir The Leftovers.
A minha teoria é que grandes episódios de TV funcionam não só no conjunto narrativo de uma temporada e da série como um todo, mas eles também funcionam como uma unidade narrativa própria — um curta ou média metragem, com um início, um meio e um fim. É mais difícil de identificar essa unidade quando maratonamos séries, mas se você começar a assistir elas semanalmente você vai dar tempo para o episódio se estabelecer na sua mente e você pode absorver o desenvolvimento narrativo dele.
Quando a pessoa que está recebendo sua recomendação assiste o episódio, ela tem menos uma ideia da trama em si, e mais do arco dramático isolado daquele episódio. Ela fica menos propensa a absorver qualquer spoiler potencial que receba através dessa dica, porque o que vai ficar com ela é o impacto narrativo do arco dramático — um diálogo marcante, um acontecimento triste, uma piada perfeita. É essa impressão que importa, porque sua série favorita é feita desses momentos que te marcaram muito mais do que as revelações e reviravoltas.
Pra mim, recomendar algo que eu amo é um ato de carinho bem íntimo. Eu quero compartilhar com alguém que eu gosto uma resposta emocional que foi importante pra mim. É algo bem íntimo — eu sinto que quando recomendamos algo para alguém, queremos menos que ela goste tanto quanto a gente gosta (isso nem sempre acontece), e mais que ela encontre naquilo que você recomendou aquele pedacinho seu. Eu amo quando meus amigos me apresentam músicas e filmes e séries, mesmo que eu acabe não gostando do que eles me apresentaram, pra mim é um ato de amor tentar identificar ali naquela peça de arte o que as pessoas que eu gosto viram, e admiraram, e querem que eu encontre ali também. É algo único e lindo.
Bônus: aproveite essas dicas de quais episódios assistir se você estiver a fim de experimentar uma das minhas séries favoritas.
The Leftovers
Temporada 2, episódio 6: “Lens”.
O PGE de The Leftovers vem bem antes (é o terceiro episódio da primeira temporada, “Two Boats and an Helicopter”), e oferece a fórmula que torna “Lens” no melhor episódio da minha série favorita. Ao invés de tentar acompanhar todos os personagens que compõem a série, esse episódio se foca em uma personagem em específico, Nora, a melhor personagem da série.
O que torna “Lens” em uma hora perfeita de TV, porém, é que mesmo diminuindo a escala para acompanhar um dia muito difícil na vida de apenas uma das suas personagens, The Leftovers não pisa no freio e continua fazendo as perguntas difíceis que só essa série teve coragem de perguntar na TV. O luto, o desconhecido, a raiva e o amor estão todos pairando sob a cabeça de Nora naquele dia, e a direção perfeita eleva momentos que parecem mundanos em verdadeiros eventos catastróficos — como essa conversa com uma vizinha, que acaba sendo a melhor cena de diálogo que eu já vi.
Community
Temporada 2, episódio 9: “Cooperative Calligraphy”.
O post mais lido da história desse blog é sobre “Remedial Chaos Theory”, meu episódio favorito de Community. Mas, se você quer expermentar essa série, não comece por ele, porque ele é diferente de qualquer episódio da série e pode acabar criando uma falsa impressão. Para mim, o episódio que melhor resume o que torna Community tão especial é “Cooperative Calligraphy, em que o grupo de estudos se prende na sala da biblioteca e discute quem pegou a caneta de Annie.
O que sai daí são trinta minutos muito engraçados sobre como esses seis amigos se amam, mas fazem um péssimo trabalho em expressar esse carinho um aos outros. Jeff, Britta, Annie, Shirley, Troy, Abed e Pierce se dilaceram e se despem (emocional e fisicamente) na busca de quem está mentindo, o que acaba traduzindo em vinte minutos todo o carinho de Community para com seus personagens, a química do elenco, e a coragem da série em apostar em dinâmicas absurdas e executá-las muito bem.
The Wire
Temporada 4, episódio 1: “Boys of Summer”.
Essa aqui é difícil. Por mais que cada episódio de The Wire possa ser uma pequena obra-prima da TV, muito da força emocional é cumulativa. As séries de David Simon tem esse diferencial em que se você assiste momentos ou cenas específicas, parece que nada está acontecendo — mas tudo são ondas de eventos que crescem até se transformarem em tsunamis nas vidas dos personagens.
Por isso, se você quer experimentar essa série, comece com uma première e a melhor delas é a da quarta temporada. “Boys of Summer” apresenta todo o elenco de personagens que serão o foco na temporada (cada ano de The Wire apresenta um punhado de novos personagens que se somam aos anteriores e expandem o escopo da série), e que são os mais carismáticos de toda a série: um grupo de alunos e professores de uma escola pública em Baltimore. Como todo grande episódio de The Wire, essa première parece atuar às escondidas: você só vê crianças aprontando, professores se preparando para a aula, e alguns rostos conhecidos. E mesmo assim o episódio mostra como esses eventos reverberam na vida de uma cidade inteira, e como quando um sistema inflexível precisa se mexer, ele acaba ferindo aqueles que estão mais expostos.
Gilmore Girls
Temporada 3, episódio 7: “They Shoot Gilmores, Don’t They?”.
O episódio do festival de dança de Gilmore Girls é um balanço perfeito entre o drama familiar pesadíssimo que Gilmore Girls sabe fazer com a comédia de uma cidade muito estranha que é Stars Hollow. Nesse episódio, Lorelai e Rory querem ganhar uma maratona de dança onde elas e seus vizinhos precisam dançar sem parar pelo maior tempo possível.
É um plano de fundo surreal de divertido, mas que só realça desenvolvimentos que Gilmore Girls faz muito delicadamente: a crescente transformação de Rory em uma pessoa inconsequente; e o distanciamento de mãe e filha, antes melhores amigas. Tudo isso embalado pelo absurdo da situação, com os planos de Lorelai se desfazendo comicamente no início do episódio, e o relacionamento de Rory se desfazendo tragicamente no fim. Acho que é um dos episódios mais perfeitos que eu já vi.
Looking
Temporada 2, episódio 5: “Looking for Truth”.
É dificílimo de recomendar Looking, uma série em que um grupo de amigos… vive? Não existe um jeito fácil de descrever o que eles fazem nessa comédia da HBO, além do que o título da série já diz. Eles procuram algo. O quê, exatamente, é mais difícil. As vezes é amor, as vezes é conforto, as vezes é algo para procurar.
Mesmo assim, é uma série de TV tremenda, que encontra nos menores momentos da vida desses personagens algo digno de grandes episódios de TV. Em “Looking for Truth”, dois ex-namorados se reencontram para se ajudar em uma tarefa do dia a dia e tentar manter alguma amizade ou cordialidade entre eles. São trinta minutos de duas pessoas que se feriram tentando ver uma na outra aquilo que ainda vale a pena manter em suas vidas. Sob a direção do mestre Andrew Haigh, se transforma em uma busca sensorial por algo de verdade na vida entre os dois — uma amizade, ou um carinho, que sempre esteve lá, mas que precisa ser encontrado de novo.
ER
Temporada 1, episódio 19: “Love’s Labor Lost”.
Pondo as cartas na mesa, “Love’s Labor Lost” não é só o meu episódio favorito de ER, é o meu episódio favorito de todos. A primeira temporada dessa série é sensacional, por motivos que eu já escrevi aqui há uns meses, e Love’s Labor Lost é onde todos esses motivos se estabelecem. E eles não se “estabelecem” para crescer depois. Mimi Leder, que dirigiu esse episódio e definiu todo o ritmo e estética da série depois dele, não brinca em serviço.
“Love’s Labor Lost faz tudo isso enquanto coloca o personagem principal ao avesso. Até então, o dr. Mark Greene era um médico apaixonado pelo seu trabalho, um sujeito calmo que sempre sabia o que fazer. Aqui, ele não só perde o controle da situação, ele faz uma série de escolhas erradas uma após a outra. Ao invés de entrar no desespero do personagem, a direção de Mimi Leder se afasta do personagem para observar como seu descontrole transforma todo o pronto-socorro, em uma excelente prova de como aquele lugar, e a série, dependem de uma sincronia, quase que de uma dança, entre todos os que estão ali. É um episódio de TV como nenhum outro.
Hannibal
Temporada 2, episódio 10: “Mizumono”.
Se você for experimentar Hannibal, comece pelo episódio que implode a série, mudando completamente a dinâmica dela a partir daqui. “Mizumono” praticamente redefine a premissa da série para a próxima temporada, mas para isso extrapola todas as qualidades que Hannibal sempre teve sem estragar o que veio antes nem indicar o que vai vir depois. É um espetáculo.
Literalmente. Acho que esse é o episódio de TV mais lindo que eu já vi. Uma jornada às sombras ao redor do personagem-título e de toda a destruição e dor que ele pode causar é algo que a série sempre flertou, e “Mizumono” entregou com uma execução à altura, e concluindo uma das melhores temporadas de uma série de TV. Tanto que o episódio se foca em um só evento — um jantar na casa de Hannibal que reúne todos os personagens principais, e que se transforma em um embate pela vida de todos eles. É lindo de ver, mas é cruel também. Não dá pra acreditar que Hannibal foi uma série de TV aberta, porque tem a coragem de exibir imagens tão violentas que chegam a ser quase que quadros abstratos. Imagina o que foi ter que esperar mais de um ano para saber o que ia acontecer a partir desse episódio.
The Americans
Temporada 4, episódio 9: “The Day After”.
O meu episódio favorito de The Americans é o anterior à esse, em que ocorre um pulo temporal depois de atos destrutivos do nosso casal principal. Em “The Day After”, nós acompanhamos como a família Jennings lida com as cicatrizes de suas escolhas (não lidando).
The Americans é um thriller de espionagem e um drama familiar, e é extremamente bom em ambos. Mas poucos episódios mostram os dois lados da série ao mesmo tempo, o que torna “The Day After” em um bom exemplo do que esperar da série como um todo. Ele também é um bom exemplo de como o drama de The Americans funciona: é lento, quase imperceptível, mas isso porque ele está operando sob a superfície. Você consegue sentir como os Jennings estão se corroendo por dentro, mesmo que não possa ver isso diretamente. É um detalhe de gênio que eles percebem isso assistindo um filme apocalíptico.
Fleabag
Nos meus piores dias, eu odeio esse episódio. A forma como ele traduz meus anseios, minha carência, e a forma como ele expõe — para fora da personagem, para que ela não possa perceber — aquilo que a gente tem de bom. Nos meus melhores dias, eu agradeço que eu possa ter assistido a algo tão honesto, algo tão emocionalmente cru como o quarto episódio da segunda temporada de Fleabag.
Embora nada supere aquela cena final da série em termos de “despedaçar meu coração”, ela funciona porque esse episódio fez todo o trabalho pesado. É aqui que Fleabag começa a se afastar de nós, porque é aqui que vemos ela chegar no seu ponto mais baixo, e nós vemos pela primeira vez o momento em que a vida dela mudou pra valer. É engraçado, como todo o episódio de Fleabag é, mas é banhado naquela tristeza íntima que a gente relembra da série na hora de recomendar para as pessoas. “Você vai morrer de rir, mas você também vai sentir a dor dela”, é como você poderia descrever a série para alguém. Mas nenhuma palavra consegue descrever o que é ver esses sentimentos te destruírem e te remontarem por dentro. Se quiser ter uma provinha, você vai ser muito bem recebido por aqui.