Você é Conway, um vivido motorista. Você dirige uma camionete igualmente velha, acompanhado de um cão igualmente velho. Você para em Equus Oils, um posto de gasolina esquecido no tempo, assim como você. Nele, está Joseph, um velho poeta, talvez cego, sentado entre duas bombas de gasolina. Você pergunta como chegar à Zero, uma estrada na qual nunca ouviu falar. Você precisa chegar lá para fazer uma entrega na Dogwood Drive, 5. Ele não sabe, mas conhece alguém que saiba. Você precisa ir até a casa dela. Você precisa fazer essa entrega.
Uma águia gigante é o que tem de menos estranho nessa floresta.
Assim começa Kentucky Route Zero, um jogo em cinco atos. Um jogo em que os personagens não têm rostos e tudo parece ser surrealmente realista. Na sua jornada, você conhece Shannon, uma mulher que perdeu algum querido em uma mina, e precisa resolver seus conflitos. Você conhece também Lula. E Julian, e Ezra. Você conhece várias pessoas, umas vêm e outras vão. Como na vida.
Kentucky Route Zero, Atos I & II, são atmosféricos. Seus ambientes, sempre vistos com certa distância dos personagens, permitem que respiremos o ar da estrada, a frieza da mina, o furor do escritório e o silêncio da igreja. Ambientes sempre grandes, mas não necessariamente cheios. Nessas ruas perdidas no interior de Kentucky, parece que aqueles que habitam lá estão mais perdidos que os fantasmas que os cercam.
Em uma estrutura bastante linear, mesmo para os padrões dos jogos de aventura point-and-click, KR0 se foca muitíssimo em contar suas histórias. Histórias, porque enquanto Conway busca a Dogwood Drive, cruza com pessoas que têm suas vidas, seus temores, seus sonhos e suas desesperanças. Cada personagem possui um próprio conflito para resolver, embora isso não afete a jornada de Conway diretamente: ele sempre segue em frente. As histórias dos outros, porém, se cruzam em uma intrincada teia de acontecimentos que remetem a acontecimentos anteriores ao tempo do jogo e que fazem parte de um mistério ainda maior. O que aconteceu com a criança de Lysette? Quem é, afinal, Weaver Marquez, e quem está enterrado no quintal dela? Quais as ligações entre Lula e Joseph? De uma hora para outra, enquanto um desses personagens conta alguma informação que pode ser útil a Conway, acaba dando mais um nó nessa história feita por tantas pessoas. Eles fazem algumas perguntas e, as vezes, você tem a opção de realizar alguma ação ao invés de outra. De dizer algo a alguém ou não dizer. Mas não fica claro se isso realmente tem impacto na narrativa — ao menos, não nesses dois primeiros atos.
De fato, KR0 parece estar preocupado mais em transmitir a história, a atmosfera e o seu mistério do que permitir a interferência do jogador. Não é crime algum, visto que o gênero de aventura point-and-click não é lá adepto de interferências narrativas. Nesse quesito, o jogo é excelente: há pouca interface, cada ambiente é acompanhado com uma trilha-sonora impressionante e uma qualidade visual de cair o queixo (mesmo não sendo fotorrealista, experimente jogar em uma tela de 1080p para ver os impressionantes cenários), e os personagens, mesmo sem falas, sem rosto e vistos de longe, se ligam ao jogador com força o suficiente para que possamos sentir a dor de Conway ao ter sua perna esmagada.
Talvez o maior problema seja que nesses dois primeiros atos praticamente nada é respondido. O que Conway está entregando, qual sua relação com Lysette e uma penca de outros mistérios sequer são respondidos. Há pistas em cada fala de personagens (e eles falam muito), mas Kentucky Route Zero está guardando o melhor para o final. Por enquanto, eles querem apenas que sintamos a brisa da estrada em nosso cabelo, e que ouçamos as maravilhosas histórias dessas pessoas com as quais cruzamos por aí.
As duas primeiras partes de Kentucky Route Zero fazem mais perguntas do que se preocupa em respondê-las. Mas é justamente esse mistério que nos faz esperar tanto dos capítulos seguintes — enquanto esperamos com a brisa da estrada em nosso rosto.