Eu tenho dois tipos de memória dos meus jogos favoritos:
- Uma delas é comum aos meus filmes e séries favoritos, quando a gente encontra um momento feito para nos surpreender e ficar com a gente. Um personagem faz uma revelação, ou a gente descobre uma reviravolta e tudo começa a fazer sentido.
- A outra é mais específica: é quando eu consigo fazer algo no jogo que parece específica o suficiente que parece que isso nunca mais vai acontecer. Quando eu acerto um pulo perfeito em Super Mario Galaxy 2, e consigo derrubar uma pilha de Goombas de uma só vez; ou quando eu caio de uma pista em Burnout Paradise e paro em cima de outro carro, fazendo um rampage ao acaso.
Jogos vivem nesse confronto entre o que é escrito e o que é emergente. Jogos como The Last Of Us são completamente escritos, cada passo que o jogador dá, cada batida narrativa, é pré-estabelecida pelo texto. Jogos como The Sims são emergentes: as coisas acontecem como resposta às ações do jogador. Você mandou o Sim cozinhar em um fogão velho? Ele pode ou não começar um incêndio. Depende do jogador, e de um pouco de sorte.
Eu gosto muito desses dois extremos. Meu jogo favorito é basicamente um livro ilustrado, todo escrito e pontuado com a precisão de um diretor de uma peça de teatro. O jogo que eu mais joguei nos últimos anos é basicamente um baú de brinquedos gigante, que te dá todas as possibilidades, mas quem faz acontecer é você.
Só Portal 2 faz tudo tão bem sem parecer ser difícil.
Portal 2 fez dez anos em abril, e eu acho que nenhum jogo desde então conseguiu equilibrar esses dois lados como ele. Pra mim, ele é o ápice do experimento narrativo que a Valve explorou desde Half-Life 2, em que o jogador conduz o ritmo da ação, e o faz isso alinhando tanto os momentos escritos com os momentos emergentes.
Ele faz basicamente o impossível: eleva o texto bem humorado e impecável que marcou Portal à um nível ainda melhor, enquanto o jogador resolve os quebra-cabeças que o jogo impõe, enchendo esse texto com consequências.
Portal era um experimento dos desenvolvedores da Valve que atingiu um status cult por ser muito bem escrito, cheio de humor afiado e uma vilã automaticamente clássica, a GLaDOS. Era um dos raros jogos da sua geração a não se levar a sério em termos de narrativa, mas com uma jogabilidade calibrada e simples: você é uma cobaia de laboratório com um dispositivo capaz de criar portais — um de entrada e um de saída. Seu objetivo é resolver os quebra-cabeças muitas vezes mortais da GLaDOS, mas isso era só metade do jogo: a outra metade, você acaba descobrindo que GLaDOS matou todos os cientistas do laboratório, e vem conduzindo testes sozinhas, provavelmente por muitas décadas. E você precisa fugir dali.
É estranho de lembrar, mas Portal 2 chegou ao mundo envolto em ceticismo. Portal era pequeno, mas na medida, e ninguém acreditava que a continuação seria só mais um bocado de câmaras de teste, contradizendo o final aberto do jogo original.
Mas Portal 2 provou que estávamos todos enganados. Ele é uma continuação de Portal em todos os sentidos: usa o mesmo motor gráfico, a mesma direção de arte, a mesma jogabilidade e até mesmo a estrutura narrativa: o jogo se divide em dois momentos — em um, você e o robô Wheatley tentam fugir de uma Aperture em ruínas; no outro, você e GLaDOS atravessam a história do laboratório e os eventos que levam à criação da robô.
Tudo em Portal 2 é uma evolução do jogo anterior, e não uma revolução. Mesmo que use o mesmo motor gráfico, o jogo possui visuais mais diversificados — em especial quando você começa a explorar a história da Aperture através das décadas. O texto continua afiado, mas Portal 2 dá mais material para os atores (incluindo J. K. Simmons, se divertindo muito no papel do presidente da Aperture) e até mesmo profundidade emocional. E as câmaras de teste de Portal 2 são mais inventivas, com mais mecânicas pro jogador dominar, com mais reviravoltas.
O jogo eleva todo o nível do original justamente ao integrar os elementos de destaque do jogo — o texto, as mecânicas, as atuações. GLaDOS e Wheatley estão sempre comentando sua performance, e as mecânicas fazem você ser mais inventivo nas soluções. A trama ainda são divididas em câmaras de teste, mas é na forma como o jogo extrapola essas ideias que ele se mostra a evolução da Valve como um jogador.
E é porque Portal 2 integra tão bem sua maestria com os momentos em que o jogador aprende a dominar elas que ele ficou na minha memória. Quando eu acerto o combo de portais no tempo certo para atravessar um feixe de luz e chegar na câmara seguinte, enquanto ouço a GLaDOS comentar sobre toda a dor que eu fiz ela passar no jogo anterior e o Wheatley comete um erro que acaba me fazendo perder o próximo pulo…
Da próxima vez eu vou acertar todo o combo, mas foi essa a vez que me fez rir do meu erro enquanto eu melhoro um pouquinho mais a minha técnica com a jogabilidade. É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e Portal 2 faz tudo parecer fácil e natural, pondo um sorriso no rosto do jogador enquanto também dá uma sensação de satisfação. Nenhum outro jogo desde então fez tanta coisa tão bem assim, e terminou com um número musical.