Lugares, pessoas, paisagens e histórias se confundem em Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo.

Todo o casamento é perfeito, até que acaba.

“Galega bom dia, bom dia meu amor”, começa José Renato em seu diário de viagem. Pela próxima uma hora e quinze minutos, acompanhamos ele atravessando o sertão nordestino enquanto descreve, para a amada Joana, o que ele sente e a saudade que aumenta.

Ontem, a gente recomendou Firewatch, um jogo que levava o seu personagem principal para o isolamento de uma floresta, onde ele se reajustaria em relação à sua vida anterior. Em Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, José Renato está atravessando o sertão a trabalho. Ele é um geólogo que precisa avaliar o trajeto de um possível novo canal que o governo quer criar ali. José Renato conhece mais que paisagens, e mais que pessoas nessa sua viagem. Como Henry no isolamento em Wyomig, ele está lá para se conhecer, ou se reconhecer. Em certos momentos, Viajo Porque Preciso… flerta com a carta de amor, com o documental. Ele é certeiro, porém, quando não tenta nem um, nem outro. Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo é imbativel quando sentamos ao lado de José Renato em seu carro, olhamos para a janela e o ouvimos questionar seu amor, seu passado e seu futuro, enquanto observamos um Brasil muito brasileiro. Lá pelos vinte minutos de filme, enquanto uma caravana passa, a câmera fica observando o rosto de uma mulher — e ela retribui o olhar. É aí que a essência, e a magia, de Viajo… exala da tela. É aí que, mais que uma história de amor e de redenção, ele se torna um retrato íntimo do ser humano.

Imagem do filme

O rosto em questão, uma hora, se encabula. Olha para baixo, volta a olhar para a câmera, dá um sorriso tímido. Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo é um registro desses momentos, com várias pessoas. Nas vidas monótonas do filme, surgem esses instantes. Eles são breves, e quase imperceptíveis, esses momentos em que o tempo passa, em que percebemos que ele passa. Viajo… não busca a beleza da pobrezao ou na tristeza, como muitos poderiam fazer em sua situação. Ele busca, em sua viajem, entender a solidão. Mais que isso, porém, em entender a nossa necessidade de estar junto. De ter uma vida lazer, como uma das personagens dirá em um momento decisivo do filme. Afinal de contas, todos buscam amar e, ao menos um pouco, serem amados de volta.

Assim como sua realização, feita de restos de imagens filmadas para um documentário (Sertão de Acrílico Azul Piscina), os pensamentos de José Renato seguem um fluxo próprio. As vezes, ele se enraivece. As vezes, ele se foca no trabalho. Em outros momentos, ele se ocupa em apenas olhar a paisagem. Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo olha com ele, e nós percebemos como o filme funde paisagens e personagens, confundindo-os entre as estradas. Assim como os personagens, as estradas contam suas histórias, e assim como elas, as pessoas revelam tradições e cores que beiram o primitivo e o contemporâneo, o regional, o bem brasileiro, mas ao mesmo tempo o global. Viajo… é um registro de um momento, de um local que é tão específico que chega a ser um pouco de todos nós.

Ao fim e ao cabo, Viajo… é o drama de José Renato com saudades de sua galega. Ela foi embora? Ela morreu? O filme não deixa claro, e o mistério faz parte da nossa interpretação. Menos preocupados em responder, Aïnouz e Gomes preferem se voltar para a estrada e buscar o que nos faz entender Renato, Pati, a galega, dos Constantino. Em como, de realidades tão diferentes, conseguimos nos conectar com eles. Viajo… nos iguala pela nossa necessidade de nos aproximarmos, de formarmos laços e raízes, e de como eles nos prendem e sufocam quando começam a se romper. A força de Viajo… é de nos colocarmos ali, no carona, de podermos ver essas pessoas, e de dar a chance para elas serem ouvidas. Ele não quer mostrar uma realidade triste no Brasil. Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo quer mostrar que, no final de contas, estamos todos buscando a mesma coisa. Em uma época que tudo parece falso, que tudo parece temporário, que a vida parece estar em um pause perpétuo, todos só querem voltar a viver. Para José Renato serve qualquer coisa, seja resgatar ou esquecer sua galega. Ambos são um mergulho de cabeça, numa água agitada e gelada, para depois puxar o ar com força.

“Não aguento mais tentar te esquecer”, diz José Renato. Eu entendo completamente.

Um DVD deve ser lançado em breve, mas ainda não há previsão. Pra quebrar o galho, tem aquele link maroto pros amigos.