Chernobyl, a nova minissérie da HBO sobre a catástrofe nuclear de 1986 na Ucrânia, não é fácil de assistir. É uma triste e implacável série sobre um desastre feito pelo homem com efeitos que persistem até hoje (e, provavelmente, pelos próximos milhares de anos); que retrata uma disseminação sistemática de desinformação que acaba custando milhares de vidas civis; e que não foge de deixar claro o quão doloroso é o efeito da radiação sobre o corpo humano.
E, no entanto, é uma bela e esperançosa homenagem às pessoas corajosas que se sacrificaram para evitar que o desastre fosse maior.
Filmado em um tom triste mas evocativo, o primeiro episódio de Chernobyl vai direto ao ponto. A explosão do reator nuclear na usina de Chernobil acontece em seus primeiros minutos, e o que se segue é uma noite de pesadelo, onde a morte está em toda parte, lentamente levando os que estão em seu caminho. Pior é a oclusão de informação que acontece quase que instantaneamente. O engenheiro responsável pelo teste de segurança que causou o acidente é o primeiro a negar a evidência de uma catástrofe quando ela é oferecida em frente de seus próprios olhos. “Você não viu grafite no chão, porque ele não está lá”, ele grita, pouco antes de pedir a dois de seus subordinados para irem às câmaras do reator para literalmente encararem a morte.
Chernobyl define seu desastre central e o descuido institucional logo no início, de modo que o peso da perda seja maior, com o devido respeito à vida que é perdida. Dyatlov, o chefe de engenharia mencionado no parágrafo anterior, nega a evidência de seus subordinados de que o núcleo explodiu, então os seguimos para as câmaras do reator para receber uma dose letal de radiação. Isso acontece de novo e de novo durante o primeiro episódio: primeiro com os bombeiros, que são notificados que o acidente “é apenas um incêndio” e vão direto para o núcleo exposto do reator nuclear. Então, na seqüência mais terrível do episódio, o outro engenheiro chefe confirma veementemente que há resíduos da câmara do reator espalhados ao redor da Usina. Não acreditando nele, os gerentes pedem que ele vá até o telhado para “dar uma boa olhada no que está acontecendo”, e depois voltar para contar a eles.
O que acontece então é Chernobyl entregando seu momento mais poderoso: quando o personagem, Sitnikov, vai para o telhado, nós só vemos seu rosto — uma expressão assustada percorrendo ele. Então ele sai do prédio para confirmar o que já sabia, em um plano que expõe o tamanho da explosão. Quando o vemos novamente, seu rosto está vermelho e começa a sangrar. É quando Chernobyl dá seu soco. Aí está o custo das mentiras. Ao dar a cada personagem o seu devido momento, a série consegue exprimir o peso dessas perdas, o custo de um sacrifício desse tamanho.
Esse cuidado da série se estende à tudo. Do valor de produção — se Chernobyl tem algum pecado, é que as vezes se demora demais em carpetes e paredes, fascinado com a própria fidelidade —, às atuações dos três titãs que regem a série, Jared Harris, Emily Watson e Stellar Skaasgård. Tudo ao redor é resultado de um cuidado e de uma pesquisa extensiva, uma preocupação em conseguir criar uma homenagem digna à essas pessoas. (A HBO está acompanhando a série com um podcast excelente com o criador e roteirista, para dar mais detalhes sobre os fatos que os episódios mencionam).
Em um episódio seguinte da série, um personagem argumentará que “o poder da União Soviética reside na percepção de seu poder”. É comum dizer que um desastre como Chernobil só poderia acontecer na União Soviética. Assistir o descaso institucional com a verdade, e uma preocupação doentia com a aparência do governo como expõe Chernobyl dá um leve sentimento de déjà vu — não estamos vendo isso todos os dias na internet? —, mas a minissérie oferece um complemento, ou até mesmo um contra-argumento, à essa noção: um esforço como o que essas pessoas fizeram para conter e impedir que a catástrofe fosse ainda mais mortal para ainda mais pessoas só poderia acontecer na União Soviética — ou melhor, com um povo que acreditava em uma união que, no futuro, honraria tudo o que eles sofreram ao não repetir seus próprios erros.
Para um show tão difícil de assistir, é notável como Chernobyl nos oferece uma mão esperançosa e segura para nos acompanhar. Os bombeiros, os engenheiros, os civis que morreriam para evitar que um acidente como esse voltasse a acontecer são aqueles que merecem suas histórias contadas, com o respeito e a beleza como a qual Chernobyl entrega. Uma hora a verdade chegará à tona, só resta decidirmos se ela vai custar centenas de vidas de novo, ou se nos inspiraremos no sacrifício de um povo que lutou para que isso não aconteça de novo.
Onde posso assistir Chernobyl? O segundo dos cinco episódios vai ao ar nessa sexta-feira, às 21h, na HBO. Você pode conferir os episódios na HBO Go.