Existem poucos filmes como O Anjo Exterminador (El ángel exterminador, 1962), de Luis Buñuel. Os motivos para tal, entretanto, divergem-se pela crítica: de um lado, os que pensam não haver obra mais magnífica em sua crítica à burguesia enquanto tensiona as características do racional e as relações humanas (se também não é característica da racionalidade), montando uma pequena sociedade “selvagem”, descaracterizando os personagens de sua consciência humana com um surrealismo impecável; do outro, os que admitem não entender grande parte do filme e, assim como eu, não se importariam com algumas explicações (o equivalente ao dicionário de nadsat ao final de Laranja Mecânica). Porém, independente de qual seja sua opinião sobre o filme, este é imprescindível na sua “Wants to watch” list no MUBI.
Saindo de um concerto, um grupo de amigos da alta sociedade resolve reunir-se na casa de um casal de amigos para aproveitar o resto da noite. Ao final do encontro, entretanto, por algum motivo, nenhum deles se permite abandonar a sala. Algumas das conversas entre os personagens parecem não fazer sentido, e as repetições de cenas, ângulos e falas criam uma sequência de fatores muitas vezes sem nenhuma ligação, uma rotina que não segue um padrão e que, apesar de existir, não carrega em si nenhum sentido para sua existência. Em certo ponto, tentar encontrar respostas ou fazer sentido em O Anjo Exterminador é tentar alcançar um ponto intangível e, pior, imaginado por nós, sem nenhuma garantia de existência. Como disse Clément Rosset em Princípo da Crueldade:
“Com efeito, não há nada no real, por mais infinito e incognoscível que ele seja, que possa contribuir para sua própria inteligibilidade: se é obrigado a buscar seu princípio em outro lugar, a tentar encontrar fora do real o segredo desse próprio real.”
Assim, também, procuramos entender a estrutura complicada que Buñuel apresenta, mas que não contém em si os elementos necessários para que possamos chegar a alguma conclusão. Eis uma das belezas do filme: ele é incrivelmente vasto para ser compreendido em toda sua extensão, mas também é incrivelmente raso para que possamos fazer nele algum sentido.
“Me siento confuso. ¿Qué sucede aquí? No sé cómo hemos podido llegar a esto, pero todo tiene sus límites.”
Existe, todavia, o lado inteligível do longa mexicano. Buñuel critica os costumes e o pensamento da burguesia da época (apesar de admitir que a burguesia retratada em seu filme condiz muito mais com a inglesa do que com a mexicana). Também fala, em sua biografia, que ele avalia o filme como um estudo da vontade. O que faz com que todos presos naquela sala simplesmente não consigam deixar o lugar? O que faz com que uma pessoa ande em uma devida direção ou deixe de andar? Isolado, em uma situação extrema, o ser humano acaba deixando a razão de lado e pondo em primeiro plano seus instintos.
Mas será que isso é tudo? Existe mais alguma coisa por trás dos criados que fogem antes que do jantar? Do urso que aparece na cozinha? Da simbologia do apocalipse? Bem, nós do PCM ficaríamos gratos se você conseguir encontrar essas respostas.