Socorro, eu não consigo sair de Pocket City

Eu acho que simulação é o meu gênero favorito de jogo. Eu já escrevi várias vezes aqui sobre The Sims e Spore e The Sims de novo. É um gênero que retribui o nível de atenção que eu estou disposto a dar. Se eu me sinto inspirado e me dedico, eu posso passar gerações inteiras com meus Sims no The Sims. Se eu quero só relaxar um pouco, basta colocar umas zonas residenciais e comerciais no meio de um terreno pra ver uma cidade tomar forma e se ajeitar no SimCity 4.

Simulação é um gênero gigante nos jogos. No final da década de 1980, em meio a uma crise criativa, Will Wright salvou os jogos de computador quase que sozinho com seu SimCity original e, no meio do caminho, fundou todo um gênero junto. Mas, pra uma figura tão grande na história dos jogos, é um gênero também bem pouco expressivo. Se você quer jogar um simulador de pessoas, não existe nada além de The Sims. Se quer simular uma cidade ou você joga o SimCity 4, de 2003, ou parte pra Cities: Skylines (se você gosta de sofrer, o SimCity de 2013 ainda existe, também).

Não ajuda que o gênero sofreu bastante na última década: o último SimCity foi um fracasso; Cities: Skylines é ótimo… como um construtor de cidades, mas não um simulador; e as centenas de joguinhos de celular que imitam os líderes do gênero são atulhados de temporizadores e microtransações, quebrando completamente o fluxo da jogatina. E é por isso que Pocket City me impressionou ainda mais.

Pocket City custa R$ 11,90 no Google Play e R$ 10,90 no na App Store, e é isso. Sem microtransações, sem “tempos de construção” que duram duas horas (ou 1 minuto se você pagar R$1,99!). Comprando o jogo você tem uma experiência completa que vale muito a pena.

Embora não seja um SimCity, Pocket City dá a impressão de ser um irmão mais novo. Ele traz os mesmos aspectos fundamentais, como as zonas residenciais, comerciais e industriais identificadas por cores (os clássicos verde, azul e amarelo); e os prédios que oferecem recursos (como usinas e caixas d’água) ou serviços (bombeiros, hospitais, etc.) com limites de alcance.

Pocket City usa essa familiaridade ao seu favor, porque é a primeira grande realização do gênero em uma interface de toque, e pouca explicação é dada através dela. Se SimCity e Cities: Skylines possuem caixas de texto explicando as complexidades do zoneamento e posicionamento de recursos, método de propagação de tráfego e poluição, Pocket City não tem o luxo de ocupar uma tela inteira com esse tipo de coisa, e prefere oferecer essas explicações conforme você for encontrando elas em pequenos “objetivos” que aparecem de tempos em tempos. Por exemplo, quando você atinge um certo número de população, o chefe dos bombeiros vai pedir pra você melhorar o tráfego de uma determinada região, e assim você vai aprender sobre como o sistema de tráfego do jogo funciona, em uma tentativa e erro que não é maçante justamente porque a interface é tão bem pensada e não pune o jogador com temporizadores.

Isso é puro design, e o que eu mais amei em Pocket City. Muitas das dores de crescimento que o gênero vem sofrendo nessa última década é pela dificuldade de incorporar os avanços tecnológicos da indústria, o que acaba afetando o balanceamento da jogabilidade (de retribuir a dedicação do jogador no mesmo nível), que era justamente o aspecto mais bacana desse tipo de jogo. Pocket City precisou remover muitos desses sistemas mais complexos do holofote porque sua interface não permite, já que o jogo precisa apresentar todas as informações que o jogador quer em poucos toques na tela.

Um tornado destroi uma cidade Eba, mais lugar pra construir!

E essa informação ainda está lá, só muito bem distribuída. Gráficos populacionais ainda existem, e você pode controlar impostos e importações e exportações como qualquer outro simulador de cidades. Mas Pocket City não faz isso ser uma rotina obrigatória do jogo, e volta àquela beleza que SimCity 4 acertou em cheio — e que faz dele o simulador de cidades definitivo até hoje — de que o jogador pode jogar com as ferramentas que quiser. É um jogo confiante o suficiente nos seus acertos que entende que o jogador vai querer se dedicar mais com o tempo, conforme se sente confortável com as ferramentas que já dominou.

Pocket City é um excelente jogo de simulação, e só é melhor porque é um excelente jogo de celular também. Essa leveza de jogabilidade se estende a tudo, da visão isométrica à SimCity 2000 aos carismáticos conselheiros da cidade, todos cheios de personalidade, ou as piadinhas dos habitantes da sua cidade conforme você vai dando zoom e vendo eles praticando yoga no meio da rua ou convidando o vizinho para participar de um esquema de pirâmide. É divertido viver na sua cidade!

No fim das contas, Pocket City encontra aquilo que é comum no gênero e na sua plataforma, em nivelar o interesse do jogador com um sistema que ele possa investir sua atenção. É o jogo perfeito para aquela ida no banheiro do trabalho, mas também é ideal para ficar naquelas duas horas deitado antes de dormir, porque os controles são satisfatórios o suficiente e porque fica com aquele gostinho de quero mais de SimCity, de que só mais uma zona, só mais um objetivo antes de encerrar a jogatina. Quando você vê já são 4h da madrugada e você tá esquentando o miojo porque um vulcão apareceu no meio da sua cidade — e você está feliz, porque é justamente aquela desculpa que você precisava pra ficar até às seis.

(Foi mais ou menos essa hora que eu descobri que existe uma versão para computador que sincroniza os jogos salvos com o celular, e daí eu só desisti de dormir pelo resto da minha vida).