No fim do mês passado, Animal Crossing: New Horizons completou um ano de lançamento. A minha ilha no jogo, Léte, também. Isabelle me entregou um bolo de primeiro aniversário para comemorar, mas eu sentia um peso na consciência.
Antes de Léte havia Nada, a cidade que eu cuidava em New Leaf, no Nintendo 3DS. Nada é uma cidade pequena: tem um cafézinho perto da praia, um salão de beleza que eu nunca entrei, e um clube que eu sempre esqueço que tem shows todas as noites.
Eu criei Léte no ano passado desbravando uma ilha deserta junto com duas outras criaturas. Quando eu criei Nada, há uns anos, não foi bem assim: diferente do título para o Switch, o jogo para Nintendo 3DS te entrega uma cidade pré-existente, com habitantes e lojas. Mas as cidades de New Leaf estão longe de estarem prontas. Como Isabelle comenta no início do jogo, as coisas não iam bem há tempos — a maior parte do comércio fechou, poucos moradores ficaram, e as ervas daninhas estão se apoderando da cidade.
New Leaf começa com uma pequena confusão: quando você chega na cidade via trem, a população acredita que você será o novo prefeito da cidade. Eles começam a te falar os planos, dão dicas do que eles querem ver construído, etc. New Leaf, como outros jogos da série Animal Crossing, é um jogo lento. Seja lá quais forem os sonhos da população para a cidade, eles vão demorar para se realizar.
Cenários pós-apocalípticos não são estranhos nos jogos. Franquias inteiras se moldaram a partir da premissa do “e se o mundo acabou?” — de RPGs até construtores de cidade, o pós-apocalipse já apareceu por tudo. São jogos que necessariamente precisam explorar a natureza humana, porque muito do que existe ao nosso redor acabou. Seja a propensão à violência em The Last of Us ou a persistência em This War of Mine, esses cenários são terreno fértil para um meio interativo como os jogos, porque oferece uma experiência diferente o suficiente da “vida real”: o que você faria se o mundo acabasse?
E é um cenário que reaparece inúmeras vezes em jogos da Nintendo. Em Metroid Prime, você está explorando um planeta dizimado por um vírus1. Em Splatoon, crianças travam batalhas de paintball em um mundo em que a sociedade ruiu e só restaram facções. Em Pokémon Red & Blue, os humanos só conseguiram reestabelecer sua civilização após uma crise de energia ao trabalharem juntos com Pokémons. Em The Legend of Zelda: Ocarina of Time, metade do jogo se passa em uma linha temporal em que o reino de Hyrule caiu.
Considerando como a Nintendo pensa nos jogos, não é de se duvidar que isso seja uma coincidência. Jogos como Metroid e Zelda usam a história em serviço da jogabilidade, e não o contrário. Pode ser que o pós-apocalipse é um bom cenário para contextualizar sistemas como o backtracking ou uma boa desculpa para incentivar o jogador a cavar qualquer buraco que encontrar para descobrir algo novo.
No início de New Leaf, a maior parte das lojas da Rua Principal estão abandonadas.
Essa abordagem da Nintendo, de pôr a jogabilidade em primeiro lugar e relegar a narrativa para um segundo plano, faz com que esses cenários pós-apocalípticos nunca fujam do plano de fundo de seus jogos. Eles estão sempre ali, mas estão sempre ao redor, silenciosos. Eles não chamam atenção para si mesmos, o que só os tornam mais interessantes e mais repletos de mistérios.
Talvez nenhum jogo da empresa explore essa ideia com tanta força quanto Breath of the Wild. Nele, Hyrule caiu há um século já, e muito do que o que o Link que você controla conhecia está em ruínas. Eu percebi a solidão desse mundo de um jeito inusitado: a primeira vez que eu joguei, eu percebi que o primeiro ser humano com que eu tive contato no jogo foi um sujeito assustado que vivia sozinho numa barraca perto de uma ponte. Até então, BOTW foi um jogo em sua maior parte silencioso. Depois do meu encontro com esse sujeito, demorou um pouco mais para eu encontrar outra pessoa — e um tanto até eu chegar no primeiro “hub” do jogo e perceber que ainda há vestígios de civilização em Hyrule.
Embora seja um jogo repleto de ruínas e destruição, BOTW não é desesperançoso. As ruínas dos templos e cidades estão separadas por quilômetros de florestas e rios e natureza, e quando você as encontra elas são como pontuações em sua jornada. Elas contam um pouco da história de Hyrule e o que se perdeu para a Calamidade há cem anos, como os erros cometidos no passado o impediram de salvar aquele lugar. Em BOTW, essas ruínas é usada para espalhar a história por todos os lados e deixar com que o jogador descubra e reconte-a em sua própria ordem e ritmo.
Ruínas são o que restou do que Link conhecia, mas a Hyrule que a gente conhece em BOTW é diferente. Com algumas horas de jogo você precisa chegar no vilarejo de Hateno, no extremo leste do jogo. Hateno está protegida por um forte e por uma cordilheira, mas é um achado — de longe o meu lugar favorito no jogo. Se você deixar, a população vai repetir como foi duro reconstruir a cidade após a Calamidade, mas eles estão felizes de terem persistido, porque se tornou um bom lugar para morar, e uma grata surpresa para os viajantes que a encontrarem.
Eu voltei pra visitar Nada há uns dias para ver como as coisas estavam. Eu não lembrava, mas antes de eu deixar de jogar New Leaf diariamente eu instituí uma lei para “manter Nada bem cuidada”, o que significa que os vizinhos ajudam a regar as plantas e evitar que o lixo se acumule. Pelo visto eles respeitaram. Embora alguns vizinhos tenham ido embora, e uns novos tenham se mudado para a cidade sem eu saber, Nada continuava lá: repleta de flores, a rua central bem movimentada, e o café com seus visitantes famosos. Dá um alívio saber que Isabelle e Erik, meu vizinho alce que nunca se mudou, continuam lá, e agora estão felizes com uma cidade reconstruída.
Eu gosto muito disso. Não sei se a Nintendo planejava esses títulos com essa temática, mas encontrar Hateno em Breath of the Wild, ou restaurar uma cidade em New Leaf têm um sabor especial hoje em dia. Em um dos logs de Metroid Prime você descobre que, depois que a civilização do planeta Tallon ruiu, alguns sobreviventes ficaram para trás para escrever a história daquele lugar em suas paredes, para que não fosse esquecida. E em BOTW, você tem a chance de ajudar uma comunidade a construir um vilarejo novo. É uma boa narrativa pós-apocalíptica que eu gostaria de ver mais nos jogos: a de persistir e construir. Nesses jogos, tentar de novo não é uma derrota. É a própria vitória, alcançada um pouquinho de cada vez.
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Eu tô jogando todos os Metroid para um post futuro, e vocês não sabem a minha surpresa quando eu cheguei nesse no meio de 2020. ↩