Geralmente, o mundo não é um lugar bom nas comédias românticas. Tudo dá errado em O Diário de Bridget Jones, embora ela sempre consiga dar a volta por cima; ninguém em Uma Linda Mulher, com exceção de Julia Roberts, presta; e em Embriagado de Amor o mundo é quase que um purgatório.
E esses são só pra citar os filmes. Na TV, o mundo é cruel com os casais — principalmente se as séries costumam se alongar. Quantos casos de amor foram arruinados em How I Met Your Mother ou Will & Grace ou Happy Endings? Em Love, nova série da Netflix que estreou no último dia 19, o mundo não é um lugar tão ruim assim — mas Mickey e Gus são.
Mickey e Gus, os protagonistas de Love, não são anti-heróis. Eles só são pessoas que fazem escolhas erradas, sabendo que a possibilidade certa é a outra. Mickey tem um longo histórico de vícios; e Gus é tão neurótico e medroso que se torna dissimulado. Love acaba sendo sobre duas pessoas que se cercam de pessoas legais porque elas precisam de um apoio para melhorarem. E, nessa necessidade, surge um relacionamento raríssimo de se assistir, e que Love dá espaço para crescer: aquele formado por pessoas que não querem sair de perto uma da outra, e que dão os motivos mais esfarrapados para não saírem da volta um do outro.
Love é sincero e doloroso na sua forma de tratar esse relacionamento. Se nos primeiros cinco episódios vemos Gus e Mickey se conhecendo em meio aos compromissos diários, os cinco finais dessa primeira temporada fazem o serviço de explorarmos o porquê desse casal ainda não poder ficar junto. Mickey e Gus não estão no mesmo lugar em suas vidas: Mickey tem problemas de saúde para resolver, confrontos internos com ela mesma; Gus precisa saber o que quer, em meio as possibilidades que tem. Essa dissonância entre os dois gera cenas desoladoras dentro da comédia: lá no final do episódio oito, quando o caos realmente se instala na série, Mickey observa, obcecada, o telefone, com lágrimas se formando nos olhos. A cena anterior (que eu não vou contar aqui) torna esse plano devastador. É um verdadeiro caso de completa ausência de comunicação entre os dois personagens.
Você pode achar que a série é sombria demais, então? Nada disso. Embora trate de um relacionamento cercado de problemas, intrínsecos dos próprios elementos que o formam, Love é genuinamente engraçado. Pode não provocar as guinadas de riso como Community (a série anterior da Jacobs), mas o seu humor carismático existe na sua realidade: o condomínio que parece um inferno; os amigos de Gus, que são excessivamente legais, os casos de amor fracassados de Mickey; e todo o humor de situação que Appatow coloca em seus filmes (com muito sucesso no seu melhor, Missão Madinha de Casamento), aqui presentes com melhor efeito na curta duração dos episódios.
Com personagens principais fascinantes de tão falhos em um relacionamento honesto e ao mesmo tempo singular, Love consegue ser a melhor série do Netflix, conhecido por ambicionar com produções grandes e “de peso”, por finalmente entender seus personagens e saber o que quer contar. Colocando toda a primeira temporada a disposição, eu assisti Love de uma só vez. Se conseguir, não faça isso: os arcos dos episódios são tão bem fechados e os ganchos são tão bem pensados que cada episódio da série só tem na espera pelo próximo episódio. Love é precisa, honesta e engraçada, e já é uma das melhores novas séries do ano.