Os Roys, a família no centro de Succession, não é muito diferente dos Sopranos e dos Lannisters, outras famílias que protagonizaram outras séries da HBO. Mas, diferente de Família Soprano e de Game of Thrones, Succession não pode ver sua família sob a ótica de um gênero televisivo, como a máfia dos Sopranos ou a alta fantasia com os Lannisters. Não, o mundo em que os Roys vive é bem semelhante ao nosso. É justamente o que dificulta você se apaixonar por uma série de tragicomédia como essa, mas é justamente o que torna ela tão boa.
Em Succession (na HBO, onde a segunda temporada estreia nesse domingo) a família Roy não é nem mafiosa nem monarca, mas um pouco das duas coisas: eles lideram o quinto maior conglomerado de mídia do mundo. E Logan Roy, o líder tanto da família quanto dos negócios, não está muito bem da saúde. É aí que começa a corrida pelo trono do patriarca, e é onde Succession mostra suas garras.
É difícil começar Succession, não porque o primeiro episódio é problemático, mas porque os tempos não parecem muito propícios para uma série como essa. Uma tragicomédia de uma hora sobre uma família de ultrarricos americanos tão influentes e detestáveis quanto os Trump ou os Bolsonaro? Não parece ser exatamente o que a gente precisa nos dias de hoje (e, considerando a forma como Game of Thrones celebrou a sua última poderosa família de genocidas, a HBO pode não ter lá um bom precedente).
Mas é por tentar entender como essas famílias operam que torna Succession tão fascinante de assistir. A série foge da armadilha de mostrar algo como “os ultrarricos também sofrem como nós” porque o que realmente interessa para ela seria algo como “é assim que os ultrarricos fazem todos nós sofrermos”. Ela é bastante cínica e cruel com seus protagonistas, e é justamente isso que a eleva a um ponto em que a última série da HBO que tratou de um jogo político entre membros de uma família pelo domínio de um poder absoluto nunca conseguiu alcançar: aquele entendimento de que o drama da sucessão, da herança desse poder é muitíssimo relevante para o mundo que nós vivemos — as poucas famílias multimilionárias como os Roy comandam a economia do mundo inteiro —, mas isso não significa que existam heróis e vilões para os quais devemos torcer: os herdeiros em Succession são todos desprezíveis.
O que Succession faz tão bem é olhar para os Roy com distância, quase como um estudo científico. É impossível torcer para que Kendall Roy, o possível herdeiro, consiga adquirir uma empresa para englobar na mega corporação do seu pai, ou que Shiv Roy, a filha do meio, tenha sucesso na carreira política, porque nós sabemos onde isso vai dar (e as notícias do nosso dia-a-dia não nos deixam esquecer). É uma tragicomédia sem risos e sem drama, então? Nem um pouco. A cartada final de Succession é de filmar os Roy como os predadores no topo de uma cadeia alimentar. Quando eles falham, é porque desconsideraram o terreno ou algum obstáculo que seria fácil de identificar, e a série sabe muito bem encontrar o humor quase vergonhoso da incapacidade dos Roy. Mas quando eles acertam, esses predadores começam a carnificina — e Succession não esconde o seu verdadeiro poder de destruição.