A primeira lembrança que tenho de Sherlock Holmes, apesar de ter lido alguns dos livros de Sir Arthur Conan Doyle quando mais novo, é de uma série, não muito antiga, que passava no Hallmark Channel, canal que talvez já não exista há muito tempo. Era uma série nos moldes britânicos simples, sem muitos cacoetes visuais ou grandes mudanças na natureza da obra. Era uma boa adaptação e um ótimo programa, afinal, com todas as aventuras do detetive e seu fiel médico/militar/detetive/escritor/amigo/aliado multiuso prontas – e sendo incríveis como são -, não deve haver lá grande preocupação com o que diz respeito ao conteúdo apresentado. A genialidade da obra do escritor é incontestável, e só poderia ter sido elaborada por alguém com o mesmo dom intelectual que os personagens de suas histórias. A grande dificuldade que noto, entretanto, fica à cargo da representação dos personagens, principalmente de Sherlock. O que vemos são representações infantis, mal acabadas, um esboço de Sheldon Cooper, frente à uma trama que não apresenta mais a força e a profundidade das histórias de Arthur.
Como exemplo disso, temos a última adaptação cinematográfica das aventuras do detetive. Downey Jr. e Law fazem uso de todos os clichês de bromances em um fime de ação onde o suspense, a tensão, a busca que podemos fazer pelos detalhes, as suposições que podemos fazer pelo jeito como agem os personagens, pelas pistas, sempre bem estruturadas e propositalmente colocadas aqui ou ali, tudo é deixado de lado. O que salva o filme, e faz com que a maioria das pessoa acabe se afeiçoando a ele, é o carisma do Homem de Ferro, com seu jeitinho afetado no melhor estilo Johnny Depp possível, como já é comum hoje em dia. O mesmo repete-se em Elementary, a série da Universal que traz sua própria versão de Sherlock, e também aposta nos trejeitos e nas manias para encobrir a falta de profundidade da trama. Tanto é, que não é difícil encontrar pessoas que comparem a série com House ou Lie to Me, ambas com personagens ícones do jeito “inteligente arrogante cheio de cacoetes” de ser.
Frente a isso, então, só nos resta assistir reprises de séries antigas ou nos conformar com o que tem sido feito por aí? Não, meus amigos! Não vos desespereis! Sherlock está aqui.
Na série de 2010, Benedict Cumberbatch e Martin Freeman vivem os dois detetives mais famosos da história, em adaptações modernas das aventuras escritas por Arthur Conan Doyle. Com três temporadas até agora, cada uma com três episódios de maios ou menos uma hora e meia de duração, a série tem se destacado cada vez mais por sua fidelidade à essência obra e por sua qualidade. Cada episódio trata de um livro ou conto adaptado para o século XXI, e traz tanto elementos novos quanto antigos, como Mycroft, irmão de Sherlock, ou Moriarty, nêmesis de nosso herói, todos com atuação impecável.
O carisma dos dois protagonistas, com suas histórias bem trabalhadas e seu relacionamento menos babacão – diferente, por exemplo, de Supernatural, onde os dois irmãos estão sempre mais ocupados com seu relacionamento do que com os casos que enfrentam -, esses fatores fazem com que a série adquira uma solidez que as outras adaptações não tem, podendo, assim, aprofundar-se no núcleo de suspense em torno do qual gira a trama.
De todas as temporadas a minha favorita, sem dúvidas, é a segunda. As outras são tão incríveis quanto, e a primeira desempenha muito bem seu papel de plantar a sementinha da dúvida e da expectativa, mas a segunda é o ápice desses sentimentos. Saindo do apartment 221B Baker Street, os mistérios ganham proporções mundiais. Além disso, existe agora um inimigo, a aranha que tece toda a trama que envolve os crimes mais geniais do planeta: Jim Moriarty é a encarnação da inteligência e organização a favor do caos. Então começa uma corrida para decidir quem estará sempre um passo a frente, no controle da situação, decidindo o destino do mundo ou da sua própria vida.
Para quem gosta do trabalho de Sir Arthur Conan Doyle, a série é uma ótima pedida, inovando na medida certa, mantendo os elementos novos e antigos em harmonia e dando o toque que faltava para termos uma adaptação que faz jus à obra do escritor!