Hannibal oferece uma saborosa visão do Mal

É comum os personagens das histórias que acompanhamos flertarem com o mal. Luke vê seu rosto no capacete de Darth Vader no Império Contra-Ataca e Woody quer dar um fim no Buzz no primeiro Toy Story, por exemplo. Isso torna esses personagens em pessoas falhas, e nos aproximam deles por isso. Assim como nós, eles também têm defeitos, e é uma escolha constante entre seguir um caminho ou o outro.

Mas em Hannibal, não parece que o assassino serial traço canibal traço psiquiatra sequer fez uma escolha: na série, Hannibal é o Mal em pessoa.

Hannibal, a série, é livremente inspirado nos livros e nos personagens de Thomas Harris. Diferente dos livros, o Hannibal interpretado por Mads Mikkelsen é praticamente uma criatura mitológica, um anjo caído na Terra para tentar os humanos a largarem todas as suas crenças e códigos sociais e abraçarem sua natureza mais primitiva e essencial: o desejo pela sobrevivência.

Claro, Hannibal é só uma pessoa, e a série nunca tenta dar a ele superpoderes. O que faz dele poderoso sobre as pessoas ao seu redor é a sua inteligência sobre o comportamento humano, sobre as construções sociais que criamos para poder viver em harmonia. E como ele pode sugerir pra elas um desejo de viver no caos.

A série consegue fugir das armadilhas dos livros e filmes que pouco a pouco transformaram o personagem em uma caricatura como o Freddy Kruger ou o Jason, uma figura sobrenatural. O que torna o Hannibal de Mikkelsen tão fascinante é que ele é dificílimo de se definir: é um charmoso, inteligente psiquiatra que ajuda o FBI a fazer perfis psicológicos de criminosos.

Hannibal (Madds Mikkelsen) encara Will Graham através de sua prisão de vidro. O reflexo do rosto de Will Graham aparece nas sombras. Na terceira temporada, Hannibal e Will são parte um do outro, mesmo que distantes. O uso das sombras na série é sublime.

Mas essa é a sua “roupa de pessoa”, como ele se refere quando descobrem o assassino com o qual os detetives revelaram suas intimidades. Na primeira temporada da série, Hannibal leva um deles à beira da loucura apenas com a sugestão de que ele poderia ser um assassino em série. E Hannibal, a série, nos mostra como é se sentir nas mãos de uma pessoa tão impressionante, e tão perigosa como essa. Dá medo, mas é apaixonante.

Não é à toa que existe um subtexto romântico em Hannibal. Por baixo do disfarce de psiquiatra há um assassino em série, mas por baixo desse assassino há uma outra pessoa, apaixonada por Will Graham, um possível igual — conhecedor da natureza humana, das ilusões sociais que criamos. Mas, diferente de Hannibal, Will não é o Mal — e também não é o Bem. É uma pessoa, tentada pelo próprio Diabo, que precisa lutar com um desejo quase sexual pela carne (a que está na mesa, a que está na cama e a que está na mente). Mas enquanto cada um tenta entender um lado de Hannibal, só ele entende todos os seus lados, e os controla tão bem.

Hannibal revela essa história de amor e morte como uma boa ópera. Exagerada nos visuais, que exaltam a sombra e cores quentes, parece que estamos vendo as entranhas de uma pessoa. E também nos diálogos, floreados da melhor forma: com grandes monólogos sobre a natureza da vida, do amor e da morte. Foi uma das séries mais únicas da TV, e uma das mais… saborosas… de acompanhar.


As três temporadas de Hannibal estão disponíveis no Netflix. Bom apetite.