O outro é, tem sido e há grande probabilidade de que sempre seja o maior responsável pela nossa tragédia pessoal, da melhor maneira que Sartre pôde colocar e que não me vem outra forma de melhor dizer que não seja a sua. Adoramos encontrar culpados, inventar desculpas, criar barreiras, nos distanciando daquilo que não é correto, do que é injusto ou imoral. O problema, é claro, é que alguém precisa ocupar esse espaço não preenchido por nós.
Leonardo é um designer que vive com a esposa e a filha em La Plata, na única casa projetada por Le Corbusier, o mestre do modernismo, na América Latina. Não é por acaso que o primeiro contato que temos com o designer poliglota seja por intermédio de seu site, que nos mostra o quão bem sucedido ele é: Leonardo, o colecionador de obras de arte, vive de aparências, e é muito importante que tudo esteja – apesar de que nada seja – perfeito.
Entretanto, eis que o vizinho começa uma reforma em seu apartamento. Como vimos em Medianeras, existe uma tradição de reformas clandestinas nas cidades argentinas, onde a famosa janela na medianera parece ser a expressão mais comum desse costume. A medianera de Victor, o vizinho, entretanto, dá exatamente para a casa de Leonardo, e sua janela é um imenso buraco voltado para a sala do outro.
O filme é, então, movido pelo embate de forças entre os dois, e que parece nos jogar para o lado do machão e cafona Victor, e nos afasta cada vez mais do esteticamente perfeito Leonardo. Enquanto Victor é sempre filmado de frente enquanto fala – sempre sem meias palavras -, o enquadramento quase fechado em seu rosto, acentuando sua honestidade quase agressiva, Leonardo parece fugir da câmera, até mesmo nas cenas mais abertas como a da cozinha, onde aparece escondido atrás do armário. Pontuando bem os extremos dessa dicotomia, começamos a gostar cada vez mais de Victor.
Ignorando as ranhuras em sua ilusão de perfeição, como a relação com sua filha – e a dança horrível da menina -, Leonardo faz o que pode para salvar seu mundo de aparências. Salvar as aparências, entretanto, implica em não encará-las. É se isolando em seu mundo de superioridade, afastando-se do que compete ao alijado de seu ideal imaginário, que Leonardo se encontra incapaz de lidar com seus problemas.
E seu problema é sempre o outro.