Antes de começar a ler Sweet Tooth, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi “será que existe lugar para mais historias pós-apocalípticas?“. Confesso que o tema, geralmente acompanhado por amplas doses de mortos-vivos, tem se tornado desgastante. À medida em que íamos nos aproximando, recentemente, do 21/12/12, o tema ficou cada vez mais em evidência, atingindo picos absurdos tanto antes como depois da data, o que nos deixou sequelas como Meu namorado é um zumbi, de 2013.
Sweet Tooth, entretanto, honra o gênero, criando uma narrativa que prende o leitor do início ao fim, com seus personagens cheios de vida – mas não necessariamente uma boa vida, veremos – e com seu apelo reflexivo.
Gus é um híbrido de humano com cervo, que nasceu depois que uma praga se espalhou pela Terra, matando grande parte da raça humana. Junto com a doença vieram todos os híbridos, filhos de mulheres que engravidaram depois da praga; metade crianças, metade animais. Eles são caçados e estudados por militares que buscam uma cura no que parece ser a última instalação militar/científica que restou no planeta. Gus, entretanto, não sabe de nada disso.
Dente Doce, como é apelidado pelo Homem Grande, vivia com seu pai, isolado em uma reserva, sob uma doutrina religiosa muito rígida. Seu pai escrevera uma bíblia e o ensinara que as pessoas estavam morrendo, aos poucos, pelos seus pecados. Assim, Gus devia ser leal à Deus e não desobedecer as regras de seu pai, principalmente a regra número um imposta por ele: jamais deixar a floresta. Até que um dia, o pai de Gus também é levado pela doença.
Assim começa a história de Dente Doce e do Homem Grande. Uma história de guerra, perda e sobrevivência, mas também de compaixão, amor e prosperidade. E talvez essas coisas não representem uma dicotomia tão grande quanto aparentam. Talvez façam parte do mesmo ciclo sobre o qual se formam as histórias – nossa própria história, por exemplo – e assumam significados diferentes para um mesmo significante; uma guerra que busca a liberdade; o amor que nos aprisiona a antigas promessas; a sobrevivência que pesa mais do que a aceitação da morte. E essa batalha constante que envolve os personagens, tanto subjetiva quanto objetivamente, não perde forças nas extremidades das páginas.
A história contada por Jeff Lemire exige uma sensibilidade maior do leitor. Os personagens são apresentados, assim como os argumentos, mas a viagem principal dessa história em quadrinhos não é a que é feita da interpretação instrumental ou poética da leitura, mas da leitura que é feita da história onde se encontra o leitor pelo próprio leitor. Ou seja, quando lemos a história, estamos lendo a nossa história. Quase uma reflexão forçada sobre o impacto da vida de cada pessoa sobre toda a raça humana e da raça humana no planeta.
Além disso, a hq traz traços bem fora do tradicional, além de uma estrutura filosófica, que apesar de não se aprofundar tanto quanto poderia, é uma ótima experiência para uma história em quadrinhos. São quarenta edições da Vertigo, divididas em cinco grandes capítulos, que proporcionam uma aventura maravilhosa!