O que assistir da Mostra Competitiva e dos Programas Brasileiros do Kinoforum

A principal mostra dentro dos programas brasileiros esse ano foi composta por três sessões com quatro filmes em cada. Dos doze filmes selecionados, sete são produções do estado de São Paulo, dois de Pernambuco, um do Espírito Santo, um de Santa Catarina e um do Rio Grande do Sul. Os filmes estiveram online durante a semana e retornam por 24h a partir das 19h de hoje, dia 27 de agosto, então corre lá pra dar tempo de ler nossos comentários e assistir as indicações que preparamos para você.

Na primeira sessão temos filmes que expressam sua reação a um tensionamento representado pelo tempo, pelo hoje - existe algo no tempo presente que ameaça a existência dos nossos personagens, seja em um sentido simbólico, ou cultural, ou mesmo no sentido literal. A Ayahuasca é apresentada como uma alternativa de contato com os antepassados em O Jardim Fantástico (2020, Fábio Baldo e Tico Dias), em Inabitável (2020, Matheus Farias e Enock Carvalho) temos a filha que “some”, mas permanece através de um amuleto carregado pela mãe, em Contos da Família Pu (2020, Pedro Nishi) observamos o esforço de um avô ao tentar contar a história da família com a produção de incensos para a neta e, por último, em Carne (2019) temos relatos que são amarrados por um jogo temporal que referencia as diversas fases do corpo da mulher e encerra com Helena Ignez falando sobre o processo de envelhecer, confrontada consigo mesma em Copacabana Mon Amour (1970, Rogério Sganzerla) bradando “Eu tenho pavor da velhice”.

Na segunda sessão nossos personagens estão mais instrumentados na luta contra essa ameaça, e sua principal arma são os seus relatos — como o cineasta que quer falar sobre a sua comunidade, mas parece perseguido pelas imagens de violência que marcaram a vivência de sua personagem principal em Entre Nós e o Mundo (2019, Fábio Rodrigo); ou os dançarinos e coreógrafos que querem transformar a arte em uma forma de continuar a luta de seus antepassados em Inabitáveis (2020, Anderson Bardot); mas, principalmente, o poder do relato de Timóteo, homem negro escravizado no século XIX, em A Morte Branca do Feiticeiro Negro (Rodrigo Ribeiro, 2020), é muito representativo quanto à natureza dessas fricções temporais. Fechando a sessão, temos Perifericu (2019, Nay Mendl, Vita Pereira, Rosa Caldeira e Stheffany Fernanda) que mostra a angústia e os conflitos de uma juventude queer e periférica que está entrando fase adulta e sofre por questões típicas de sua idade, tais como a dificuldade de entrar no mercado de trabalho, problemas amorosos e atritos nas relações familiares.

Carne

Na terceira sessão os quatros filmes se propõem a dar diferentes visões sobre a ideia de perda, vemos nos personagens desses filmes diferentes relatos sobre as diversas maneiras de lidar com a ausência. Em O Nosso Amor Vai Embora (2020, Mariana Lacerda e Claudia Priscilla) vemos um chão repleto de fotografias de um casal que não existe mais, enquanto um homem isolado da sociedade reflete sobre essa parte dele mesmo que foi embora junto de seu amor. A partir de imagens de arquivos da família é constituída a atmosfera de Extratos (2019, Sinai Sganzerla), filme que constrói uma ponte temporal ao referenciar a perseguição sofrida pelos artistas na ditadura civil-militar de 1964. Em Construção (2020, Leonardo da Rosa), as ausências e perdas motivam a criação de um novo lar, de uma nova configuração familiar; assim como, em Receita de Caranguejo (2020, Issis Valenzuela), a perda do pai, também é o que atravessa o relacionamento de uma mãe e uma filha que tentam relaxar por alguns dias na praia — é uma sessão tomada de “fantasmas”, e pela forma com que estes afetam aqueles que ficaram.

Todas essas questões, relativas às memórias, identidades, e aflições brasileiras relacionadas ao hoje, trazidas pelos curtas da Mostra Competitiva, se estendem nos demais filmes que compõem os Programas Brasileiros. Na Mostra Brasil, destacamos o filme Lugar Algum (2019, Gabriel Amaral), que também expõe chagas que atravessam o tempo e fala sobre uma confusão do corpo com a terra, sobre ser dono de si e o sentimento de pertencimento a um lugar; também em O Que Pode Um Corpo (2020, Victor Di Marco e Márcio Picoli), que estabelece as subjetividades do corpo como ponto de partida, temos este relato autobiográfico do realizador, que faz ressurgir suas vivências ao registrar sua performance como artista com deficiência; por fim, Cão Maior (2019, Felipe Alves) que traz a vivência e os afetos de dois jovens pelas cidades-satélite do DF durante um fenômeno meteorológico “fantástico” e inexplicável.


Festival Internacional de Curtas Metragens – 31º Curta Kinforum de 20 a 30 de agosto Edição Virtual Programação pode ser acessada em: https://2020.kinoforum.org/programacao-completa

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