O Grande Gatsby e a Era do Jazz

“Demonstrou interesse em ter a minha opinião sobre esse novo livro – tratava-se de O Grande Gatsby – e prometeu que me emprestaria o último e único exemplar que possuía, tão logo fosse devolvido por uma pessoa a quem emprestara. Ouvindo-o falar assim tão displicentemente de O Grande Gatsby, ninguém pensaria que se tratasse de um romance tão bom, a não ser que estivesse familiarizado com essa maneira que os escritores de verdade têm de se referir com certa vergonha aos seus melhores trabalhos.”

Assim fala Ernest Hemingway sobre um de seus encontros com Francis Scott Fitzgerald em Paris, na década de vinte, no seu livro de memórias parisienses Paris é uma festa. O romance de Fitzgerald, aclamado como o escritor da era do jazz, é uma das obras mais brilhantes da literatura e, até os dias de hoje, está presente em todas as listas de melhores livros de todos os tempos.

Retrato de Francis Scott Fitzgerald e Zelda Fitzgerald Francis e Zelda Fitzgerald no rolezinho.

Considerações sobre os anos 20

A década de vinte foi marcada pelo fim da Primeira Guerra Mundial, que resultou em uma boa fase econômica nos Estados Unidos, enquanto a Europa lidava com os pepinos do pós-guerra. Entretanto, aproveitando-se da prosperidade americana, os jovens da época – principalmente da burguesia – criavam uma realidade de quebras, buscando novos caminhos em meio às artes e novas maneiras de aproveitar a vida, o que culminou em uma era de euforia, entusiasmo, noites de bares cheios de longas conversas com poetas, músicos e escritores e festas da alta sociedade que contavam com as mentes mais brilhantes de sua época.

Claro, também havia o outro lado, como o da génération perdue, como batizara Gertrude Stein àqueles que serviram na guerra. Hemingway mostrou como era difícil a vida de um escritor e jornalista que trabalhava para manter a esposa e o filho em Paris: os dias que passara sem comer; as perigosas porém necessárias apostas em cavalos; as dificuldades criativas enfrentadas pelo escritor, mas, acima de tudo, lembra de como sempre haviam as belas luzes da cidade e um amor sempre a sua espera . Uma parte da desigualdade da época é mostrada na adaptação cinematográfica de O Grande Gatsby, na fala de Daisy: “rich girls don’t marry poor boys”.

Pode-se dizer, então, que acima de tudo, os anos vinte foram sobre recomeço. Desde o surrealismo de Dali e Buñuel, até o nascimento de lendas como John Coltrane e Miles Davis. E, eis que então, surge O Grande Gatsby.

O Grande Gatsby

Apesar de ter sido lançado em 1925, o livro abrange o período de 1890 até 1922, e se passa no verão de 22, no período pós-guerra. O romance conta a história de Nick Carraway, um jovem que, ao fim da “Grande Guerra”, resolve mudar-se e tornar-se vendedor de títulos. Afinal de contas, como ele mesmo diz, todos que ele conhece estão metidos nesse “negócio de títulos”. Assim, Nick acaba por ir para West Egg, e sua história, então, começa.

“- Sempre que você tiver vontade de criticar alguém – disse-me meu pai – lembre-se de que criatura alguma neste mundo teve as vantagens de que você desfrutou.”

Em West Egg, Nick conhece Jay Gatsby, um bilionário famoso pelas festas que dá em sua mansão, todas as noites. A fortuna de Jay é motivo de desconfiança – assim como o motivo de tantas festas, já que ninguém parece realmente conhecer seu anfitrião -, mesmo entre aqueles que frequentam sua casa todas as noites. Nick também é vizinho de sua prima Daisy e seu marido Tom Buchanan, um ex-atleta supersticioso e com manias de leitura. Seu casamento não tem ido muito bem, e alguns desconfiam que Tom tenha um caso, ideia sustentada pela melhor amiga de Daisy, a jogadora de golf Jordan Baker. As relações entre os personagens vão sendo construídas aos poucos, tendo Nick como espectador, o que nos ajuda a entender melhor as estranhas situações às quais ele é submetido, ora por Gatsby, ora por Tom.

A escrita tranquila e quase musical de Fitzgerald faz com que não esperemos, como diz Hemingway, que esse seja um romance tão incrivelmente bom e com um auge tão triste e sombrio. Como conta um membro da génération perdue, quando entrava nos cafés em Paris e via todas aquelas pessoas bebendo juntas e conversando: poetas, dançarinas, músicos, pintores, modelos e algumas “pessoas enfeites”, ele sabia que estavam interessados uns nos outros, e que esse interesse era movido pelo ambiente, pela cidade, pelas luzes, pela bebida e pela música. Ele sabia que teria uma boa noite.

Dessa forma, esse mesmo sentimento se mantém vivo quando você lê O Grande Gatsby. Os personagens, os lugares, as situações: tudo é tão familiar e amigável quanto uma reunião com velhos amigos. Uma viagem mágica ao coração da tão sonhada era do jazz.