Por conta própria, ao longo de oito anos nós já tínhamos recebido cerca de 15 mil crianças vindas de escolas municipais. As sessões sempre aconteciam de manhã, fora do horário comercial, e a gente combinava tudo com as professoras dessas escolas. Funcionava muito bem. Nós juntamos os dois patinhos feios da indústria – o documentário e o cinema de rua – com propósito educativo. Isso deveria ser replicado por outros cinemas no Brasil. Há um monte de documentários espetaculares que são ignorados pelo circuito convencional. A gente passava filmes sobre o Rio São Francisco, sobre a Amazônia… Só filmes brasileiros. Nesses dias eu fazia questão de operar o projetor e receber os alunos pessoalmente no cinema.
E agora esse projeto tinha virado política pública. É o que sempre deveria ter sido. A gente começou a receber um subsídio de 10 mil reais por mês da prefeitura. Um dinheiro modesto, que servia para pagar o aluguel da sala, basicamente. Depois que assinamos essa parceria, a Secretaria de Direitos Humanos pediu que a gente também fizesse sessões para idosos e adolescentes que moram em abrigos. Foi muito legal. Nossa rotina passou a ser assim: crianças de manhã, idosos e adolescentes à tarde. À noite, muitas vezes fazíamos saraus e apresentações de música na sala de cinema.
Porto Alegre não tem cinema de bairro, mas só no centro da cidade tem três cinemas de rua. Um deles, o Vitória, já fechou no ano passado. As cinematecas do Capitólio e Paulo Amorim estão fechadas por conta da pandemia. São as salas que eu frequentava no meu dia-a-dia. Eu morei a algumas quadras da CCMQ e, naquele tempo, eu ia lá religiosamente depois do trabalho, de terça à sexta.
Esses espaços são muito especiais, como pequenos oásis onde a cultura pode agir por conta própria, e tem sido duro ver o descaso do governo em oferecer suporte à elas nesse momento — e, no caso do Joia, a facada nas costas que fechou a sala de vez.