Mulheres do Século 20 é um filme feito de memória. Uma carta de um filho para a sua mãe que, ao mesmo tempo que quer parecer que ele entende o que ela tentou fazer para criar ele, é incapaz de entender a mulher que o criou. Mulheres do Século 20 folheia livros, escuta músicas e vê fotos. É uma busca frenética para entender quem foi Dorothea Fields, a mãe do narrador, Jamie. Dorothea nasceu nos anos 1920 (Jamie diz que ela nasceu “na Depressão”, como se “A Depressão” fosse um outro planeta), em meio a casas e carros tristes, em um tempo onde as pessoas não aceitavam que as coisas davam errado.
Mas a história que Mulheres do Século 20 conta é outra: a de uma mãe que tenta entender o mundo em que o filho vai crescer, para ajudá-lo a se tornar em um homem melhor. Dorothea, uma mãe solteira que é aberta o suficiente para convidar para a janta o bombeiro que apagou o incêndio de seu carro, e fechada o suficiente para seu filho procurar entender ela através dos livros, decide pedir ajuda às outras mulheres da vida do rapaz para ajudar Jamie a se tornar esse bom homem. Uma delas é Abbie, uma artista empolgada com o punk e a segunda onda feminista que se recupera de um câncer cervical; e a outra é Julie, a amiga de infância e paixão platônica de Jamie, que beira à depressão e à “auto-destruição”, como ele comenta.
Annette Bening entrega uma de suas grandes interpretações como a complexa, fascinante Dorothea
O filme é narrado por Jamie e Dorothea, ambos fora do tempo. Eles sabem o que vai acontecer no futuro e o que aconteceu no passado, e não se importam em complementar uma cena indicando o que vai acontecer com um personagem. Esse detalhe libera seus personagens de satisfazerem um ciclo narrativo. Eles só existem, no fim dos anos 1970, tentando encontrar a si mesmos em uma geração em que os significados seriam dramaticamente diferentes da geração anterior. Como descreve Dorothea, seu filho não vai crescer imaginando uma guerra nuclear, mas ele também não sabe que o punk não vai durar para sempre. Essas grandes observações nunca pesam em Mulheres do Século 20. Mike Mills, o diretor, modula a universalidade com o particular: Jamie viu o presidente cair da escada na TV; logo depois, ele vomitou no carpete.
Esse é um filme que está preocupado em ver Dorothea, e Jamie, e Abbie e Julie nesse tempo preciso de suas vidas muito mais do que fazer grandes declarações. O que é lindo, porém, é ver grandes observações surgirem organicamente na nossa frente. Dorothea quer criar um filho longe das mãos do patriarcado, permitir que ele desenvolva sensibilidade e intimidade. Mas, como mãe, Dorothea percebe que seu filho chegou naquele delicado momento em que sua característica mais importante não é mais “ser o filho de Dorothea”. Jamie está se tornando uma pessoa independente, que pensa e age sozinha. Em uma tarde com os amigos, ele faz uma brincadeira estúpida que faz seu coração pular e acaba no hospital. Dorothea é completamente incapaz de entender o porquê do seu filho fazer algo tão estúpido como esse. Ele, também, é incapaz de explicar.
Mulheres do Século 20 olha para essas mulheres que tentam criar Jamie, olha para quem elas foram e quem elas querem ser. Vê o tempo em que Dorothea cresceu. Vê como Dorothea vai ser vista pelo seu filho no futuro, e como vai ser impossível para ele contar para seus próprios filhos quem sua mãe foi. É um filme que vive nessa delicada ode à vida sem romantizá-la demais, porque ao romantizar alguém você simplifica sua existência. E nada em Dorothea é simples — uma mulher que vive em conflitos, mas que se mostra forte para seu filho; uma mulher ansiosa para entender quem Jamie vai se tornar, mas que também luta para entender que mundo é esse que o molda. É um filme que observa como essas pessoas, Dorothea e Abbie e Julie e Jamie, são muito o produto do tempo deles, mas também aquilo que tornou o tempo deles tão único. Como eles formaram, entre si, uma comunidade que significava algo enquanto eles estavam juntos, e como ela significou outra coisa completamente diferente anos depois. Mulheres do Século 20 folheia os livros e revistas, escuta as músicas e vê os filmes que formaram Jamie e Julie, que faziam Abbie pular e que mostravam para Dorothea que seu tempo havia passado. Mas é um filme muito mais preocupado com essas pessoas do que com essas influências. Ao folhear a enciclopédia da vida de Dorothea, talvez Jamie perceba que mais do que ler tudo o que tornou ela a mulher que ele tanto quer entender, ele entenda que o impulso de entendê-la é justamente aquilo que nos impede de realmente compreender que ela foi, mas que é tudo o que vamos ter dela.
Você pode assistir Mulheres do Século 20 no Telecine Play.