Talvez o formato mais prestigiado na TV essa década seja o de “séries limitadas”. A expressão parece ser uma resposta a um problema de seriados de TV como uma forma narrativa, já que eles dependem de audiência para continuarem no ar e serem “terminados” (e tem o risco de nunca terminar se fizer sucesso — Grey’s Anatomy continua vivíssima em estado de zumbi). Séries limitadas agrupam dois outros tipos de séries: as minisséries, aquelas onde existem um determinado número de episódios que contam uma história inteira, como Chernobyl; ou as antologias, onde cada temporada serve como uma minissérie, mas existe uma “coesão temática” entre tudo, como em True Detective. Já que contam com um número menor de episódios, elas conseguem ter mais dinheiro, o que atrai atores e diretores mais famosos, o que chama a atenção do público e das premiações, e assim vai.
Com o avanço do streaming, que se transformou na plataforma principal de séries para muita gente, os showrunners não precisam mais se preocupar em satisfazer um horário na grade de um canal, deixando eles mais livres para estender ou diminuir os episódios conforme a narrativa pede. Porém, dificilmente essa flexibilidade é usada pra menos. É comum episódios de séries da Netflix e do Prime Video passarem dos cinquenta minutos (um episódio de The Morning Show na Apple TV+ tem imperdoáveis 75 minutos). Mas eu tenho a impressão que o formato que mais amadureceu nessa última década está longe desses episódios extensos e caros, onde cada episódio quer ser de um tamanho de um filme mas não pode ter um fim, porque tem um episódio a seguir. A série de meia-hora, que na década passada era praticamente sinônimo para sitcom, talvez seja o formato mais interessante dessa década.
Talvez essa impressão minha seja porque, quando eu comecei a assistir séries no início dos anos 2000, as séries que tinham 30 minutos eram quase que exclusivamente comédias: Seinfeld, Friends e The Simpsons vinham em “blocos” de duas ou três séries de comédia nas quintas-feiras (primeiro na Sony, depois na Warner Channel). Muitas outras sitcoms passaram pelos anos — das melhores, como Community; às piores, como Dois homens e meio —, mas eram sempre comédias onde o arco narrativo dos seus personagens evoluíam pouco por episódio (o desenvolvimento de personagens em Seinfeld acontece mais quando a gente vê uma temporada inteira), e a situação voltava à normalidade no final para que o próximo episódio fosse independente do anterior.
Girls na HBO
A HBO e a Showtime flertaram com comédias mais adultas, como Sex and the City (na HBO GO) e Weeds (na Netflix), onde as personagens tinham um arco narrativo maior e não necessariamente voltavam à “estaca zero” como as séries de comédia mais tradicionais. O arco narrativo da série era mais bem definido, o que fazia os episódios serem mais essenciais um para o outro — se é possível ver episódios de Friends soltos e ainda assim entender o que está acontecendo, Sex and the City não funciona do mesmo jeito: a evolução de Carrie e suas amigas era acompanhado semana a semana pelos anos.
Duas séries deram o próximo passo na evolução: United States of Tara (no Prime Video) e Girls (na HBO GO) foram catalogadas como comédias quando estrearam, mas o seu conteúdo surpreendeu o público, com um misto certeiro entre o drama e a comédia do cotidiano. Embora tivessem momentos de humor, ambas exploravam muito mais a incerteza de futuro dos personagens. Em Tara, uma família precisa aprender a viver com a mãe, que possui transtorno dissociativo de identidade. Embora os primeiros capítulos mostrem com humor as mudanças de comportamento da protagonista, a série logo evolui para um retrato bem triste dos traumas que os membros de uma família podem impôr uns nos outros. Já Girls, no início, parece uma Sex and the City para a geração da internet, mas acaba em uma grande exposição dos problemas geracionais de um grupo de amigas, e como o amadurecimento nem sempre significa crescimento na vida.
A partir dessas duas séries, os canais premium como HBO e Showtime começaram a usar seus blocos de meia hora para explorar mais. Como são séries mais baratas, que não envolvem nem a audiência nem os custos de produção de uma Game of Thrones ou House of Cards, essas séries possuem mais espaço para respirar e mudar o que for preciso. Na HBO nos últimos anos teve Togetherness, Looking e Insecure, séries que são corajosas e honestas sobre pessoas tentando viver suas vidas nos dias atuais. A Netflix lançou Easy, do conceituado diretor independente Joe Swanberg, onde atores enfrentam o obstáculo de ter uma carreira e uma “vida real”. A FX tem a fantástica Atlanta, com o Donald Glover; o Prime Video tem a fantástica Fleabag, que eu tenho quase certeza que é o mais perto de uma série perfeita que eu já vi. E até mesmo o Facebook Watch acertou em cheio com a belíssima Sorry for Your Loss, em que uma jovem viúva precisa se deparar com a noção do que sua vida perdeu quando seu marido morreu.
Insecure na HBO
Episódios de trinta minutos são complexos de acertar não só porque tem menos tempo para desenvolver um arco narrativo, mas porque trabalham com situações menores. Essas séries precisam encontrar exatamente um ponto certeiro entre representar momentos cotidianos da vida e identificar como elas podem mudar seus personagens: de uma ida à praia em Insecure a cortar o cabelo em Looking, essas séries precisam identificar como nosso dia a dia é repleto de momentos de tristeza e de beleza em igual medida, e como é a partir deles que é possível as histórias de nossas vidas.
Essas séries são consideradas comédia não porque possuem momentos que fazem rir, mas porque são sobre pessoas normais tentando levar a vida em um mundo indiferente à elas — e como essa condição de vida nos faz perceber como somos pequenos em meio a tudo o que acontece ao nosso redor, mas também como fazemos parte desse todo. Girls, Looking e Insecure são sobre pessoas buscando seu lugar no mundo; United States of Tara, Togetherness e Sorry for Your Loss estão interessadas em como vivemos ao redor das pessoas que nos aproximamos. São pequenas investigações do mundo real que não precisam de reviravoltas mirabolantes para engajar os espectadores. O reconhecimento de ter passado, ou estar passando, por um momento incerto na vida, e de não saber se um dia esse momento vai acabar, é forte por si só.