Essa sexta-feira eu ganhei a versão de demonstração da ferramenta Criar Um Sim do The Sims 4 e estou empolgado utilizando (quase) todas as possibilidades do novo criador de pessoas virtuais durante o final de semana. Como a cada mudança de geração, fiquei impressionado pelas possibilidades quase sem limites da nova tecnologia de “maleabilidade” corporal e da tão falada expressividade dos Sims. Sim, eles parecem estar vivos, finalmente.
Mas essa demo me mostrou algo mais também: a Maxis está mudando, e The Sims 4 é seu passo definitivo para esse novo caminho.
Conhecida por ter criado o gênero de simulação em 1989 com SimCity (e por ter carregado esse gênero nas costas por quase de trinta anos), a Maxis já não é aquele pequeno estúdio que, em 2000, lançou The Sims ao mundo. Naquele tempo, o grupo de nerds que criavam um “simulador de vidas” não tinha ideia de que o jogo venderia milhões, tornaria-se a franquia de jogos mais bem-sucedida para os computadores, e tornaria o estúdio em um dos braços mais fortes de um dos grandes titãs da indústria dos jogos eletrônicos, a Electronic Arts. Hoje, a Maxis já é uma divisão composta por diversos estúdios que cuida de toda a área de jogos casuais da EA, mas o estúdio em si que lhe dá nome continua focado apenas nos jogos de simulação que sempre teve a paixão de desenvolver (e que causou a debandada de seus criadores nos últimos anos).
A antiga Maxis
Talvez o braço mais lucrativo da EA, a Maxis começaria lá no final da década de ’80, com o gênero de simulação, a possibilidade do jogo sem fim, em que jogadores não enfrentassem um grande vilão final para “virar” a história do jogo. De fato, não havia sequer uma história em SimCity, você só tinha que construir e tentar manter uma cidade. O estúdio reergueu os jogos para computador, que passavam por uma imensa crise criativa na época e nos anos seguintes realizaria uma série de experimentos baseados na mesma mecânica, mas com temas diferentes. Desde um simulador do planeta terra até um simulador de colônia de formigas, a Maxis iria ao declínio e retornaria ao sucesso diversas vezes (principalmente com o lançamento de uma sequência, SimCity 2000, em 1994), até ser comprada pela Electronic Arts em 1997.
SimCity 2000
Desde aquela compra em 1997, a Maxis foi um dos únicos estúdios que, nas mãos da grande e poderosa EA, não teve grandes mudanças. Isso é bom e mau. Bom porque não teve os mesmos fins da Pandemic, Mythic e tantos outros estúdios que foram dizimados pela empresa; mas mau porque não apresentou uma mudança estrutural e de visão como a Criterion, a DICE ou até mesmo a BioWare, beneficiadas com a compra pela corporação. Por mais de quinze anos, a Maxis ficou parada no tempo.
Mesmo que The Sims e The Sims 2 fossem um sucesso estrondoso, The Sims 3 mostrou claramente um cansaço da fórmula e até mesmo da figura humana dos Sims. Na terceira geração, aqueles sujeitos cheios de vida e animados que tanto criávamos (e que tanto se pareciam uns com os outros) no segundo jogo pareciam agora sujeitos blasé e frios com o mundo ao seu redor — algo impressionante, pois pela primeira vez podíamos sair de casa. The Sims 3 exibiu que algo precisava mudar, que a série de maior sucesso dos jogos para computador não sobreviveria mais muito tempo apenas numa atualização gráfica, em novas expansões e mais produtos avulsos a serem vendidos numa loja virtual. Isso estava fazendo dinheiro, mas não por muito tempo.
Há de se concordar, o lançamento de The Sims 3 em 2009 foi fruto de sete anos de um desenvolvimento conturbado na Maxis, com Spore em 2008 provando que grandes nomes não fazem um grande jogo. De fato, o terceiro episódio da franquia Sim saiu das mãos da Maxis, que estava atolada com o simulador definitivo, e ganharia um estúdio só seu. Em 2010 a Maxis fracassaria com Darkspore, um RPG de ação que se baseava no seu jogo anterior, e provaria mais uma vez que sim, algo precisava mudar.
A nova Maxis
Contei toda essa historinha para chegarmos em 2013 e 2014, quando finalmente podemos ver essa nova abordagem da Maxis em relação aos seus simuladores. Ano passado, SimCity, um dos meus jogos favoritos do ano foi lançado e, mesmo que tenha sido sobrecarregado com problemas no lançamento (servidores indisponíveis, ausência de um modo offline, etc.), mostrou a Maxis de volta aos trilhos. Uma interface completamente remodelada e limpa, diferente daqueles slides e barras dos jogos anteriores, acompanhada por um motor de simulação inteligente (o Glassbox, que também apresentou problemas no lançamento — corrigidos posteriormente), e um gerenciamento mais preciso do que está acontecendo. Os eventos não simplesmente acontecem no novo SimCity, eles são frutos de suas escolhas.
SimCity (2013)
Pois agora estou eu aqui experimentando o novo Criar um Sim (chamado amigavelmente de CAS pela comunidade de fãs do jogo) e posso lhes dizer. SimCity e The Sims 4 estão aqui não para serem nossas casinhas de bonecas com gráficos mais bonitos, eles estão aqui para mudar os jogos de simulação da empresa para um novo rumo. O gerenciamento estatístico é posto de lado — ele ainda é importante, mas como um fator e não uma necessidade; há muito mais além dele — para que a interação do jogador com aquilo que ele está construindo seja importante. É importante você escolher um bom lugar para colocar sua escola no SimCity, porque ela precisará crescer. É importante você escolher o modo de andar do seu novo Sim, porque será como ele passará pela vizinhança — e como seus vizinhos o conhecerão.
Essas novas importâncias são elementos que priorizam algo que a Maxis parece estar ensaiando há algum tempo. Criar um ambiente híbrido para jogadores aficionados por estatísticas e números e no gerenciamento destes; mas também criar uma nova experiência rica em momentos e sentimentos para se contar uma nova história, e é nessa última que The Sims 4 está sendo construído. Ao Criar Um Sim, você não precisa mais ficar horas rolando barras para escolher traços de sua personalidade, você seleciona um desejo e três aspirações que o ajudarão a traçar um caminho para atingí-lo. É uma maneira mais direta de lidar com a vida, mas também é uma maneira mais divertida e também respeitosa.
The Sims, por mais que sempre tenha sido um jogo polêmico por permitir relacionamentos homoafetivos, crises de depressão e poligamia desde antes de até mesmo os filmes se sentirem confortáveis em exibí-los (“nossa comunidade é ampla e precisamos tratá-la com respeito”, diz um dos produtores), é antes de tudo uma ferramenta para simular vidas e vê-las em situações improváveis e ver não só o comportamento dos seres virtuais, mas de seus criadores em relação a tudo aquilo. É a questão da ficção científica: criamos seres para que eles possam questionar o deus deles, bem como fazemos com os nossos.
Querendo ou não, The Sims sempre traçou tais paralelos e continua não fugindo a regra. Agora, porém, ele deixa tudo aquilo que era uma distração de tais assuntos para o lado, e reflete o novo desejo da Maxis: de deixar de criar as “casas de bonecas” repletas de “ratos de laboratórios”, para começar a criar ferramentas para que os seus criadores finalmente possam contar histórias com elas. E parece que com The Sims 4 ela está próxima de conseguir.