Vamos a algumas verdades absolutas da TV: a última temporada de The Wire é uma decepção; Seinfield é uma das melhores comédias da TV, mas a idade pesa; Community era uma das melhores coisas que vimos na televisão em suas três primeiras temporadas, mas nunca conseguiu retomar sua glória depois.
Talvez, quem sabe, precisamos revisitar essas afirmações. A última temporada de The Wire realmente não é a melhor da série, mas considere que estamos falando no melhor seriado americano da história, para você ver o que estamos procurando. Seinfield continua excelente, mesmo depois de décadas, e suas melhores piadas não são aquelas que envelhecem. Em sua sexta temporada, Community mudou profundamente — e essas mudanças trouxeram uma de suas melhores temporadas.
Isso tudo é pra eu dizer adeus a uma das minhas séries favoritas. Community não foi cancelada por ninguém. Mas Joel McHale já disse que o elenco é caro demais para que uma série com pouco orçamento possa manter, e o serviço de streaming que salvou ela da última vez, o Yahoo! Screen, disse ter perdido 42 milhões de dólares com a série, e fechou as portas no final do ano passado. Community acabou, mas se foi em uma incrível temporada.
Em sua sexta temporada, Community era sobre mudança. Desde seu season premiere, com “Ladders” — em que uma nova administradora da faculdade comunitária Greendale pretende fazer mudanças na grade horária, removendo tudo aquilo que for inútil e vergonhoso, sendo contrariada pelo grupo de estudos por medo da faculdade perder aquilo que sempre teve de estranho e especial —, a série buscou refletir as mudanças internas, nos tipos já famosos de meta-comentários que a série sempre foi conhecida.
Community mudou muito nesses seis anos. Não só em elenco, que mudou profundamente a partir da quinta temporada com a saída de Donald Glover e Yvette Nicole Brown (que, como Chang comenta, “tornou o grupo de estudos branco demais”), mas principalmente em estilo de humor. Nas segundas e terceiras temporadas, os ápices criativos da série, Community sempre fora insana e completamente autossustentável, não precisando fazer graça com nada mais do que ela mesma, algo que pareceu irritar boa parte de sua audiência. Na primeira, era uma divertida comédia dos tipos de faculdade. Na quarta, simplesmente não tinha graça. Na quinta, era sobre como voltar a ter graça de novo. As comédias na TV mudaram muito nesse tempo. Sitcoms, hoje, são raras e questionáveis em qualidade (com exceção de Mom, assistam). Community percebeu isso.
Ao invés de tentar resgatar a insanidade e a criatividade de sua segunda temporada, porém, Community resgatou algo melhor: a beleza e o charme de sua primeira temporada, e apresentou a ela temas mais profundos, mesmo que continuando divertida. Em sua sexta temporada, Community se tornou aquilo que todos esperavam que ela seria, antes de ela se transformar em outra coisa: um belo show de estranhos e desajustados em um ambiente que permitia a eles serem exatamente aquilo.
Sim, a sexta temporada ainda possui episódios completamente conceituais, com falsos documentários e jogos que vão além da brincadeira, mas isso é pelo que Community é conhecida afinal. No meio disso, porém, a série criou aventuras mais pé-no-chão para seus personagens, que tratavam Greendale como um mundo orgânico, um lugar onde os personagens encontraram uns aos outros — e um lugar no qual eles acharam seu lar. E agora, Community era sobre deixar o lar.
E como isso é Community, seus personagens parecem saber disso e explicitamente tocam no assunto. No início, com a apresentação de seus dois novos personagens, o grupo original questiona as semelhanças (físicas e de personalidade) com seus “substitutos”. Porém, essas observações acabaram transformando o tema da temporada em como Jeff, que começou a série entrando em Greendale apenas para conseguir um diploma rápido, pode acabar sendo o único ali depois que todos se encontrarem e seguirem em frente. No final da temporada, seus amigos estão todos encontrando novas oportunidades (Abed vai ser showrunner em uma série meio The It Crowd, Annie aceitou um estágio em Washington, Britta está feliz trabalhando em um bar no centro da cidade — em uma cena que parece mover a mesa de estudos para uma mesa de bar, uma das grandes sacadas da temporada).
Esse nível de conhecimento de seus personagens, e do que eles precisam para serem completos, sempre esteve intrínseco no DNA de Community (e foi justamente a falta disso o que tornou a quarta temporada em algo tão estranho). Em sua sexta temporada, Community percebe que parece ser Greendale o paraíso do grupo de estudos, mas como qualquer paraíso, não pode durar para sempre, e os personagens percebem que não podem permanecer ali.
Claro, falando assim parece que essa temporada era toda sobre ir embora, algo meio melancólico. Embora seja seu tema central, a sexta temporada foi repleta de comédia. Abed, agora sem Troy, precisou lidar com suas manias de transformar tudo em uma fórmula de TV; Britta se reconciliou com seus pais e consigo mesma; Annie percebeu finalmente que seus amigos ali são o que há de melhor na sua vida, e não precisa mais mudá-los. Todos esses desenvolvimentos de personagem vieram repletos de piada, responsáveis por manter as engrenagens da série girando quase da mesma forma que a gente sempre conheceu ela. O humor charmoso e bastante preciso de Community parece ser a maior constante da série — aquilo pelo qual ela sempre foi reconhecida, e continuará sendo.
Mas, olhando para a sexta temporada agora, com certa distância, é certeiro falar que seu tom é bastante saudosista. Community tenta ser ela mesma quando não dá mais, quando precisa mudar e seguir em frente. Para isso, todos seus personagens ganham um certo final, mesmo Jeff, que finalmente percebe que, se seus amigos forem embora buscar novos picos, ele continuará lá para recebe-los se eles voltarem com a cara quebrada.
Porque Community quer que você siga em frente, assim como ela percebeu que precisava mudar pra continuar. Ela estará lá quando você sentir falta. Mudar é inevitável, seja para nós ou para séries. Nós podemos ter tudo, só não podemos ter tudo para sempre.