Tem algo de estranho e mágico no vento do cinema. Não é um vento normal. Quando “vemos” ele batendo no rosto dos personagens que estamos seguindo há uma hora, uma hora e meia, nós sentimos algo diferente.
Quando o vento bate no rosto de Zorg e de Betty, ali no meio de Betty Blue, no campo, a gente percebe. O vento não só conforta e pontua aquele momento mágico. Ele também está levando algo. Ele vai ser a lembrança deles, e nossa, daquele momento perfeito e especial — mas também do que irá acontecer depois.
Betty Blue é feito desses momentos. Contando a história do amour fou entre Zorg e Betty, um faz-tudo que cuida de casebres na praia e uma misteriosa jovem, o filme começa com uma cena de sexo dos dois, “assistidos” pela figura de uma Mona Lisa sobre a cama.
Em suas três horas de duração, Betty Blue percorre como Betty mudou pra sempre a vida de Zorg, um filho da segunda guerra, considerado da geração perdida na França. Zorg escreve, mas esconde tudo em cadernos embaixo da cama. Betty aparece em sua vida como uma força da natureza, fugindo de algo, sonhando com uma vida melhor. Ambos encontram um ao outro, e ao sexo, sua ferramenta de escape. A paixão enlouquecida de Betty por Zorg passa por transformações na vida do casal (de pintores de casas para refugiados na casa de amigos para vendedores de pianos), mas também por transformações em seu amor. Se no começo eles compartilham uma paixão sexual, ao final, quando Zorg vê Betty pela última vez, seu choro é de um amor que jamais perdurará. Naquele momento, Zorg sabe que toda sua vida mudou, e que Betty mudará também.
Betty Blue é fascinante porque consegue explorar como aqueles jovens têm, em um ao outro, não só a esperança de uma vida melhor, mas também uma força destruidora. Zorg e Betty não conseguem lutar contra isso, e eles nem tentam. Assim como a força que os move, eles são elementos da natureza, que vagam perdida e violentamente por uma França interiorana, buscando um lugar onde seu amor possa sobreviver.
Eles buscam, afinal de contas, um lugar para fugir desse vento que pontuará o fim de tudo. É sobre o quão inevitável é essa força parar, porém, que trata Betty Blue. Até os mais selvagens dos amores precisam de um dia de descanso. E é aí que a vida os alcança, e o peso dela pode os destruir.
Betty Blue (37º2 le Matín, 1986) está disponível em DVD.