Enclausurado é estranho pra caramba.

Nem sempre é fácil ler os livros de Ian McEwan. Seus primeiros beiravam ao sórdido, como o marcante O Jardim de Cimento. Depois, ficaram extremamente introspectivos, como Amsterdam ou, mais furiosamente, Sábado. Seu livro anterior, A Balada de Adam Henry, flertava com muita coisa, e nem sempre conseguia entregar um bom desenvolvimento pra tudo. E daí agora tem Enclausurado, que é uma loucura.

“Loucura” no sentido virtuosístico. Enclausurado é um suspense sobre uma mulher que quer, junto com seu amante e cunhado, matar o marido. Até aí, tudo bem. Mas o ponto de vista que seguimos não é nem da mulher, nem do comparsa, e nem sequer da vítima. Quem nos conta tudo isso, com graça, um pouco de desdém, muito cinismo e um tanto embriagado, é o bebê que a mulher carrega no útero. Enclausurado é o nosso narrador, que ainda nem nasceu e que está ali, sendo testemunha do plano para matar seu próprio pai.

Parece maluco, e é, mas nunca sem verossimilhança. Ian McEwan busca uma realidade, tão pungente em seus livros (por mais fantasiosos que alguns sejam), até com essa premissa estranha. O nosso narrador é tão adulto em sua fala, tão preciso em suas colocações e tão opinativo sobre tudo (ele discute de política, criminologia e vinicultura com ótimas argumentações que tem de acordo com suas experiências de feto). As vezes contraditório, as vezes deliciosamente lúdico, o narrador de Enclausurado é um dos melhores experimentos da carreira de McEwan.

Esse autor, tão preciso e tão magistral no seu estilo e sua forma, já mostrou seu humor no excelente Solar. Mas o humor negro e na beira do irreal que nos apresenta em Enclausurado, enquanto constrói um suspense muitíssimo bem elaborado com ares de O Inocente (Ou O Relacionamento Especial) e que cresce de maneira precisa e deliciosa de ler (é o livro mais page-turner dele, com certeza). Não é um novo Reparação, mas é um tipo diferente de magistral: não é o escopo ou a investida, ou a metaleitura que interessa em Enclausurado. É saber que fim vai ter nosso narrador, que mal sabe da vida mas já conta muito bem uma história.