Tudo o que eu já amei

O vulto de uma mulher em uma penumbra, iluminada por um abajur e pelo reflexo da janela. Imagem do filme “Cópia Fiel”.

Hoje é um dia estranho. Quer dizer, o dia em si até que tá tudo bem. Eu acordei cedo, fiz meus exercícios físicos, estudei um pouco e agora são 8h35 quando eu abri o meu editor de textos pra escrever esse post. As coisas tão indo bem.

Mas hoje faz um ano que eu perdi uma companheira muito querida, então eu pedi folga do trabalho para poder descansar e pensar um pouco sobre esse último ano. É estranho porque, nesse dia, ano passado, eu ia começar todo um processo de luto, onde revisitar o passado é uma parte dele. As vezes é confortável, porque você lembra os bons e maus momentos pelo que eles foram, o que torna o tempo de vida que você compartilhou com alguém que você amou mais especial. As vezes é triste, porque você lembra deles, e lembra que essas lembranças são tudo o que você tem agora, que novas memórias não vão ser feitas. E aí você perde aquele alguém especial de novo, e de novo e de novo. Pra mim, parte do luto é aprender a perder as pessoas que eu amei — meus avós, meus amigos, a Vivi — inúmeras vezes, até a perda em si ser uma parte da minha lembrança delas.

É estranho também porque eu não estou triste. Eu também não tô feliz, mas conforme esse dia foi chegando, eu comecei a olhar mais para tudo o que aconteceu nesse último ano, e a apreciar todas as pessoas e coisas que me cercaram nesse tempo. É bom de lembrar o porquê de eu achar que eu consegui ser amigo das pessoas mais incríveis do mundo, porque o dia-a-dia e o isolamento dos últimos meses me faz esquecer. Não é exagero quando eu falo isso, não. Seja os que eu falo todo o dia, ou os que eu só retomei contato recentemente. Eu vejo tudo o que eles fazem, e tudo o que eles são, e fico fascinado de poder dividir um pouco de espaço com eles. Seja pra contar uma história ou pra mandar um meme.

E tem tudo aquilo que aconteceu nesse último ano, que é mais ou menos onde eu tô querendo chegar. Existem as coisas que eu faço no dia-a-dia, porque a minha rotina mudou muito depois desse dia. E existe o que eu faço aqui no Pão. Nessa última semana eu percebi o quanto me faz bem vir aqui escrever, porque escolhas que eu fiz sobre esse site há sete anos me fazem apreciar ele ainda mais.

Quando a gente começou com o blog, eu e meus amigos tínhamos aquela presunção adolescente de que a gente tinha O Melhor Gosto, e o Pão foi criado para compartilharmos nossa opinião sobre aquilo que é Bom. A única regra é de que a gente devia escrever sobre aquilo que a gente gostava, realmente gostava. O Pão devia ser um blog sobre coisas boas.

Conforme o tempo foi passando e o Pão acabou ficando pra mim, e conforme eu fui amadurecendo e deixando de ter opiniões definitivas sobre qualquer coisa, essa regra acabou envelhecendo melhor do que eu achei que ia, porque o Pão virou uma pequena enciclopédia daquilo que eu gostei em algum ponto da minha vida, de tudo aquilo que eu usei na minha vida pra formar quem eu fui e me informar sobre o mundo ao redor. Eu registrei aqui descobertas e relatei meu amor sobre coisas que foram essenciais na minha vida (mais de uma vez, inclusive).

O Pão existiu antes de eu conhecer a Vivi, e continua existindo nesse um ano depois da morte dela. E, mesmo assim, eu tenho minhas memórias dos dois, de como eu preparava um post dificílimo de escrever na calada da noite enquanto ela roncava apoiada no meu pé (esse aqui foi especialmente longo. a ponto de eu acordar ela várias vezes naquela noite). Eu já tentei transformar ele em várias coisas, mas essa forma dele — um blog sobre qualquer coisa que me inspira e me emociona — sempre prevaleceu. E, nesse último ano, eu decidi deixar estar. Ele agora é o que ele sempre foi e eu nem sempre aceitei ser. Ele é uma lembrança de tudo o que eu já amei. E ela é parte disso tudo, e de me permitir aceitar esse espaço pelo que ele é. Meu muito obrigado por ler, sempre.