Quando fui convidado pelo meu amigo Guilherme a escrever um texto sobre uma das mostras do Kinoforum eu imediatamente me atrai pela mostra Novas Africas. Não por ser um grande conhecedor dos cinema africanos, mas justamente pela minha curiosidade sobre essas cinematografias que de forma geral são pouco conhecidas até mesmo para as pessoas mais interessadas por cinema. Tendo uma produção que historicamente é restrita a poucas obras (com algumas notáveis excessões1). Mas que na última década teve um considerável aumento na produção de filmes e os curtas como sempre surgem com força, especialmente para os novos realizadores. A mostra é composta por 3 sessões, cada uma com seu tema, tendo produções de diversos países como: República Democrática do Congo, Líbia, Quênia, Senegal, Marrocos e Burkina Faso; França e Bélgica também participam de algumas produções2.
A sessão Novas Áfricas 1 - Rebelião possui um título bem autoexplicativo para o filme Dia Negro (Yoro Mbaye, Senegal), onde acompanhamos Ngor, um estudante de direito que assim como muitos outros tem sua bolsa de estudos negada pela universidade. A falta de pagamento da bolsa por três meses gera uma revolta entre os estudantes que começam um forte protesto, culminando num grande confronto com a polícia. O filme, que começa com Ngor explicando o conceito de autodefesa em sala de aula, acaba com o assassinato do protagonista por policiais em meio a luta pelos direitos dos estudantes, se defendendo se uma agressão real, atual e injusta. Não posso deixar de mencionar Prisioneiro e Carcereiro (Muhannad Lamin, Líbia), que através da conversa entre dois personagens, já indicados no título, trata do massacre da prisão de Abu Salim. Esse massacre é um dos acontecimentos políticos recentes mais importantes do país, que até hoje está em guerra civil.
Meu destaque dessa sessão (e da mostra) vai para o filme que abre ela, Altas Horas (Nelson Makengo, República Democrática do Congo). Três telas dispostas uma ao lado da outra retratam o trabalho de uma comunidade para comprar um cabo de luz já que o bairro onde vivem está sempre no escuro. Aqui mais uma vez as pessoas precisam se unir, devido a ausência do estado na vida delas, para juntar dinheiro necessário para o cabo. O primeiro relato já nos dá o tom do filme, uma mulher cansada de ter que lidar com esses problemas, mas que não desistiu. Mostrando uma dura realidade, o filme é capaz de entender a complexidade do problema que as congolesas e congoleses periféricos lidam em seu dia a dia. Passando por discursos políticos vazios sobre o avanço do país, a luzes que funcionem a bateria sendo usadas para iluminar a noite e uma juventude que mesmo não tolerando o governo atual não enxerga as ferramentas para enfrenta-lo, voltamos a mesma mulher que abriu o filme agora com um cabo em mãos. Ela fala que agora só precisam encontrar o dinheiro para alguém fazer o serviço e sobre as coisas que a energia elétrica irá proporcionar aos moradores do bairro. Ela cita algumas das coisas como: não mais ter que caminhar no escuro quando anoitecer, poder ligar o freezer, as crianças poderem assistir tv etc. Em meio a essa fala vemos ela esboçar um sorriso, não se torna um sorriso de orelha a orelha, mas fez com que eu visse a esperança que eu ainda não tinha visto no filme. A situação complexa da República Democrática do Congo não vai ser resolvida tão cedo, mas enquanto a juventude se prepara para começar essa mudança, pelo menos não terão de caminhar no escuro.
Prisioneiro e Carcereiro
A sessão Novas Áfricas 2 - Música e Cinema começa com três curtas dirigidos pelo rapper congolês Baloji. Os filmes são: Zumbis (República Democrática do Congo, Bélgica), Nunca Olhe Para o Sol (França) e A Pele de Onagro/O Azul da Noite (República Democrática do Congo, Bélgica)3. Dentre os três trabalhos o que mais se destaca é Zumbis, um filme musical, com quatro músicas do artista (Kongaulois, Spotlight, Glossine e Ciel d’encre), que descreve o projeto como “uma jornada entre esperança e distopia em uma Kinshasa alucinada”. As músicas marcam bem os 4 momentos do filme, começando em uma boate futurista cheia de leds coloridos; um momento de transição em que uma mulher sai da boate e cruza a cidade, enquanto troca de roupa, até um salão de beleza; então do salão voltamos para a rua em um desfile e no final vamos para um lixão em um momento muito mais calma em relação ao resto do filme. Tudo isso é repleto de figurinos muito inusitados, feitos com muitos matérias reutilizáveis, me lembrou uma visão de futuro do Adirley Queirós só muito mais colorida e extravagante. A ideia de pessoas como escravos da tecnologia (zumbis) é bem batida, achei os momentos em que essa crítica é feita de forma mais efusiva pouco relevantes se comparados ao espetáculo visual que Baloji apresenta. Mesmo não sendo um fã da linguagem de videoclipes em geral fiquei bem impressionado com a estética de Baloji e suas coreografias.
Em Novas Africas 3 - Mulheres Africanas temos dois filmes que merecem destaque. No filme que abre a sessão, Mama Bobo (Robin Andelfinger e Ibrahima Seydi, Senegal), acompanhamos a rotina de uma viuva, já idosa, que todos os dias retorna ao mesmo local. A beleza do filme está na associação do afeto que sentimos por alguém sendo materializado em algo, nesse caso, uma parada de ônibus. Em Minha Amada Coesposa (Angèle Diabang, Senegal) vemos a relação de duas mulheres que moram na mesma casa, são casadas com o mesmo marido mas não se falam. A tensão se cria entre elas sem que nenhuma palavra seja dita, enquanto isso acompanhamos os pensamentos de cada uma que aos poucos nos revelam suas inseguranças e preocupações em relação uma a outra.
Além dessa mostra temos dois filmes marroquinos (Catiorros de Halima Ouardiri e E Daí Se o Rebanho Morrer de Sofia Alaoui) e um namibiano (Invisíveis de Joel Haikali) que estão na mostra Internacional. Meu amigo Arthur (o dono do blog) já escreve sobre eles e você pode conferir aqui.
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Por exemplo a Nigéria, o segundo país que mais produz filmes no mundo. ↩
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A Bélgica atua como co-produtora de quatro dos filmes; a França como co-produtora de um e produtora de outros dois que foram realizados por diretores africanos. ↩
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Os três filmes também estão disponíveis no canal do artista no YouTube. ↩