Mais que sobre um mistério, Zodíaco é sobre a obsessão que ele gera

Se você conferiu as dicas de segunda e terça, já deve ter percebido o tema que guia as nossas dicas essa semana. Mistérios são uma força única para se contar histórias desde… bem, desde que sabemos contar histórias. Diferenciado do suspense de maneira soberba pelo mestre Hitchcock, o mistério seria um processo intelectual, na busca do porquê pelo espectador, e não na manipulação da tensão, como o suspense se baseia. O mistério nos cativa, ao menos nos casos que estamos apresentando essa semana, porque ele nos obceca.

O sucesso de Her Story, por exemplo, depende do quão fascinado você fica pelos primeiros clipes que você vê, o quão apetitoso o mistério se torna a partir dali. Em Serial, o mais incrível é acompanhar como Koenig se entrega ao mistério de Syed, e como ela nos faz, episódio por episódio, ficar obcecados pelos detalhes tanto quanto ela. Em Zodíaco, obsessão é a palavra de ordem — na frente e atrás das câmeras.

David Fincher é um diretor conhecido por filmar diversas vezes um plano, mudando detalhes mínimos a cada tomada. Sua atenção pelos detalhes se estende para sua pesquisa: em A Rede Social, seu filme de 2010, cada linha de código, cada versão de uma linguagem de programação e cada aspecto da criação do Facebook é exibida em tela com doentia perfeição. Em Zodíaco não há cenário, figurino ou close que não seja preenchido pela sensação de que a pesquisa exaustiva de Fincher e sua equipe de produtores confere ali uma pefeição para a época e local do que estamos vendo. É incrível o nível de detalhe, e o uso de cor que Savides (o diretor de fotografia) brinca, com amarelos e azuis bastante fortes, com sombras muito escuras, parecem os quadrinhos iniciais do final dos anos 1960 e início dos anos 1970.

Zodíaco, porém, é sobre a obsessão que o assassino do Zodíaco gerou na São Francisco daquela época. Fincher, que era uma criança na época dos eventos desse filme, tenta levar ao espectador o sentimento de medo constante, mas também de fascínio, que São Francisco nutria pelo assassino. A genialidade de Zodíaco, porém, é de conseguir fazer os personagens — um cartunista, um jornalista, um policial e suas respectivas famílias — se tornarem uma ponte para que o espectador sinta uma obsessão pelos crimes. Se você não sabe, o assassino possui uma legião que ainda o caça, com uma comunidade um tanto ativa na Internet.

Dirigido com uma precisão cirúrgica, Zodíaco é o ponto de maturidade de Fincher, que antes fazia filmes bastante estilizados e excêntricos, como Seven: Os Sete Crimes Capitais e Clube da Luta. Zodíaco é bastante contido, porém nunca sem desviar seu ritmo. Fincher decupa o filme com perfeição, sem planos exagerados nem um momento em que você se perde na ação. Como é de praxe com ele, seu elenco é afiadíssimo, principalmente em um filme que se sustenta numa investigação muito mais baseada no diálogo que na busca. Fincher ainda referencia, em muitos momentos, o clássico Todos os Homens do Presidente, com as informações chegando e com a sensação que, mais que a busca pela verdade, essas pessoas lutam mais pela sua vida.

O genial de Zodíaco é nos unir na obsessão de seus personagens em um filme perfeito. Em suas duas horas e meia, você viaja para uma época e lugar diferente de forma tão absurda que, ao final, a conclusão pode parecer aberta demais, mas é uma viagem que vale a pena, completamente. É um dos poucos filmes que consegue te fazer sentir na frente (ou na sombra) de um assassino, e do pavor e do fascínio que esse momento nos proporciona. Zodíaco é absoluto em como mostra a obsessão, e como ela transforma seus personagens — mas quem sai dali obcecado pelo caso é você.