Apocalypse World ajuda a desafiar expectativas sobre RPG de mesa

Talvez você já tenha jogado RPG no passado. Normalmente RPG surge como aquela brincadeira meio diferente que o seu primo ou amigo da escola trás para um dia de chuva, ou quando cai a luz, ou só como um jeito de quebrar a monotonia mesmo. Talvez você só se lembre que existe porque ele apareceu em um episódio de Bob Esponja ou Stranger Things. Talvez só tenha jogado uma versão eletrônica. Independente disso, e até mesmo entre veteranos dos jogos, existe uma idéia cultural um pouco difusa sobre o que é um RPG de mesa, e como ele funciona.

Muitas pessoas que já jogaram RPG tiveram contato com jogos conhecidos e aclamados como GURPS, Vampiro, Tormenta e 3D&T, mas me parece difícil questionar que Dungeons & Dragons costuma ser o primeiro contato da maioria. Dungeons & Dragons é um jogo de contar histórias, onde os jogadores interpretam heróis medievais fantásticos e o Mestre comanda um mundo de monstros na direção deles. D&D é um jogo de combates dramáticos, inimigos grandiosos e conquistas impressionantes.

De certa forma, o tipo de experiência que está no fundo disso tudo - a experiência coletiva de contar uma história e protagonizá-la, o imaginar de momentos triunfantes e situações impossíveis, etc. - é universal para a maioria dos RPGs. Entretanto, a nossa ideia comum de RPG costuma agregar muitos outros aspectos que são particulares de D&D.

Há uma certa tendência em determinados momentos de pensar D&D como a única alternativa para esse tipo de experiência. Isso costuma levar as pessoas que jogam a experimentarem com D&D, alterando-o estética ou mecanicamente para torná-lo um RPG seu, ou sobre o assunto que elas mais gostam. Sem recorrer ao Google, eu consigo apostar que existe na internet um D&D de Naruto, um de Supernatural e um de League of Legends, sem contar o número infindável de Cenários próprios, mundos de fantasia originais. Esses me parecem os nossos primeiros passos em game design, e é algo que acontece frequentemente com outros sistemas também. Até mesmo preparar uma sessão de jogo, como narrador, exige um pouco disso.

Sistemas diferentes existem justamente por isso. Houve uma época inclusive em que não se podia publicar oficialmente jogos derivados de Dungeons & Dragons, mas na sua terceira edição o jogo estabeleceu uma licença aberta. Isso causou uma explosão de criações, e fez com que muitos começassem a escrever jogos no então conhecido sistema d20.

Manuais (livros grandes e coloridos) e módulos de aventura para Dungeons and Dragons Quantas aventuras e versões de Dungeons & Dragons podem existir?

Às vezes esses esforços não produzem exatamente a experiência desejada em parte dos jogadores. O grupo que queria a ação frenética de Naruto acaba em um combate de turnos inacabáveis, onde um jogador declara um ataque e passa a sua vez - uma experiência que nem mesmo o sistema d20 pretende, quando jogado da maneira “correta”.

Existem certas expectativas que os jogadores de RPGs mais tradicionais costumam tomar como padrão estabelecido, e as conversas que cercam essas expectativas acabam por desencorajar determinados tipo de decisão ou de design. O sistema d20 definitivamente não é o único RPG, e nem o único RPG bem conhecido no meio, mas o design que ele contém parece ocupar uma grande parte dos nossos imaginários. Um jornalista mais esperto que eu talvez dissesse que isso poderia se dar pela forma com que jogos d20 e seu legado podem condicionar, através de suas mecânicas, nosso olhar para RPGs.

Pessoalmente, eu passei anos igualando D&D, e as expectativas estabelecidas por ele, com RPG. É uma moldura pela qual eu observava os jogos do gênero, e pela qual eu me aproximava de novos jogos. Essa perspectiva só se expandiu quando eu conheci Apocalypse World.

Apocalypse World é um jogo de D. Vincent Baker e Meguey Baker, sobre a vida depois de um apocalipse terrível que ninguém sabe dizer ao certo como aconteceu.

Ninguém se lembra de como foi ou por quê. Talvez ninguém realmente tenha entendido o que ocorreu. Os sobreviventes mais velhos que ainda estão entre nós têm, no máximo, algumas memórias de infância: cidades em chamas, a sociedade em caos e depois em colapso, famílias fugindo em pânico, as noites estranhas durante as quais o céu incandescente transformava a meia-noite em um meio-dia com a cor de sangue.

O mundo não é mais o mesmo, e você não precisa ser muito esperto para perceber isso. Feche seus olhos e abra sua mente: algo está errado. Bem no limite de nossas percepções, tem alguma coisa uivando, sempre presente, cheia de ódio e terror, formando uma tempestade psíquica que assola o mundo, e da qual nenhum de nós é capaz de se proteger.

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira.

O surgimento de Apocalypse World entre os círculos de jogos indie provocou uma reação, guardadas as devidas proporções, tão importante quanto a da licença d20, e vários jogos surgiram a partir das ideias que ele ajudou a popularizar. Vou tentar explicar como esses jogos, Powered by The Apocalypse, podem desafiar algumas expectativas comuns sobre RPGs. Eles não são os únicos nem os primeiros a fazer isso, mas para mim eles explicam certas coisas de forma a abrir caminho para visões mais amplas sobre jogos narrativos.

Figura de uma mulher colocando as mãos sobre a boca, com uma expressão assustada Ilustração para o capítulo de “Mestre de Cerimônias”, da segunda edição de Apocalypse World

“RPG é muito complicado”

É muito comum encontrar pessoas que acham que RPGs são muito complexos para elas. “Tem que saber um monte de regra”, “tem que ficar vendo tabela” e outras variantes costumam ser a explicação. Mesmo entre pessoas que já jogaram, coisas como uma lista de poderes especiais extensa ou as explicações complexas de um combate podem desencorajar quem procura algo mais simples.

Apocalypse World, como todos os jogos, ainda necessita que você aprenda as regras, e consulte-as de tempo em tempo. No entanto, sua forma de apresentação descomplica vários processos que costumamos pensar como difíceis.

  • A criação de personagens acontece dentro da primeira sessão, não exigindo das pessoas que jogam uma criação prévia e o tempo que isso demanda.
  • Não há necessidade de um entendimento prévio do mundo de jogo, nem a leitura de “lore” para que alguém possa criar uma personagem durante a sessão.
  • Todas as regras que um jogador precisa saber para jogar estão contidos na ficha da sua personagem (uma folha frente e verso conhecida como “livro de jogo”) e nas fichas de referência imediata (uma ou duas outras folhas frente e verso que só são consultadas ocasionalmente, não lidas).
  • Não há consulta de tabelas, listas, ou outras externalidades mesmo para a criação da personagem: você simplesmente segue as instruções da própria ficha.

Além desses aspectos de pontapé inicial, o jogo apresenta todas as suas mecânicas como “movimentos”. Um movimento é como um algoritmo de jogo: se uma determinada coisa acontecer na história, então as seguintes consequências podem surgir.

A regra para os movimentos é se você fez isso, faça aquilo. Para que uma ação seja considerada um movimento que fará o jogador rolar os dados, seu personagem tem que estar fazendo alguma coisa que conte como aquele movimento; e sempre que um personagem fizer algo que possa ser considerado como um movimento, então aquilo é o movimento e seu jogador deve rolar os dados.

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

É uma pequena instrução a ser seguida, que inicia de dentro do jogo em determinadas circunstâncias. Dessa forma, todas as mecânicas são apresentadas de forma simples, coesa e eficaz. Você rola os dados e segue as instruções.

Mesmo passando essa primeira barreira, algumas pessoas costumam estranhar a ideia de interpretar personagens em grupo, ou na forma de jogo. Se cria uma ideia de que apenas pessoas que tem uma certa capacidade social ou “pensamento rápido” vão conseguir participar. O sentimento parece um pouco “Mesmo que eu consiga entender as regras, eu não vou saber fazer isso”.

Através de um de seus conceitos centrais, “A Conversa”, Apocalypse World tenta visualizar todo esse panorama de um outro ângulo.

Você provavelmente já sabe disso, mas jogar RPG é basicamente manter uma conversa. Os jogadores participam de um vai e vem de informações, falando a respeito de seus personagens fictícios, em suas circunstâncias fictícias, realizando suas ações fictícias. Como em qualquer outra conversa, cada um tem sua vez de falar, mas não é exatamente como se cada um realmente tivesse sua vez, certo? Tem horas que as pessoas falam ao mesmo tempo, se interrompem, constroem uma ideia em conjunto, tentam monopolizar a conversa e por aí vai.

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

A Conversa simplifica o que nós imaginamos como RPG, como jogo narrativo. Algo que parecia muito difícil e floreado soa estranhamente familiar. Combinado com as escolhas de design anteriores, Apocalypse World se torna um tipo de “molde” de conversação, em que um grupo de pessoas imagina uma situação, e então recorre às regras rapidamente quando algo incerto ou desafiador surge para suas protagonistas.

Não se preocupe se parecer confuso: as regras vão ajudar a mediar essa conversa, entrando em ação assim que alguém disser determinadas coisas, e vão impor limites ao que poderá ser dito na sequência. Vai fazer sentido, ok?

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

Tabelas ilustrativa de relação de danos e ações de um manual de Dungeons & Dragons Nem todos os jogos são cheios de tabelas e dados esquisitos

“Mestrar é só pra quem pode”

Diretamente ligada à ideia anterior, está a de que Mestrar (o ato de narrar o jogo) é algo reservado apenas a aqueles que tem certo “talento” para a coisa. Existe uma mística por trás do papel do “Mestre” que se difundiu a partir de uma ideia antiga, das primeiras edições de Dungeons & Dragons , de que “o Game Master (GM) é aquele que sabe tudo, que controla tudo, que leu os três manuais e vários suplementos”.

A segunda coisa que se lê na primeira página sobre como narrar Apocalypse World é:

Há um milhão de maneiras de Mestrar jogos; Apocalypse World pede por uma em particular. Este capítulo é ela. Siga o que vem a seguir como regras. Todo o resto do jogo é construído sobre essa base.

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

Há uma tentativa clara de vincular a imagem do narrador ao restante do grupo, e um enfoque no fato de ele, como qualquer outro jogador, deve seguir determinadas regras durante a partida. É uma coisa simples, mas que acaba respingando em outras discussões regulares da comunidade de RPG.

Partindo do pressuposto d’A Conversa, o papel de Mestre de Cerimônias (MC) é explicado com “os Objetivos” e “os Princípios”. Os Objetivos determinam seu direcionamento mais básicos na conversa, o que você deve tentar dizer para que o jogo aconteça. Os dois primeiros dizem coisas como:

  • Fazer Apocalypse World parecer real.
  • Fazer com que a vida dos personagens não seja tediosa.

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

A partir dessa base simples, os Princípios delineiam como você faz para dizer facilmente algo que leve os Objetivos adiante. Os nomes dos Princípios são simples de lembrar, como as frases curtas dos Objetivos, mas são esmiuçados em páginas seguintes para explicar exatamente qual é a ideia por trás daquilo.

Vomite o apocalipse: cultive em sua imaginação diversos ambientes difíceis, imagens de sangue em abundância e sobreposições grotescas. Em Apocalypse World, quando cai a chuva, ela vem cheia de sujeira preta e fina, e as folhas das plantas ficam cinzas ao absorvê-la. No meio dos carros destruídos, cães sarnentos brigam por território, tanto entre si quanto contra ratos, e uma de suas raças parece ter pálpebras feitas de ossos. Se você se aproximar o suficiente, consegue até mesmo ouvir o clique que essas pálpebras fazem quando os cães piscam.

– Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

O texto das instruções é ao mesmo tempo evocativo do tipo de experiência de jogo que se pretende, e elucidativo de como você faz para que ela se torne realidade.

Várias edições de jogos mais tradicionais também pedem que o narrador seja responsável por um processo longo de criação do que acaba sendo um “adventure game de papel”, com todos os detalhes de personagens coadjuvantes, descrições de acontecimentos e oponentes. A quantidade de tempo que esse processo requer não é tão atrativa para muitas das pessoas que jogam esses sistemas, menos ainda para quem acabou de descobrir sobre o assunto.

Sintetizando o tipo de planejamento não-oficial que já era feito por muitos narradores, Apocalypse World pede que você apenas observe o que aconteceu durante a narrativa e a partir disso defina quais são as “Ameaças” aos objetivos das personagens.

Os inimigos dos personagens são as ameaças mais óbvias e imediatas, mas seus aliados, suas equipes, suas gangues e seu povo também são ameaças. Eles podem estar bem agora, mas podem se voltar contra os PCs, e provavelmente irão, quando sua fome e seu desespero superarem sua lealdade. E mesmo enquanto isso não acontece, eles continuam sendo ameaças para todo o resto.

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

As Ameaças definem tudo, dos temas que virão à tona no jogo ao tipo de consequência que aquele problema pode trazer se as protagonistas não lidarem com ele. Uma lista de tipos de Ameaça dá um apoio extra, restringindo quais são as coisas que aquela ficção apocalíptica pode tratar. Elas podem variar de oponentes óbvias como Senhores de Guerra e Brutos, até coisas menos tangíveis como Territórios e Misérias.

Uma miséria não é uma pessoa, mas algo que ameaça o que as pessoas estiverem fazendo ou o que estiver acontecendo. Escolha o tipo de miséria:

  • Doença (impulso: saturar uma população)
  • Condição (impulso: expor pessoas ao perigo)
  • Costume (impulso: promover e justificar violência)
  • Ilusão (impulso: dominar as escolhas e ações das pessoas)
  • Sacrifício (impulso: deixar as pessoas desoladas)
  • Barreira (impulso: empobrecer pessoas)

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

Essas Ameaças acompanham instruções específicas de sua construção, dada que ela vem diretamente dos acontecimentos dentro da história. Você termina com um número de elementos simples, com poucos itens a lembrar, que você tem instruções para usar diretamente em suas falas graças às regras apresentadas anteriormente.

Você pode estar se perguntando: “Mas e da primeira vez que forem jogar? Não tem nada pra se basear ainda. Tem uma história pronta? Não precisa planejar?” Isso nos leva a…

Desenho de um mestre — o jogador que guia a trajetória de uma história em um RPG A impressão é que o “mestre” é quem controla o jogo. Mas será que é bem isso?

“O Mestre faz uma história e os jogadores escolhem o final”

Talvez uma das maiores expectativas em torno de jogos de RPG seja a de que o narrador, com toda a sua preparação, cria uma narrativa que é seguida e alterada levemente pelos jogadores até culminar no final da história. Isso vai desde a conversa pré-jogo, ao fazer das fichas, passando pela experiência da primeira sessão (ou “vocês estão em uma taverna”) até a continuidade do jogo em uma campanha.

Há vários jogos tradicionais que atribuem ao papel do narrador, direta ou indiretamente, a responsabilidade pela criação de uma história. Muitas das anedotas comuns em mesas de RPG passam por essa ideia: levanta a mão se você já ouviu coisas como “A gente vai largar tudo pra virar pirata” ou “Tá, mas a gente não quer ajudar o cara da taverna”. A minha tá levantada.

Somada com as ideias anteriores, surge uma certa animosidade entre o papel dos jogadores e do narrador, e isso pode ser um peso desnecessário. O mestre faz o máximo para “se precaver contra os jogadores”, como se fossem adversários e não colaboradores. Leonel Caldela, grande escritor e Mestre do meio, já disse mais de uma vez que tem como filosofia que “A essência do RPG é o Mestre contra os jogadores”. Ele faz questão de elucidar que é necessário permanecer justo, que tem motivos empíricos para o que diz, e me parece um posicionamento sensível e razoável, especialmente quando ele faz questão de dizer que essa postura deve ser direcionada às personagens, não às pessoas sentadas à mesa conosco. Ainda assim, essa pode ser uma percepção menos universal do que parece.

Eu evitei falar sobre isso até agora, mas a quebra desse paradigma em específico é a coisa mais revolucionária que eu encontrei quando conheci Apocalypse World. Como narrador, o jogo nos pede para “Jogar para descobrir o que acontece”. O terceiro e último Objetivo é esse, e é seguido de um parágrafo fantástico.

Jogar para descobrir o que acontece.

Tudo o que você disser durante uma partida deve estar de alguma forma ligado a esses três objetivos. Seus objetivos não incluem, por exemplo, fazer com que os jogadores percam ou negar a eles o que desejam, nem puni-los por alguma coisa e muito menos conduzi-los por uma história planejada previamente (NÃO PLANEJE UMA HISTÓRIA PREVIAMENTE, não estou de zoeira). Não é seu trabalho colocar os personagens em situações difíceis ou becos sem saída, ou puxar o tapete debaixo de seus pés. Perseguir qualquer dessas coisas deixará o jogo meio chato e travado, e você estará declarando antes de todo mundo o que deve acontecer, ao invés de jogar para descobrir o que acontece.

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

Esse parágrafo, e todos os seus desdobramentos através do jogo, foram a força mais poderosa no meu processo de desconstrução das expectativas anteriores sobre RPG. Não só o jogo pede ativamente para que não preparemos narrativas de antemão (com ênfase especial), ele também explicitamente pede um posicionamento diretamente colaborativo com os outros participantes. O jogo pede para que você siga as regras e confie que, fazendo isso, não haverá qualquer necessidade de ficar na defensiva.

Seja sempre honesto, até mesmo altruísta, diante da verdade. Os jogadores dependem de suas informações a respeito do que está acontecendo ao redor deles, além de quando e quais são os envolvidos, para que possam agir de acordo. O mesmo ocorre com as regras do jogo: jogue com integridade e sem esconder suas cartas. Os jogadores são donos de seus movimentos, de suas rolagens, das forças e dos recursos de seus personagens. Não minta para eles, não os engane, não brinque de “peguei vocês”!

Se jogar como adversário dos jogadores, a responsabilidade sobre suas decisões e a sua forma de encarar as regras construirão um conflito de interesses. Jogue com os jogadores, nunca contra eles.

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

Materiais de um jogo narrativo independente Existem tantas formas de se jogar quanto existem jeitos de se escrever em papel

Eu poderia ir além, falar sobre vários outros aspectos de Apocalypse World e dos jogos Powered by The Apocalypse: como alguns deles fazem com que “PVP” não seja um problema, mas algo divertido ou até desejado; como eles impedem que campanhas “durem para sempre” e acabem sem conclusão; ou como perguntas e respostas são usadas dentro dessa vertente de jogos para estabelecer os assuntos d’A Conversa de forma orgânica. Talvez no futuro.

O objetivo aqui é expandir a ideia de o que são RPGs analógicos, e o que eles podem fazer de diferente, sem impedir ninguém de ter as experiências que mais lhe apetecerem. Tocando no assunto, uma última provocação, se você já gostava ou se interessou por jogos analógicos, pode cair bem.


“Criar jogos é só pra quem pode”

Lembra quando eu disse, lá no início, que nossas tentativas de adaptar D&D acabam sendo uma porta de entrada para o game design? Pois bem, se o sistema d20 foi o meu “chamado para a aventura” do game design, Powered by The Apocalypse foi o “atravessar do primeiro portal”.

Apocalypse World contém, em si, discussões extensas sobre como suas regras foram criadas, e como elas podem ser desconstruídas e retrabalhadas. De certa forma, a Conversa pretendida pelos Baker na mesa de jogo se torna, quase dez anos depois da publicação original, uma conversa da comunidade, e gera uma miríade de outras conversas que seguem esse fluxo.

Então, tá. Baseado em Apocalypse World, mas não é mais Apocalypse World? Foda pra caralho.

— Trecho de Apocalypse World, edição brasileira

Os jogos Powered by The Apocalypse são hoje uma família vasta de experiências, de narrativas sobre romances adolescentes sobrenaturais em Monsterhearts, até astros dos filmes de ação e porradaria em Action Movie World ou novelas mexicanas em Passion de las Pasiones. Nós temos até mesmo jogos originais brasileiros, como Goddess Save The Queen e Deloyal.

Entre os lançamentos internacionais já disponíveis, Dungeon World foi o primeiro a aparecer por aqui, Monstro da Semana em seguida e Sombras Urbanas está quase aí. O Apocalypse World em si está em processo final de tradução pela Secular Games, e deve aparecer provavelmente até o segundo semestre desse ano: os trechos traduzidos foram generosamente cedidos pela editora para apresentação nessa matéria. O jogo está em fase de revisão, portanto um termo ou outro podem mudar daqui até a versão final.

É bom lembrar que todos esses paradigmas, os grandes e os pequenos, já vem sendo retrabalhados e repensados há muito tempo dentro e fora da comunidade indie, e que a produção de jogos independentes do país nunca esteve tão diversa, mesmo sem olhar para Powered by The Apocalypse em específico: Conexão, Postmortem, Pulse, Violentina e Veridiana são todos jogos brasileiros, que tratam assuntos diferentes, através de perspectivas radicalmente diferentes. As molduras estão sempre sendo desconstruídas.

O próprio Apocalypse World não existiria sem jogos como Ars Magica, Burning Wheel, Primetime Adventures, Shadow of Yesterday e Trollbabe, como a ludografia que fecha o jogo aponta. Talvez você tenha curiosidade de ler um, dois ou todos esses. Talvez nenhum deles, e tudo bem. Talvez você queira fazer você mesmo.

O importante é que a Conversa continue.


Você adquirir uma cópia da segunda edição de Apocalypse World para ler e jogar na loja online da Secular Games seguindo este link.