Serial faz história a cada episódio

Os podcasts, por anos, tentaram se identificar. Uma versão atualizada dos programas de rádio, agora na Internet, podcasts sempre tiveram o problema de não serem relevantes, de não introduzirem nada de novo que valha a eles serem considerados um meio de expressão. Não se engane: podcasts são divertidos pelos mais diferentes motivos, de serem verdadeiros diários sonoros a conversas fantásticas ou um modo interessante de contar histórias.

Serial é diferente.

Narrado por Sarah Koenig, Serial narra uma história real por temporada. Suas histórias são escolhidas pela falta de explicação. Algo falta nessas histórias. Mais que uma resolução, um detalhe. Um detalhe que não deixa de incomodar as pessoas por anos. Koenig e sua equipe buscam por esse detalhe, e vão onde a história os levar, onde os personagens que eles entrevistam levarem. E é aí que Serial une o melhor de dois mundos.

Serial é um trabalho jornalístico, não há dúvida. Koenig é uma jornalista que já trabalhou na área de Baltimore (e ligações da primeira temporada com The Wire são inevitáveis), e os melhores aspectos de seu trabalho transparecem no podcast. Com profissionalismo, Koenig narra uma história com paixão e em busca de fatos, sempre buscando não tomar lados, mas de entender seus personagens, o máximo possível. Serial, porém, se permite também as liberdades que os podcasts sempre reinaram sobre a programação de rádio: ele é extremamente honesto e, no final das contas, uma visão pessoal, as vezes até irreverente, de uma história.

Na sensacional — e já histórica — primeira temporada, Koenig segue a história do assassinato de Hae Min Lee, uma formanda do ensino médio em 1999. Seu ex-namorado foi preso após uma ligação anônima para a polícia indicar que deveria “seguir de perto” ele. Koenig não trata Adnan Syed, o preso, como vítima. Pelo contrário, em vários momentos ela chega a duvidar da história que ele conta e questiona se ele realmente não é o assassino, mas logo no primeiro episódio ela demonstra sua inquietação: se ele não for, toda uma comunidade está acreditando em uma história e lutando para que um real assassino seja solto; ou estão todos certos, e um jovem perdeu sua vida numa sentença perpétua na prisão.

Claro, ao final Serial não condena ou anistia Adnan, mas questiona os métodos de julgamento e os furos investigativos aplicados em 1999. Serial também questiona, em momentos, o modo como os bairros de Baltimore são criminalizados, ou vistos como criminalizados, por serem formados por muçulmanos, negros ou imigrantes. Koenig expõe, naturalmente e sem nunca ser catedrática, o modo como uma comunidade é vista pelo resto de uma sociedade, em uma visão pessoal e fascinante dos Estados Unidos. Em sua segunda temporada, esse escopo é aumentado para âmbitos internacionais, seguindo a história de Bowe Bergdahl, um soldado americano que desapareceu uma noite e acabou sendo sequestrado pelo talibã. Serial acerta em sua segunda temporada, mas também erra. Os erros de Serial, porém, indicam muito mais o quão esse é um trabalho de uma pequena equipe em contar histórias ouvidas de seus personagens, e entender seus motivos e posições.

Serial é um mestre em narrar, em indicar e em sugerir. É um monstro em criar uma comunidade ao redor. Para termos de comparação, um episódio de Serial teve em vinte quatro horas mais ouvintes que o grande campeão de audiência de Breaking Bad. Como a série da AMC, também, Serial busca entender como uma pessoa se transforma. Seja Adnan, de possível assassino para a figura angustiada dentro da prisão. Seja Bergdahl, e seus motivos para desaparecer. Mais que isso, porém, Serial engaja como poucas coisas hoje em dia (o Reddit da série é uma loucura de tanto conteúdo), e nos mostra nossa obsessão pela mente humana, e o modo que ela pode quebrar. Fazendo história a cada episódio, Serial indica a força milenar que é contar uma história bem contada.