Firewatch apresenta a maturidade aos videogames

A gente aqui no PCM defende que os videogames não param de amadurecer. Nosso jogo do ano, por exemplo, é uma obra-prima na narrativa e na participação do jogador, colocando ele como espectador e agente da ação ao mesmo tempo. Agora a gente tem o prazer de dar como dica nessa volta de carnaval um jogo que segue essa linha (e, ao mesmo tempo, se alinha com as outras dicas que teremos essa semana): Firewatch, o belíssimo jogo de estréia da Campo Santo.

Começando com um delicado prólogo escrito, Firewatch aproxima o jogador do personagem principal, Henry. Acompanhamos Henry conhecendo, se apaixonando e vivendo com Julia, sua namorada e depois esposa, até que as coisas se complicam. O prólogo usa o mesmo método narrativo de Kentucky Route Zero, com o mesmo propósito, inclusive. As escolhas dadas para o jogador servem menos para levar a história adiante (elas vão levar para o mesmo lugar, afinal) e mais para alinhar a experiência de personagem e jogador, tornando-os cúmplices.

A partir daí, Henry se torna um vigilante florestal em Wyoming em uma época que buscar o isolamento ainda era possível. Na sua cabana, Henry só possui contato com Delilah, a coordenadora da reserva. Delilah é divertida e experiente, sabendo como solucionar os problemas que Henry se depara em quase todo o tempo. Ela é uma ajuda remota e nunca invasiva ao jogador, diferente de grande parte dos sidekicks que nos acompanham em jogos de aventura. Delilah não fica no caminho e não aponta roteiros, ela é uma companhia certeira.

Ela é, na verdade, o grande mistério de Firewatch, e sua maior virtude. A dublagem de ambos os personagens é soberba, mas Delilah possui um backstory que se revela aos poucos e sua profundidade como personagem se revela enquanto exploramos a floresta que nos cerca. Firewatch é um jogo de exploração física, mas também de investigação psicológica. O modo como você interage com Delilah permite (ou evita) que ambos troquem informações sobre suas vidas — e define como a relação de ambos irá progredir durante o jogo.

Muito pode ser questionado sobre as dinâmicas de Firewatch. O jogo nos apresenta um ambiente vasto, mas nos ilude quanto a sua função. Não estamos em um jogo de mundo aberto, como poderíamos imaginar, embora possamos explorá-lo quase que livremente. A Campo Santo não cria obstáculos muito visíveis para bloquear áreas, mas torna claro que os vastos ambientes de Firewatch na verdade são apenas caminhos para o ponto de destino. E é esse ponto que irá fazer a história progredir, e não necessariamente a jornada até ele. Não existem grandes desafios nesses caminhos, e poucas vezes o jogo irá apresentar algum obstáculo que fará o jogador pensar. A ideia de Firewatch é transformar o trajeto de Henry não em jogabilidade, mas em história. Tudo no jogo gira em torno das necessidades narrativas e emocionais, inclusive o relacionamento de Henry e Delilah. Escritos com perfeição, jamais idealizados e cheios de ansiedades e medos, Henry e Delilah possuem alguns dos melhores diálogos já escritos nos videogames.

Firewatch vai apresentar vários mistérios nesse caminho. O desaparecimento de duas meninas, o caso de um pai e de um filho, um misterioso incêndio. Nenhum deles é mais importante que o enigma que é Delilah e suas vontades. Ela é uma personagem fantástica, e é realmente emocionante perceber o quão forte sua conexão com a personagem se torna com o passar das horas. Querida, um tanto alcóolatra e bastante sedutora, Delilah escuta Henry sempre que necessário, mas também responde com sua necessidade de se abrir. E esse talvez seja o maior tema de Firewatch. A necessidade do ser humano de se conectar com alguém, da sua ansiedade pelo destino desse relacionamento (e não necessariamente no trajeto que se toma para moldá-lo), e uma nota sobre como no mundo de hoje, diferente desses anos 80 que Henry e Delilah partilham na floresta, em que ser monitorado é visto com normalidade, e até como segurança. A ideia de ser ouvida, de ter seus sentimentos expostos, enfurece e ofende Delilah. Firewatch nos lembra que intimidade é uma necessidade, e que a ideia de violá-la ou de sequer possuí-la.

E Firewatch é bem sucedido nisso também. Quando o jogo acaba, a decepção do jogador não é de como a história termina. É de perceber o quão nos tornamos íntimos desses dois personagens fantásticos por algumas horas e como é decepcionante termos que nos despedir deles de uma vez por todas.