Na última sexta-feira a Netflix liberou pro resto do mundo as sete temporadas de Gilmore Girls, antes disponíveis somente para a América do Norte. Se você, assim como eu, assistia nas terças-feiras de noite na Warner Channel, deve ter vibrado com a notícia. Afinal, Gilmore Girls é a melhor série já feita.
Gilmore Girls conta a história de três gerações de mulheres da família Gilmore. Lorelai, uma mãe solteira que teve Rory com 16 anos. Desde então, ela cuida de sua genial, inteligente e esforçada filha sozinha. Mudando-se para uma pequena cidade no interior de Connecticut, a fictícia Stars Hollow, ela é “adotada” pelos habitantes da cidade, que são uma sorte de pessoas divertidas e únicas. Quando Rory cresce e é aprovada em um dos mais renomados colégios do país, porém, Lorelai precisa se reaproximar de sua mãe, Emily, e seu pai, Richard, para pedir emprestado o dinheiro para pagar pela escola. E esse é o ponto de partida.
Stars Hollow é uma das cidades mais charmosas da TV
O que torna Gilmore Girls realmente especial são seus personagens. Lorelai é uma mãe incrível que, mesmo cometendo erros, busca o melhor para sua filha e, quando essa precisa traçar o seu caminho, busca seguir o seu. Rory é uma querida que precisa tropeçar e não é uma dessas adolecentes da TV que é idiota por ser idiota. Emily é uma matriarca com todos os seus defeitos, mas um grande coração e grande personalidade, mas as garotas Gilmore são apenas a ponta de um iceberg cheio de personagens carismáticos.
Você vai aprender a amar (e odiar) cada um deles.
Os habitantes de Stars Hollow criam uma das melhores mitologias da TV, de tão lúdicos e divertidos: temos Kirk, um empreendedor com os mais loucos tipos de negócio; Babette, uma das vizinhas de Lorelai apaixonada por gatos; Patty, uma instrutora de dança com gostos no mínimo exóticos; os colegas da pousada de Lorelai, Sookie (a excelente Melissa McCarthy) e Michel; a amiga de infância de Rory, Lane, uma roqueira enrustida; Paris, a para sempre arquirival de Rory; Luke, a grande paixão de Lorelai, e por aí vai.
Gilmore Girls cria esses personagens com grande interesse, e não se esquece deles (embora as vezes passar vários episódios sem sequer mencioná-los). Lorelai, é claro, é a grande força da série, mas todos esses personagens ajudam a torná-la a pessoa forte, sonhadora, medrosa e extremamente divertida que ela é. No passar das sete temporadas, todos esses coadjuvantes crescem de alguma forma significativa: alguns se casam e tem filhos, outros mudam completamente de vida, outros mudam mas percebem que antes era melhor, e mudam de novo. E assim por diante.
Assistir Gilmore Girls é voltar no tempo
Existe uma teoria de que as séries que vemos hoje são pós-pós-11/09. Séries como The Leftovers e The Americans tratam de como é difícil ter que seguir em frente quando algo nunca vai voltar ao normal. Gilmore Girls não vive nesse universo. Mesmo sendo produzida entre 2000 e 2007, a série nunca tratou das perdas do 11 de setembro, ao menos não de forma direta. Até mesmo séries que atravessaram a década passada, como ER, mudaram consideravelmente após 2001, mas Gilmore Girls se manteve ali, um forte onde tudo está normal, na medida do possível.
Assim, Gilmore Girls nunca acabou tratando de temas maiores do que seus próprios personagens. Se “grandes temas” funcionam para as séries que citei acima, aqui a coisa é um pouco diferente. Preocupando-se sempre com os pequenos dramas e pequenos prazeres na vida das Gilmore, a série acabava tendo um escopo no micro: como Rory vai superar tal problema na escola; como Lorelai vai contar a Luke que ela gosta dele; onde Lane vai esconder seus CDs agora que sua mãe descobriu onde ela os esconde, e por aí vai.
Vendo hoje, quase dez anos após a série ter sido cancelada, Gilmore Girls é um alívio. Uma pequena dramédia sobre o cotidiano de uma série de pessoas em uma pequena cidade no interior dos EUA não parece muito interessante, mas é justamente nesses personagens que se esconde a vida da série. São sempre eventos espalhafatosos, encontros da cidade e muito mais para criar a vida da série. Mas aquilo que dá a vida aos episódios é, realmente, Lorelai e Rory.
Eu quero passar o resto dos meus domingos assim.
Claro, Gilmore Girls não é a melhor série já feita. São vários os problemas. É uma série da temporada “baixa” de um canal aberto na TV americana. Não é um bom precedente em 2000, quando a HBO estava começando a fazer as séries que mudariam tudo, anos depois. Gilmore Girls tem sérios problemas de direção e de ritmo, e a atuação de Alexis Bledel é sofrível (ela melhorou muito depois). Mesmo assim, com as centenas de incertezas e péssimas escolhas (a última temporada é quase impossível de assistir), há algo no meio de Gilmore Girls que ainda é imperdível: um carinho gigantesco pelas personagens, e um cuidado que ainda é pouco visto na TV pelas pequenas histórias da vida. Após acabar sua maratona, não duvido que você não vá fazer como eu e recomeçar Gilmore Girls logo em seguida.
É, eu sei como é. Eu nunca mais vou deixar Stars Hollow.