Qual o mistério de Amor sem fim?
Escrito em 1997, Amor sem fim narra a história de Joe e Clarrisa. Em um lindo dia ensolarado, o casal faz um piquenique no parque, quando veem um homem voando, pendurado em um balão de hélio descontrolado, com uma criança no cesto, chorando desesperada. Joe, junto com alguns outros homens no parque, corre para o resgate. É aí que conhece Jed Perry, um dos homens que ajudam a controlar o balão. É aí que Jed se apaixona por Joe.
É estranho dizer nessas palavras, porque o modo como McEwan descreve as ações de Jed (sempre pelo ponto de vista de Joe, vale sempre lembrar), nunca parece que Jed se apaixona por Joe, e sim se torna obcecado por ele. É errado utilizar outra expressão, também. Jed persegue, encurrala e até fere Joe, coloca em risco o relacionamento com Clarissa e causa complicações profissionais. O que há com Jed, então?
McEwan é um mestre na prosa, mas é um mestre ainda maior em construir personagens desoladores, descontrolados ou a um ponto de implodirem. Como em Reparação (Atonement, 2003), Serena (Sweet Tooth, 2012) e O Inocente (The Innocent, or The Special Relationship, 1991), Amor sem fim é pontuado por longos monólogos internos e interpretações dos personagens sobre as situações que os cercam. Aqui, Joe ganha a vantagem de vermos as ações de Jed pelo seu lado (em um momento específico, e surpreendente, vemos o outro lado), e assim McEwan consegue manipular o desconforto e a fúria do leitor pelo personagem com uma facilidade surpreendente. Longe de ser dos seus livros mais macabros, McEwan não coloca na cabeça do seu leitor as sugestões aterradoras de O Jardim de Cimento (The Cement Garden, 1978) e Solar (2010), mas não deixa de construir Jed como um monstro, uma aberração.
É incrível como o livro, que tanto se pergunta o que há com Jed, fuja tanto dele. Não é a toa, Joe evita ao máximo o contato com o homem, e a narrativa o segue. McEwan constrói, porém, uma obsessão nas páginas de Amor sem fim, uma obsessão que parece ser narrada pelo próprio Jed. É os motivos pela sua obsessão que o livro se move - e McEwan pergunta para o leitor, até com frequência, para onde que você está levando essa história.
Amor sem fim é um mistério interno. Em determinado momento, Joe começa a ir atrás dos motivos do fascínio de Jed. Como você já deve saber, buscar as razões na paixão é uma jornada árdua e tortuosa, e muitas vezes sem retorno. McEwan explora aí os motivos do desejo dos seus personagens, não só de Jed, e como ele afeta a razão deles. Amor sem fim tortura Joe, e o leitor, por suas respostas difíceis, e pelas informações lentas e parcas que ele consegue. McEwan, hábil nas palavras, faz essa busca tortuosa para você também.
Como qualquer mistério, porém, Amor sem fim busca uma resposta. McEwan dá — e você vai questionar se você vai aceitar ela ou não. Ao nos deixar obcecados por uma mente obsessiva como a de Jed, McEwan nos iguala aos seus personagens e nos questiona, ao mesmo momento, o nosso motivo de sermos como somos. E esse mistério, McEwan não se dá o luxo de resolver.