A busca da diversão pelo entretenimento tem sido uma das maneiras mais confortáveis de mantermos a manutenção de uma estrutura do tédio e, em torno dela, criarmos um elo entre os entediados, tornando o fastio mais divertido ou menos tedioso – ou, pelo menos, criar um sentimento pessoal de não-solidão dentro de outro sentimento que é compartilhado por todos. É como se usássemos a desculpa da diversão para nos distrair do tédio, perdendo a oportunidade – e alijando nossa capacidade – de criar outras formas de satisfazer nossos desejos. Acabamos ignorando-os com estímulos prontos e oferecido-nos com mais facilidade.
Blaise Pascal fala da diversão como uma forma eficaz de entretenimento que nos tira a sensibilidade que é oferecida na oportunidade do tédio não entretido. Ela seria a responsável por fechar nossos olhos diante da oportunidade do novo e, insensivelmente, guiar-nos à morte.
O que vemos no episódio de estreia de Flash não é diferente do conceito de tédio da diversão como entretenimento. A série mantém o mesmo discurso gasto das histórias de super heróis que vêm sido contadas há anos nos quadrinhos, e que poderiam – se não deveriam – ter passado por algumas adaptações. A chance do novo, a meu ver, estaria na troca de mídia. Entretanto, o que vemos é a reprodução de histórias-estereótipos contadas com os mesmos clichês de sempre. Como a fórmula funciona, contudo, não há muito capricho no que diz respeito a maneira como a história é contada, desde que ela seja capaz de entreter.
Há algum tempo que algumas obras vêm ganhando visibilidade maior no mercado – principalmente por ganharem as grandes telas -, obras que expõem e desconstroem o enunciado do herói padrão: o bom, o ingênuo, o que carrega apenas virtudes e cujo os valores são incorruptíveis e indissociáveis de uma moral vaga e distante da realidade da contingência humana. O Batman de Nolan, Watchmen, Scott Pilgrim, Kick-Ass, todos têm trabalhado com a dialética existente entre as forças que agem sobre a pessoa por baixo da máscara, o que resulta na construção de uma figura mais associável à condição imperfeita do homem, e menos ligada à imagem da criatura moralmente perfeita. Até mesmo as animações da DC, como Superman vs A Elite, têm colocado em discussão os limites dessa moral frágil e forçada que foi imposta aos personagens e que não cabe em histórias onde a trama seja mais desenvolvida e complexa. O discurso do herói perfeito se torna menos tangível.
O garoto prodígio que fala em um idioma científico ininteligível para a garota bonita pela qual é apaixonado, que tem um passado familiar traumático e que sofre de uma série de coincidências absurdas, proporcionando-o algum tipo de supercapacidade que lhe imputa o dever de proteção – seja um assalto, assassinato ou a destruição global, as três formas mais recorrentes de ameaça à sociedade -, são todos fatores que descredibilizam a história, criam furos e pesam na narrativa, criando uma série-padrão-industrial que nada, ou quase nada, tem a oferecer além de entretenimento provisório ao tédio.
Constantine, entretanto, é um personagem que consegue quebrar com diversos paradigmas criados entre as relações herói-história-indivíduo. Como anti-herói, John tem um universo mais amplo a ser explorado, com menos regras morais impostas ao seu comportamento. Contudo, a série começou com as mesmas premissas da mocinha a ser salva, do passado sombrio, do dever de proteção, tudo isso criando uma atmosfera de deja vu em torno da trama. Ainda assim, o exorcista da Vertigo tem uma liberdade maior a ser trabalhada do que o herói da DC, o que ainda pode nos render algumas surpresas – confesso que o elmo do Dr. Destino me deixou mais animado com a série.
Sobre os atores que encabeçam o elenco de ambas as séries, ainda falta tempo para que nos afeiçoemos às suas interpretações dos personagens. Todavia, destaco a cara e o jeito de guaipeca de Matt Ryan, que servem muito melhor ao personagem do que toda a pompa e jeitinho blasé de Keanu Reeves. Ambas as histórias são sobre personagens carismáticos e muito queridos do público que acompanha quadrinhos. O que resta-nos, então, é esperar pelo seu desenvolvimento e torcer para não cairmos no tédio da perpetuação de estereótipos literários reproduzidos nas telinhas.