É uma série sobre grandes temas, mas pequenos momentos.
Looking foi sempre difícil de amar, e eu entendo isso. Como o único seriado americano centrado em personagens gays, sua responsabilidade de representar era gigante. Estreando como uma grande decepção pelo seu ritmo lento, seus personagens não muito carismáticos e com a impossível missão de representar toda uma comunidade em trinta minutos, Looking perdeu muita gente logo no primeiro episódio. Quem sobreviveu a ele, porém, deve ter se sentido presenteado.
Narrando a história de Patrick, um cara de quase trinta anos na São Francisco, e seus dois amigos – o artista e auto-destrutivo Augustín e Dom, que tem um pouco mais de idade mas luta para aceitar isso —, Looking não se propõe em ser um discurso gay, um manifesto de aceitação. Desde seu primeiro episódio, o seriado buscou ser sobre a vida de três pessoas que buscam por algo, alguma certeza, alguém. Algo, é difícil até de explicar o quê. É, enfim, uma série sobre qualquer um. Todos buscamos algo. Nós só não sabemos o que é.
Por isso, vendê-lo como o Girls gay talvez tenha sido um erro. Girls é sobre um grupo de jovens mulheres também tentando crescer na vida, em se sentirem mais seguras e se aceitarem. Girls, porém, é frenética, encontra obstáculos e seus episódios são quase lúdicos em relação a como enfrentá-los. Looking olha para o outro lado, buscando encontrar algo real. São episódios cheios de conversas, rotinas de trabalho e erros. Patrick, Augustín e Dom erram muito. Erram até sentirmos raiva deles. E então nós nos enxergamos ali, afinal entendemos esses erros porquê, bem, nós já os cometemos, continuamos a cometê-los e sabemos dessas consequências.
Claro, não é a toa que a série se centra em três personagens gays. Como em Weekend, o filme de Andrew Haigh (que também escreve, dirige e produz a série), a série é sobre o espaço entre duas pessoas e a luta que devemos ter, com as outras e conosco, em encontrarmos o que nos separa e decidir se devemos nos aproximar ou não. É essencial na comunidade gay que Looking retrata: a luta é muito exterior, uma luta por direitos, por uma aceitação e por igualdade, mas ela também é essencialmente interior; o arco de Patrick, por toda a série, é de “saber” se aceitar como gay, de não ter que olhar em volta quando beija aquele que ama, de poder se sentir feliz em ser quem é. Coisa que seus amigos já sabem e já enfrentaram — e, por isso, enfrentam outros problemas.
Looking sabe como tratar essas grandes questões sociais. Não há episódios centrados, por exemplo, em pregação de aceitação, de precauções contra a AIDS, de retratos de discriminação; mas está tudo lá, nas margens. Também como em Weekend, Haigh mostra que, para seus personagens, o preconceito está ali, onipresente, mas não os definem. É um passo importante, o de não se centrar nesses aspectos. Os personagens de Looking sabem e entendem todo o preconceito que os contorna, mas que faz exatamente isso: vive nas margens, como os assovios ou os gritos de “viado”, ou as piadinhas com queer. É um modo delicado, e corajoso, de retratar uma realidade.
Tais grandes temas, porém, são tratados com detalhes tão íntimos e pequenos. As conversas entre os personagens são tão francas, e suas reações são tão pequenas e tão honestas, que talvez seja difícil perceber um gesto facial, um tremor na voz. Looking se preocupa com o íntimo de que cada personagem está sentindo, e então se demora em exibir um olhar perdido, um toque, uma confusão de fala. É um seriado que trata grandes questões em pequenos momentos. Em detalhes, até.
Claro, Looking é lenta, e até exibir essa sua beleza (no belíssimo episódio Looking for the Future), grande parte do público já tinha pulado do barco. Pouco se evolui na série, os personagens são pessoas intrinsicamente perdidas e confusas (como todos nós somos), e é uma situação que não muda. O que muda são nossos conflitos e nossos planos, mas a confusão e a busca são eternas. E, assim, após uma tremenda segunda temporada, em que episódios poderiam ser facilmente excelentes curta-metragens, de tão bem construídos e pensados, Looking é cancelado.
É de se esperar, claro. O final da segunda temporada é delicado, mas simplesmente espetacular. Ao som de “Simple Man” do Graham Nash, vemos Patrick finalmente dar um salto no escuro, em tatear o incerto e decidir por si mesmo, sem pensar nos outros. A série acaba num fabuloso plano.
Qual a necessidade do filme que vai estrear nesse sábado na HBO, então? Bem, não muito dramaticamente; mas Looking: O Filme é, principalmente após o tiroteiro em Orlando, quase que um belíssimo, excepcional discurso de se compreender e de, finalmente, se aceitar em todas as suas dúvidas. Todos são humanos, afinal. Todas essas dúvidas são válidas. Looking: The Movie é necessário para finalizar, mas mostrar que nunca vamos encontrar aquilo que buscamos, mas que isso não nos deve impedir de tentar.
Como tudo no seriado, o filme se dedica a mostrar, nos detalhes, como todos ali não sabem muito bem se os caminhos que eles estão escolhendo são o que eles querem. Augustín define, em uma frase: “É difícil perceber que eu sou tão diferente daquilo que eu esperava ser”. Esse é o sentimento de Looking e do filme, perfeitamente definido. A decepção, mas a eterna descoberta, de saber quem você é. É triste, mas também uma surpresa. E aí mora a magia de Looking. Em nunca saber, mas sempre descobrir. Se somos bons ou ruins, pouco importa. Ao menos estamos procurando algo.
E, por isso, Looking é essencial.