Vikings e a tentativa do não-falso-real

Há algum tempo eu li um artigo sobre os realities que incendiavam a tv americana e lançavam um indício de chamas por aqui também. Quem acompanha os canais da tv à cabo, de maneira geral mesmo, pode notar como o esse tipo de programa é recorrente nas mais diversas emissoras. Temos uma vastíssima variedade, que vai desde mulheres seminuas na Multishow, até caras em mega oficinas no Discovery. Em uma cerimônia do Emmy, um de seus apresentadores chegou a brincar que um dia os roteiristas não seriam mais necessários, já que as maiores audiências da tv eram de reality shows.

O canal History, entretanto, apesar de ter o número de documentários históricos ultrapassado pelos realities como Trato Feito, Mestres da Restauração ou Caçadores de Relíquias, resolveu ir contra a maré de Big Brothers e American Idols, criando uma série com teor histórico deslumbrante e um drama que pode se mostrar um pouco mais do que realmente é.

Do mesmo diretor de The Tudors, Micheal Hirst, Vikings acompanha a jornada de Ragnar Lothbrok, um fazendeiro das regiões da Escandinávia que pensa ser herdeiro de Odin, em busca de novas terras férteis para além dos limites de seu país. Acompanhado de sua esposa Lagertha, seu irmão Rollo e mais alguns seguidores, ele desafia seu Jarl, o chefe de seu clã, e parte à caminho da Grã-Bretanha, dando início à expansão naval viking e à conquista de novas terras. Não demora muito para que Ragnar torne-se Jarl Ragnar, líder de sua tribo e responsável pelos novos métodos que criou e suas consequências para os povoados nórdicos.

Além disso, também podemos acompanhar a criação do drakkar pelas mãos de Floki, os costumes de uma sociedade politeísta, o lugar que a mulher ocupava social e politicamente, sua forma de governo, de ensino, de trabalho e de guerra. Tudo isso com uma trama bem interessante, que a princípio pode parecer bem simples, mas acaba se mostrando um pouco mais complexa à medida que as relações de poder vão se estreitando. Sem falar da experiência do estranhamento da descoberta e da realização da aventura, que é um dos fatores mais incríveis da série.

Em sua primeira incursão, Ragnar saqueia o Templo de Upsalla, onde encontra grandes riquezas e faz alguns monges cristãos de prisioneiros, para que sirvam-no como escravos. O novo líder dos vikings, contudo, é movido por um sentimento muito mais feroz que o desejo da conquista: o primeiro herói nórdico tem a curiosidade como engrenagem central de toda a sua força. Isso faz com que crie um interesse especial por um dos monges, Athelstan, que acaba lhe ensinando vários aspectos de sua cultura, e aprendendo outros mais.

A cisão entre as crenças e costumes culturais fortemente ligados à religião de ambos os personagens, faz com que Athelstan viva uma prática de auto-conhecimento e quebre com vários paradigmas de sua religião, descobrindo que a doutrina religiosa aplicada à socieade dos selvagens, talvez se aproxime muito mais de seu ideal. Isso faz com que tenhamos um contraste do pensamento da época entre as duas nações, que serve também para ilustrar alguns acontecimentos que estariam por vir.

É com essas problematizações e com esse recorte histórico que o canal tenta quebrar com o entretenimento à base de um real quase imaginário, em que as peças em jogo criam um simulacro, uma situação em que a realidade da coisa acaba criando uma fantasia que representa uma coisa sem realidade. Também há aí uma tentativa de se tentar o velho na esperança de retomar um pouco da qualidade perdida, trabalhando com a fantasia aberta e propriamente dita, contada a partir da realidade, ao invés da promessa do real que não representa a realidade de ninguém, nem situações reais, nem a captura de emoções ou ações reais, tendo em vista que qualquer participante de um reality, sabendo do lugar que ocupa, pode moldar a realidade aparente para qualquer que seja que ache que sirva melhor, criando uma sequência de falsas premissas e falsos resultados de uma falsa equação.

Nesse ponto, o abertamente fantasioso guiado por um roteiro de qualidade e que propõe uma experiência de aprendizado e imersão durante a história que conta, parece muito mais interessante do que o jogo mal feito que é o da falsa e rasa narrativa encoberta pela desculpa do real.

O programa é uma boa pedida para quem curte e tem curiosidades sobre a cultura nortenha.